Edição N. 01 - 18/07/2021
Orquestra

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório.

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques.

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders Revisão: Camilla Osório de Castro.

ALVORADA - boas vindas

MENSAGEIRO DO SÉCULO XX

Para Seu Abner, no seu centenário (primeira ver-

são em 10 de outubro de 2020)

Sou um ser de planos, sonhos, projetos. De cem, realizo um, de vez em quando. Todavia não desisto nem mudo nesse ponto. Só sobrevivo assim, procurando a minha galáxia, e dando com ela, às vezes. O mais recente é uma inspiração em muitas referências. Me veio lendo um livro sobre Clarice Lispector que lembra seus caminhos no Rio e é a digressão de um roteiro turístico inusitado.

Clarice foi jornalista e seu primeiro trabalho foi em A NOITE, vespertino com duas edições que levavam as últimas das últimas. Os vespertinos eram a internet da época. Diferente da rádio, também genial, levavam a palavra para ser vista por seus fiéis e ávidos leitores.

A turma do Seu Abner, filhos, filhas, netos e netas, amigos e amigas, de todas as gerações, vai entender porque ele é, também, uma das minhas inspirações nesse projeto que não revelei na primeira versão deste texto, e revelo agora.

Assinante de vários jornais, inclusive de circulação nacional, Seu Abner lia diariamente, desde sempre. Nascido na década de 20, exatamente na abertura desse tempo de grande efervescência literária e jornalística, tinha nesse hábito um ritual infalível. Eu mesma, algumas vezes, peguei carona nas edições de domingo, em visita à sua casa.

Quando comecei como assessora de imprensa, estagiária numa agência de publicidade, impressionei o contratante com clippings muito bem elaborados, recheados de recortes das edições que Seu Abner generosamente me dispensava, via Mácita, – sua filha e minha querida cunhada e amiga, – após sua leitura cotidiana.

 A leitura do jornal era para Seu Abner natural e necessária. No ano que nasceu, o analfabetismo assolava 80% dos brasileiros e quem teve acesso às letras, como ele, aproveitava com afinco esse privilégio.

Era de uma dignidade sem afetação nem pedantismo, a sua relação concentrada com os jornais. De vez em quando parava e fazia um comentário com quem estivesse por perto. De poucas falas, continha o brilho dos que não desperdiçam a emissão de palavras. Lia-as, sabia-as e expressava-as quando havia precisão ou vontade. Pois Seu Abner, estou aprontando mais uma. E inspirada no senhor, tão leitor,

Para isso tenho mergulhado no universo do ano de 1920, esse ano de tanta magia em todo o mundo e no qual o senhor desembarcou neste planeta de encontros e desencontros. Para sorte minha, foi reservado um encontro pra gente. Com o senhor e sua companheira maravilhosa Neucila, vivi momentos de acolhimento, fé e letras.

Eis aqui A NOITE em 2021. Na versão semanal, domingo à NOITE em 2021.Um semanário de leitura afetiva, reflexiva e lúdica no peso e na leveza dos nossos dias. Digital, chegará todos os domingos, no final da tarde, para quantos leitores se animarem. Bons momentos.

 

Tuty Osório

REPORTAGEM ENSAIO

RESSUSCITEM-NOS POR ISSO

por Miguel Boaventura

Foto: Celso Oliveira

HER, ELA, o filme, aparentemente fala de um angustiado homem contemporâneo completamente refém da tecnologia. A ponto de se apaixonar pelo sistema operacional assistente de tarefas, de nome Samantha – voz sensual, e ilimitada disponibilidade para suas demandas.

Sem piedade, HER nos pega pela mão e nos conduz a um mergulho num poço profundo de belezas envolventes, emocionantes. Com direção de arte pra lá de perfeita e atuações impecáveis de Joaquin Phoenix (o homem) e Scarlett Johansson, (a mulher aplicativo), a história revela o funcionário padrão de uma em- presa cujo produto é a terceirização da expressão das emoções. Um ghost writer infalível com as emoções alheias. Porém, completamente incapaz de expressar seus próprios sentimentos.

