Edição N. 05 - 15/08/2021
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório, Ana Karla Dubiela, Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento.

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques.

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai

 
ALVORADA

SETEMBRINOS

São assim chamados os nascidos em setembro. Alguns literalmente. Encantou-se ontem um Setembrino alegre, sensível, amigo, que fez a alegria de quem teve a sorte de com ele conviver. Mais um fã de Jornal em sua essência de animada leitura. Nossa Alvorada é uma homenagem a ele. Um Antônio Brasileiro, musical, entrando no céu, certamente, entoando no violão com a destreza de sempre, a Malagueña com que nos brindou tantas vezes.

Palmas e Bênçãos!

 

NÓS juntos, criadores e leitores, do Domingo à NOITE em 2021

HISTÓRIAS DE JORNAL

BATISMO DE ROTATIVA

Por Miguel Boaventura

Frila, a jovem mãe não tinha hora nem dia certo de trabalho. Era conforme a demanda. A bebê de um ano ficava aos cuidados do jovem pai quando pintava um trampo no fim de semana. O jovem pai cuidava direitinho. Só que do jeito dele. Qualidade inquestionável. Incluía a bebê em todas as suas atividades.

Fim de tarde de domingo, a jovem mãe adentrou a sala de casa na altura que o jovem pai já tinha lido, e espalhado pelo chão, o Correio Brasiliense, O Estadão, a Folha e o Jornal do Brasil.

Pintada de tinta de dos pés à cabeça, incluindo os cachos louros sumidos no tingimento jornalístico, a bebê trançava pela casa em êxtase. Apertava nas mãozinhas os pedaços de folhas feitos em bolinhos de amassar, esfregava-os nas bochechas, sentava-se refestelada nas bolas maiores.

A jovem mãe suspirou divertida diante da cena do bebê impresso das edições de domingo.

O jovem pai levantou os olhos da leitura, já perto do final, e fez seu repetido comentário – Amor, impressionante, esses Jornais têm cada vez menos coisa pra ler! A julgar pelo dia todo preenchido com a função, imagina se tivessem! E a paixão da bebê pela leitura de Jornal, em versões contemporâneas, estava consagrada ali, no playground erguido sobre notícias, artigos, fotos, crônicas, manchetes, retrancas, charges, obituários e pistas de lazer.

TRILHA

De vez em quando leia um Jornal Impresso. Sinta o cheiro, suje as mãos e redescubra a aventura da nossa humanidade.

RITOS

MARAVILHOSA VIDA

Por Sarah Coelho
instagram @tantocelebracoes

Entre tantos conselhos, um me chamou atenção: “Quando estiver triste, dê uma festa!”. Era uma tia querida registrando a sua fórmula da felicidade, num livrinho feito para a minha irmã há algum tempo. Ela estava prestes a casar, e achei que faria bem receber dicas de pessoas queridas para a vida adulta. Algo para folhear, sentir o cheiro e ter sempre à mão uma espécie de mapa de volta pra si. Ali, entre aquelas páginas, surgiram ideias geniais e geniosas: banhos de ervas, playlists irreverentes, um guia de vinhos e muitas palavras otimistas. Mas o conselho de tia Reca, dona de saltos muitos altos e de um hábito engraçado de continuar em cima deles mesmo depois de chegar em casa, permaneceu na minha cabeça.

 

Fecho os olhos e sou capaz de ouvi-la dizer: quando estiver cansada demais, junte suas últimas energias, aquele resto de ar dos pulmões, e dê uma festa. Cozinhe uma receita gostosa que te renderá elogios; escolha uma louça especial que te lembre viagens loucas e a ideia descabida de trazer pratos nas malas; abra os braços e receba o aconchego de bons amigos; e aproveite para gargalhar sobre as mesmas velhas histórias de novo. Ao fim de tudo, a energia estará multiplicada!

 

Mais do que nunca, compreendo o conselho que tia Reca exercita tão bem. E agora consigo vê-la, com seu sorriso gigante de sempre, orgulhosa, porque matei a charada. “Dê uma festa”, ou, em tempos de corona, planeje uma!