He, ele, vaga pelo verão da metrópole americana em busca do espelho em que se veja com requintes de Narciso. E tal qual o semideus da mitologia, ele sucumbe ao encontrar a sua verdadeira imagem. Como toda a obra, o filme pode ter múltiplas leituras, ao gosto do receptor. Uma delas é a gritante ausência de CUIDADO entre os personagens. A despeito da busca incessante que realizam nesse sentido. A carência está lá, contudo inconsciente. Não conseguem reconhecer, nomear, perceber que é por CUIDADO que procuram.

O CUIDADO, historicamente, é característica feminina. Até à idade média, as mulheres eram valorizadas nas comunidades pelo cuidar. Trabalhavam a terra por alimento, faziam a gestão dos animais, carregavam em seu ventre os novos seres, garantiam o cotidiano de crianças e velhos. Detinham saberes mágicos que curavam doentes e por todas essas tarefas detinham poder.

Poder pelo qual foram perseguidas. As que se rebelaram exilaram-se na clandestinidade das florestas ou arderam nas fogueiras inquisitoriais. Confinadas ao espaço privado e à invisibilidade, as mulheres continuaram responsáveis pelo cuidar, organizadas em comunidades informais, onde todas cuidavam de tudo, em conjunto, numa versão virtuosa do sentido do Comum – o que é compartilhado, comunitário, do grupo.

A primeira revolução industrial isolou as famílias na oposição entre espaço público e espaço privado, provocando uma mudança estrutural no conceito de família. De uma instituição ampla, reduziu-se ao conjunto mínimo, nuclear – pai, mãe, filhos e filhas. Esse isolamento iniciou-se antes, para alguns pesquisadores, no desmonte da autonomia do campesinato, ainda no período medievo.

Em muitas nações africanas e ameríndias, uma criança é cuidada e educada por toda a aldeia, significando que a solidariedade e o compartilhamento presidem as ações de organização da vida nesses agrupamentos. Na maioria das nossas cidades, essa comunhão é substituída pela terceirização do cuidar.

De um modo muito semelhante ao trabalho de he, em Her, as babás substituem as mães e os pais na dotação de conforto, comida e afeto. Para mães e pais poderem trabalhar em outras terceirizações. Por sua vez as babás deixam seus próprios filhos aos cuidados de outras mulheres. É uma sequência de contratações, em que o CUIDADO vale dinheiro. E uma ilusão de liberdade e responsabilidade para quem contrata. Velhos são zelados por babás de adultos nos hospitais e nas residências. Quanto valem essas mãos e esses corações que cuidam? Carmen Miranda, a maior estrela da música nacional, brilhou em Hollywood sem nunca ter cessado de cuidar. Cuidou dos pais, dos amigos, das irmãs. E desejou tanto cuidar de filhos que arriscou sua carreira. Diante da frustração de não conseguir deixou-se tragar por remédios em devastadora solidão. Carmen, que conquistou sucesso, dinheiro, fama, um séquito de fãs, já famosa, atravessava a rua em tamancas para servir marmita de almoço a Pixinguinha e outros camaradas na sede da Rádio Mayrink Veiga. O que nos diria o CUIDADO, como personagem central de uma reportagem especulativa a respeito de seu abandono, em contraste com sua importância? “Ressuscitem-me”, talvez? ”Ainda que mais não seja, porque sou poeta e ansiava o futuro”. Por um amor de resgate, amor de verdade, resgate de horas com acolhimentos cotidianos. De união em torno do bebê que chegou, do avô que está partindo. “Para que a família se transforme. E o pai, seja pelo menos o universo. E a mãe, seja pelo menos a Terra”.

 

TRILHAS:

(referências para curtir mais o tema) HER (filme), por Spike Jonze, 2013.

A BRUXA (filme), por Robert Eggers, 2015 CALIBÃ E A BRUXA, por Silvia Federici, Tradução Coletivo Sycorax, Editora Elefante, 2017.

CARMEN uma biografia, por Ruy Castro, Companhia das Letras, 2005.