 

Setembro está batendo à porta, a vacinação segue avançando e eu só consigo pensar: estão voltando as flores.

TRILHA

Preparando os corações. Com responsabilidade e amor infinito. Mais um pouco de paciência e os abraços das festas vão poder voltar.

ACQ

Se for verdade, beleza!

Antônio Carlos Queiroz

Sou dos que não acreditam na beleza intrínseca das coisas, seja uma flor, seja uma pedra preciosa, ou na dos fenômenos naturais, como o pôr do sol. É preciso ter os sentidos educados para achar graça numa margarida ou no barulho de uma cachoeira, e, ainda mais, para ficar embevecido diante de um girassol do Van Gogh ou de uma sonata do Beethoven.

A beleza, portanto, está no olho de quem quer ver e no ouvido de quem quer ouvir. 

Sem descartar a hipótese de outros bichos terem senso estético, como evidencia a preferência da pavoa pela escandalosa cauda de um pavão determinado e não de outro, a sensação do belo é um atributo das culturas humanas.

Algumas delas chegam, como no caso dos românticos, a equiparar a beleza com a verdade. E aqui se abre uma discussão sobre a relatividade da verdade, que não faz muito sentido no terreno das ciências.

Para o propósito deste rápido comentário, basta dizer que apreensão da beleza e da verdade de uma obra de arte depende de cada espectador, ouvinte, receptor, de sua capacidade de interpretação do texto, etc.

Há obras redondas, mastigadas, com o sentido mais direcionado, e há obras abertas, com a mensagem mais incerta, elusiva. Acho que as obras mais abertas são mais ricas justamente por serem mais desafiadoras. Para repetir um clichê, lembro aqui que a dúvida sobre a traição de Bentinho por Capitu ajuda a manter a aura do clássico Dom Casmurro.

Poemas sem títulos costumam ser mais abertos. É o caso de quase todos os poemas de Emily Dickinson, e também dos haicais, os poeminhas de três versos de origem japonesa.

Descrição impressionista de cenas naturais, despojada de metáforas ou de termos propriamente “poéticos”, a compreensão do haicai mais vinculado ao antigo cânone japonês sempre exige a participação do leitor. É o receptor que preenche a lacuna ou desfaz a ambiguidade deixadas pelas duas frases contrapostas do haicai.

Pense alguns momentos neste haicai já clássico do professor Paulo Franchetti, da Universidade de Campinas, São Paulo:   

Até os pernilongos
Vão ficando silenciosos –
Como os anos passam…

Você percebeu que ele está dizendo que a audição vai ficando fraca com o avanço da idade? A questão aqui é que o Franchetti destrivializou uma trivialidade com ironia e graça. Ele produziu arte!

Ouça outro haicai dele no mesmo diapasão:

Os grilos cantam

Apenas do meu lado esquerdo –

Estou ficando velho

Numa próxima oportunidade, voltarei a esse assunto da beleza e da verdade. 

ROTEIRO AFETIVO

TENDAS DE MILAGRES

Por Tuty Osório

foto: Celso Oliveira

“A deusa da minha rua, tem uns olhos onde a lua, costuma se embriagar.” Letra linda, dos anos 30 do XX, vou confirmar. Roberto Carlos gravou décadas depois e como tudo que ele inventa, foi sucesso para todas as idades. Até minha filha de quase 17 anos cantarola e ama essa música. Com voz das serestas às quais ela nunca assistiu.

Pois na minha rua há, sim, muitas deusas. Começando pelas mães que pedem sentadas à porta dos supermercados, com os filhos de idades em escadinha em volta e, invariavelmente, o último na barriga. Têm os cabelos manchados de loiro como as surfistas dos 70, são esqueléticas como as meninas de Hiroshima, são consumidas pelo crack. E são deusas porque imperam na rua com seus filhos banhados, bem cuidados, a despeito da miséria abismal que representam.

São muitas as minhas ruas. Sou ser amante da cidade e seus traçados de existir. Numa delas, que me habita e nela perambulo desde a infância, há duas Bancas de Jornal. Uma maior, com ventilador e área de circulação. Outra bem pequetita. Ambas completas, vendem de tudo – doces, sucos, refris, fones de ouvido, controles remotos, livros, revistas de todas as datas. E claro, a pilha cada vez maior no final do dia, Jornais.