O Amor, por Gal Costa (canção de Caetano Veloso), 1981.

A Filosofia e o Amor (vídeo), por Silvio Almeida disponível em: https://www.youtube.com/watch?- v=4EtKPjY6Tt0.

CONTO

REDENÇÃO

por Tuty Osório

Pelo vidro da ala de pacientes terminais, Raquel observou Francisca Dora. Serena, olhar no teto, devastada, nenhum órgão restara a salvo. Não era pensamento bonito de se ter, mas perguntava-se Raquel porque não morria Francisca Dora? Se não restava mais recurso, porque não partia deste mundo? O que a mantinha aqui, lúcida, envolta em dores que somente a morte aplacaria?

Um dia, Francisca Dora desfez o mistério. “Não posso morrer sem voltar ao meu interior*”, falou como em confissão, voz determinada. “Vocês têm que me deixar sair daqui, para ir.” A plantonista explicou-lhe em palavras brandas que não poderia viajar. Não tinha condições de deixar o hospital, enfrentar estrada. Raquel vararia muitos estágios depois daquele. Saúde mental e seus atormentados viajantes. Passageiros da UTI, confusão cerebral. Duelo com o sofrimento.

E jamais esqueceria de Francisca Dora e de sua decisão de não morrer sem voltar ao seu interior.

“Preciso me despedir das pessoas. Aconselhar o teimoso do Tonho que perdoe a filha perdida e acolha, que é ela que vai ser o esteio dele na velhice. Sentar na calçada e ter minha última prosa com a comadre Vitalina, saber dos meninos dela que foram trabalhar por São Paulo. Dar meus pitacos nas costuras da Maria das Graças que senão ela fica perdidinha”, explicava.

E desfiava o rosário de amigos a rever, falar e abraçar. Sem isso não adiantava insistir porque não morria. Não ia morrer assim, arrancada dos seus, enjeitada, sem se despedir.

 

 

Tinha que voltar. Era preciso. E por dias persistiu na ideia. E repetiu sobre os que tinha que rever e o que tinha a dizer a cada um. Chorava, mais dores sentia, e não morria. Médicas, enfermeiras, psicólogas, voluntárias, todas em angústia, sem saber como ajudá-la. A viagem era impossível no estado em que se encontrava.

Até que Raquel, imersa na compaixão, inspirou-se. Se Francisca Dora não podia ir, poderiam trazer o seu interior até ela. Tomá-la pelas mãos da imaginação e desenhar na sua mente  a calçada, os amigos sentados nas cadeiras de treliça, em escuta do que tanto desejava falar-lhes. E assim fizeram.

Horas a fio, dramatizaram o desfile dos queridos na ficção do coração de Francisca Dora. Que em transe consciente, despediu-se de todos, um a um, como se lá na sua cidadezinha estivesse. E, aos poucos, seu corpo foi se desapegando.

Com um meio sorriso no rosto não mais torturado, naquela tarde, Francisca Dora morreu.

*Interior é como se denomina a cidade de origem dos cearenses, quando fora da capital. (Nota para quem não conhece a língua Cearês)

O BEM VIVER

IMAGINAR OUTROS MUNDOS

Por Camilla Osório de Castro

O Bem Viver. No sentido que lhe é atribuído pelos kichwa, indígenas do Equador, em sua língua, sumak kausay, que denomina sociedades verdadeiramente solidárias e sustentáveis. Sumak kausay é parente do teko porã dos guaranis brasileiros, da minga ou mika andina, do ubuntu (Eu sou porque Somos) dos povos africanos. Mais do que uma cosmologia ameríndia, o Bem Viver é integrante ancestral de culturas diversas e chega aos nossos dias no fazer solidário do povo, nos mutirões em vilas, favelas, comunidades rurais. É filosofia da roda de samba, da roda de capoeira, das rodas de conversa nas Unidades Básicas de Saúde do SUS.