Uma delas é comandada por uma mulher reservada, de pouca conversa, que me chama de Amiga. A outra por um homem desinibido, engraçado, que também me chama de Amiga. A amiga sempre me deseja bênçãos e sorte. O amigo tem por lema desejar sucesso. Seu apelido é Sucesso. Ambos têm clientes cativos, provavelmente os mesmos loucos por Banca, loucos por vida de conversa jogada na rua, por causos e riso desapegado.

Todos os dias me assombra o temor que Discreta e Sucesso desistam. E deixem a gente sem Banca. Sem graça. Sem vizinhança. Sem a arte de fazer freguesia. Sem a doçura do bairro e do pertencimento a uma rotina de papel.

Cada vez que os reencontro lá me sinto mais viva. Meus pais tiveram uma Banca. Chamava Bancamilla, em homenagem a uma das netas e ao apelido de minha mãe. Venderam pelas ameaças de assaltos que cresceram na região onde se instalaram.

Tenho uma fantasia de reeditar a Bancamilla e viver por uns tempos a sensação de alimentar almas.

TRILHA

A Banca da sua rua, da sua quadra, dos seus amores. Todas as bancas do mundo. Tão nossas, tão necessárias, tão universais em sua indumentária genuinamente aldeã.

O BEM VIVER

O NOVO MUNDO

por Camilla Osório de Castro

Eu nasci em 1996. Apenas um ano antes (1995) a ONU realizava a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o clima. A minha geração foi, portanto, a primeira a crescer com este tema em pauta e a preocupação com o planeta, a natureza, a ecologia, povoam nossas mentes infantis. Em algum momento da minha infância, ao expressar a minha preocupação com a destruição da Terra, ouvi de um adulto a seguinte resposta: “não se preocupe, quando a Europa achava que o mundo ia acabar eles descobriram a América!” Confesso que durante muito tempo recordei essa frase como um alento: o progresso sempre aponta soluções, o nosso problema será resolvido por algo que ainda nem conhecemos, há luz no fim do túnel, nós também descobriremos o nosso “Novo Mundo” .

 

Hoje, revisitando esta formulação imagino que seja possível que o mundo tenha mesmo começado a acabar ali, no início da era moderna. A Europa chamou de progresso a destruição sistemática não apenas de florestas mas também de vidas e culturas em prol de seu enriquecimento. A invasão do Continente Americano representou o fim do mundo para os povos que aqui estavam bem como para os biomas que com estes conviviam em harmonia. É impossível, apesar de líderes europeus e estadunidenses quererem te convencer do contrário, falar em sustentabilidade e ecologia sem falar em racismo e desigualdade social. A destruição da natureza que hoje bate à nossa porta com violência, reportada no último relatório da ONU como irreversível, é irmã gêmea do genocídio indígena e do sequestro da população africana que fundaram os países do dito Novo Mundo. É ainda em nome da manutenção das riquezas dos indivíduos obscenamente ricos que a transição tecnológica para um modo de vida mais sustentável não é feita com a celeridade necessária. E neste momento os nossos bilionários, tal qual os monarcas dos 1500, embarcam em aventuras espaciais. Procuram o “Novo Mundo”?

 

Ainda assim eu acredito que o progresso pode sim nos salvar. E também o tal “Novo Mundo”. A questão é, como sempre, que progresso? A quem beneficia este progresso? A quem será dado o direito de viver no “Novo Mundo”?

Se formos capazes de enfrentar os temas dos quais temos fugido há 25 anos, dependendo do ponto de vista, 521 anos, no Brasil, pode ser que ainda haja um “Novo Mundo” onde a vida possa finalmente brotar para todos nós. E pode ser que a “ordem” e o “progresso” de nossa bandeira possam finalmente estar a serviço de nosso povo e não  a serviço de nossos senhores.

 

 E aí pode ser que a gente aprenda o caminho de volta para uma coexistência com a natureza, que afinal de contas somos nós também.