São do Bem Viver as hortas urbanas inclusivas. Histórias que vamos contar aqui. Para abraçar a utopia possível, desenhar um modo de estar no mundo que nos devolva vida, em lugar de aniquilamento. Sem negar ciência, pragmatismo, realidade, vamos mostrar, em harmonia, o TANTO, o COMO e o PORQUÊ do BEM VIVER ser possível. Além de necessário.
Nas palavras de Boaventura de Souza Santos, na apresentação do livro O BEM VIVER, do equatoriano Alberto Acosta (criador da legislação dos direitos da natureza), “não há apenas uma maneira para começar a construir um novo modelo. A única certeza é a de que a trajetória deve ser democrática, desde o início, construída pela e para a sociedade. Os seres humanos são uma promessa, não uma ameaça.”


TRILHAS
O Bem Viver, por Alberto Acosta, tradução de Tadeu Breda,
Autonomia Literária e Editora Elefante, 2016.
Ideias para Adiar o Fim do Mundo, por Ailton Krenak, Companhia das Letras, 2019.
A águia e o colibri, por Kaká Werá e Roberto Crema, Arapoty
Livros, 2019.
A Queda do Céu, por Davi Kopenawa Yanomami, Companhia
das Letras, 2015.

CRÔNICA

CUIABANIA ESTRANGEIRA – Histórias de Chapa e Luz

Por Tuty Osório

Os cuiabanos, gente da capital de Mato Grosso, nascidos ou não, são orgulhosos e ciosos de sua Cuiabania. Quando um cuiabano te é apresentado dá sempre um jeito de falar nisso, descrever o que o faz cuiabano – são as danças do siriri, cururu e rasqueado, a prosa na beira rio, o peixe frito e a maria isabel, o jeito manso e corajoso de levar a vida, seja na flauta, seja na luta.

Visitei Cuiabá pela primeira vez em 2008, com uma missão bonita de ouvir as pessoas em grupos de pesquisa. Escutas que me revelassem demandas, desejos, críticas, alegrias  e angústias. Não comi a cabeça de pacu nem me mudei pra lá. Contudo, a paixão foi imediata. E os retornos, constantes. Uma árvore de amigos e amigas, muitas surpresas, sempre.

Esse Brasil que o Brasil conhece nada, ou muito pouco, tem o Brasil inteiro em si. Povos ameríndios, quilombolas, marcas portuguesas, imigrantes do sul. É um Brasil misturado de um tudo, um território de mais de 300 anos na corrida da contemporaneidade. Uma cidade que me acolheu em sentidos diversos. Pessoas compassivas, empáticas, coloridas e cantantes, começando pela cadência do falar.

Pessoas que declaram, sem titubear, amar o calor de 40 graus à sombra. Curtem alegremente o presente e não perdem a fé no futuro. Dificilmente, um cuiabano de Pedra 90, Pedregal ou Padre Fábio, é cínico na sua fala. Podem ser exigentes, conselheiros, todavia, esperam sempre o melhor.
Salve Cuiabá. Cidade onde me perdi e me achei em afetos, angústias e celebrações. Eu que tenho como presente minha própria Cuiabania. Cuiabania de São Benedito, de Teresa de Benguela, de Maria Oliva,
dos guardiães do Xingu, e dos nordestinos, que também compõem essa gente. Cuiabania do olhar para a cidade que sofre, que cresce, que amplia, mas cura suas feridas, de dia em dia.
Cuiabania minha. Emprestada. Concedida. Aceita. Amada.


TRILHAS
Cuiabania Estrangeira, por Tuty Osório, Edição da Autora,
em projeto, lançamento em 2021.

ROTEIRO AFETIVO

CLANDESTINO

Por Tuty Osório

Conheci Clandestino, o Café, há muitos anos, quando ficava no início da Asa Norte, em Brasília. Morei na cidade, meu lar eterno, e sempre volto para fazer muitas coisas boas – trabalho, amigos, meditações. Passei um ano sem ir pelos motivos evidentes da Pandemia e voltando para um Projeto, hospedo-me num Air BNB e reencontro Clandestino na 413 Norte. O Café Clandestino é um lugar sóbrio, com projeto de ambientes moderno, em tons cinza supreendentemente combinados com madeiras escuras e azuis turquesa. A suave elegância vai além do espaço. Quem está nas mesas raramente fala alto, a música percorre paradas clássicas – blues, jazz, samba canção, MPB da melhor tradição. Dia desses uma sequência de Mornas caboverdianas aqueceram, mais ainda, a manhã banhada de calor invernal.

Cafés, chocolates, chás, sucos, cervejas e drinks estão no cardápio. Torradas criativas – como a de guacamole com ovo pochê e outra de mix de cogumelos, atraem para uma combinação de sabores. Os sanduíches em baguete rustica contêm surpresas como o de linguiça caseira com queijo alpino que se come rezando. Os vegetarianos e veganos têm seu lugar no mesmo mix de cogumelos das torradas, nos bolinhos de tapioca e outras iguarias mais. Para sentar, saborear, conversar, trabalhar, ler e sonhar, tudo fica bom no Clandestino. Muito espaço ao ar livre, protocolo de prevenção impecável sem gerar constrangimentos, silêncio abraçado por ruídos acolhedores, o Parque Olhos d ́água em frente. Vá sem mapa e sem capa que a clandestinidade ali é solar.

 

TRILHAS
Café Clandestino – 2a e 3a de 12h às 20h – 4a a sábado de 9h às
20h – domingo de 9h às 14h – CLN 413, Bloco D, Brasília –
DF – (61) 39635919 – Instha @cafeclansdestino
Comidaparapensar.com/mapa – dos – cafés- de-bsb

CURADORIA

LIVROS

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Medos Rabiscados, por Sofia Osório, Edição da Autora, 2021 Sofia sublima as angústias de- volvendo-as ao universo sob a forma de poemas, crônicas e contos. Rabisca os seus medos em páginas ilustradas, provando com lirismo que a arte salva.

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O Rio de Clarice, por Teresa Monteiro, Autêntica Editora, 2018

Os caminhos de Clarice Lispector pelo Rio de Janeiro, onde morou da adolescência até o falecimento, são o ponto de partida para a criação de

um roteiro turístico inusitado e inspirador. O Leme, bairro que amava, as livrarias, restaurantes e até a banca e o mercadinho prediletos.

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Meio Sol Amarelo, por Chimamanda Ngozi Adichie, Dom Quixote, 2017

A breve vida do Biafra enquadra o crescimento de Ugwu, um garoto de treze anos que aprende o mundo aos olhos do seu senhor. Os personagens

enfrentam o desafio de fazer escolhas definitivas sobre amor e responsabilidade, passado e presente, nação e família, lealdade e traição. Todos assistem ao desmoronar da realidade tal como a conheciam, devido a uma guerra que tudo transformará.

FONTE: site da editora

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Lugar Nenhum, por Bjorn Berge, Tradução de Leonardo P. da Silva, Editora Rua do Sabão, 2021

Há três décadas, o autor se dispôs a conhecer absolutamente todos os cantos do mundo. Como nem sempre a vontade e as possibilidades andam juntos, Bjørn Berge se pôs a viajar coletando selos, descobrindo suas histórias, analisando desde a origem da cola e tintas que o compuseram até os motivos da escolha das imagens. Curiosamente, o autor só coleciona selos de países que

que deixaram de existir. São as histórias de cinquenta países que existiram, mas foram apagados do mapa. Variando muito em tamanho e forma, localização e longevidade, estão unidos por um fato: todos eles resistiram tempo suficiente para emitir seus próprios selos.

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Raiva, Monika Isakstuen, Tradução de Leonardo P. da Silva, Editora Rua do Sabão, 2021 Numa versão século XXI de Casa de Bonecas, do também norueguês, Ibsen, Raiva conta da maternidade e da condição feminina com menos bordados e mais

realismo. Um trabalho pouco valorizado, nunca reconhecido em sua dimensão de manutenção da vida, sobrecarregado de culpas que fazem a mãe questionar a sua identidade e o seu lugar. Mais uma recriação brilhante para o português do impecável tradutor do norueguês de A ESCOLHA DE SOFIA e outras obras, inclusive de Iebsen.

FONTE: site da editora

FILMES

Central do Brasil, Walter Salles, 1998.

Central do Brasil é um símbolo da chamada retomada do cinema brasileiro. O filme gira em torno do encontro de Dora, uma mulher que escreve cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, e Josué, um menino em busca do pai. Salles propõe com poesia a descoberta, pela janela do trem, de um Brasil sofrido, mas que nutre grandes esperanças. No livro “Pai, país, mãe, pátria”, o crítico de cinema José Carlos Avellar ressalta a busca do pai, do personagem Josué e da pátria, de um Brasil que se reinventa naquele instante. Central do Brasil

é um belo convite a olharmos para dentro de nós enquanto povo.

 

Silenciadas, por Pablo Aguero, 2020.

Um grupo de jovens garotas no País Basco de 1609, por causa de suas brincadeiras no bosque, recebe a acusação de bruxaria. Uma sequência de performances conta alegoricamente a histórica opressão que as mulheres sofreram, com o objetivo de exterminar o seu poder e encantamento.

SÉRIES

Os Maias, Rede Globo, 2001.

A série é uma adaptação da Rede Globo, dirigida por Luís Fernando Carvalho, do romance homônimo de Eça de Queiroz. É a tragédia de uma família em duas gerações perseguidas, como todo o herói trágico pela própria desmesura (hubris) que os faz seguir o caminho que levará a sua destruição. Olhando um pouco mais a fundo, identificamos na obra de Eça um tom, que é mantido pela direção de Carvalho, de melancolia e ceticismo ao observar uma sociedade que se moderniza mantendo todas as heranças de seu passado. Chama a atenção o debate acerca da virtude, se deve ser praticada por temor a Deus, como querem os religiosos, ou por amor a ela mesma, à honra e ao bem comum, como quer o iluminismo.

This is us, National Boradcasting Company, 2016- 5 temporadas.

Originalmente transmitida pela National Boradcast Company dos Estados Unidos, This Is Us, “isto somos nós” em tradução livre, aborda o passado,

o presente e o futuro de uma família comum. Tolstói, na abertura do romance Ana Karenina, afirma que todas as famílias felizes são iguais. A família Pearson vem complexificar esta clássica afirmação: todas as tramas convergem para o apaziguamento e a felicidade, propondo ao espectador uma vivência possível de fé no amor com todas as suas contradições e dores. Acompanhamos o percurso extraordinário de sua vida comum ora nos identificando, ora nos surpreendendo com os acontecimentos mas sempre, radicalmente, nos emocionando.

CREPÚSCULO - despedida

PEIXE GRANDE

Fui alfabetizada em casa, quase que por instinto, acompanhando as aulas particulares de minha mãe, sentadinha numa mesinha de escola só minha. Aos cinco lia e escrevia com alguma desenvoltura. Aos seis lia o Jornal orientada por minha mãe. Saber essa leitura era um saber de prestígio. O enorme maço de papel era estendido sobre a mesa da sala de jantar para conhecermos o que de recente se havia publicado sobre o trabalho de meu pai. Numa pequena cidade, suas cirandas profissionais e filantrópicas eram notícia.

As paredes da sala eram forradas de livros, de todas as cores e tamanhos, tradição que carregamos até hoje. Meu pai era apaixonado pelo objeto livro. Escolhia as encadernações com paixão, fascinado em detalhes, como o couro, o pano e o dourado das letras. Foi com ele que aprendi a amar o livro em si. Foi com minha mãe que descobri que ler é viajar, voar, transcender.

Desse legado faço meu viver. A sério e a brincar, respiro letras e de letras. Meu pai, o Boaventura primeiro de nossa linhagem, morreu a 25 de janeiro, neste 2021. Misturou-se às águas do mar de Fortaleza em cinzas brilhantes como eram os olhos seus. Mergulhou de volta a seu mundo mágico deixando conosco suas histórias. Deixou uma nova noção de tempo porque será eterno, em nós.

Obrigada por nos seguirem até aqui!

Até domingo que vem.

Tuty e trupe.