 

TRILHAS

Diário do Clima, por Sônia Bridi, (livro) 2000

CRÔNICA

CAPITU LIBERTADA

por Tuty Osório

(para as professoras e professores, dedicados e persistentes, em frente, sempre!!! Gratidão!!!)

-Mãe você não acredita!!!

-O que foi dessa vez, filha? Desagarra dessa mania de reclamar da escola! Estudar é sorte, privilégio num país desigual como o nosso. Ainda mais em escola particular. Não devia ser, mas é…

-Mas mãe, a professora de literatura falou que a Clarice Lispector só escreveu dois romances!!! Pode isso??

-Pode não, filha. Que absurdo, realmente… Mas você disse o quê? Ficou calada?

-Não, eu falei que acho, embora eu tenha certeza, que escreveu bem mais. Pelo menos uns seis, que eu saiba…

-Mas você falou como, menina? Em que tom? Você não foi arrogante, foi?

-Juro que não, mãe. Só falei porque achei, assim, que era bom pelo menos lançar a dúvida pra ela pesquisar melhor, né?

-É, filha. É muito difícil ser professor, professora. A formação é complicada e nem todo o mundo tem acesso a conhecimento. E tem os mitos, também, lembra do Julgamento da Capitu? Um bando de crianças julgando se a Capitu traiu ou não traiu o Bentinho!! Afffff! A coisa mais ridícula! Machismo, preconceito, moralismo, tudo de uma lapada só!

– É, eu lembro… Você sempre falou que essa questão não é relevante em Dom Casmurro. Não se trata de certezas. Mas de dúvidas…Muito mais importantes…

-Pois é. Diziam que é um projeto nacional como metodologia. Essas coisas. Inclusive tem muitos méritos nesse mesmo projeto, as tais das competências emocionais, por exemplo. Uma abordagem inovadora.

-Mãe, eu te contei uma história da Clarice e você foi parar na Capitu e nas competências emocionais… Você reclama que eu sou dispersa, mas fala sério, viu?

-Tem razão, filha. O foco é: Clarice escreveu mais que dois romances. A professora se confundiu. Professor sempre merece a nossa cumplicidade. Sempre. Com dois ou mais romances o fato é que ela falou de Clarice. E muitos ficaram conhecendo alguma coisa dessa gigante da nossa literatura.

– É mesmo, mãe. A professora despertou pra Clarice. Mexeu o fubá pra dar angu. Gostou?

TRILHA

Obra Completa de Clarice Lispector relançada pela Editora Rocco com capas especiais – a recriação das telas de Clarice que também era artista visual

Dom Casmurro, por Machado de Assis, editoras diversas desde o século XIX

CONTO

A MAIORIDADE DOS CORPOS

Por Tuty Osório

(Para João Paulo, que me ensinou a consciência do corpo)

foto: Fernando Carvalho

A cidade era um pontinho. Não ficava no caminho de nenhuma maior. Ir lá era dar ao acaso. E tinha uma peculiaridade, um incomum comum a todos dali. Dançar. Fazia parte da cultura, da educação, do crescimento. Era uma etapa do desenvolvimento. Como andar, falar, comer, tomar banho, ler e escrever. Aprendia-se para a vida, desde o berço. E todos, absolutamente todos, estavam incluídos.

A família pousou por lá num dia quente. De noite esfriou, mas deu vontade de dar umas voltas. Foram para a praça, defronte ao hotel e lá estavam os dançantes. Crianças, jovens, velhos. O rapaz que dançava numa perna só, com beleza e força. No início era sobre duas, a calça cobrindo a prótese. Depois vinha na única, leve, mágico, a família espantada e maravilhada acompanhando as evoluções, marcadas por um chocalho como música.

Ficaram até com vergonha de perguntar como era aquilo. Desde quando? E por quê? Tamanha era a naturalidade com que dançavam todos, a sons diversos, Alguns sob o silêncio. Se perguntassem ficariam eles, a família, sim, como a curiosidade, a exceção. Numa terra de dançantes, a cidadania era performar aqueles movimentos densos e seguros.

Seguiram viagem no dia seguinte pensando onde a normalidade realmente está. Se naquela cidade que dança, ou no mundo inteiro que se retesa em dores.

 

TRILHAS

7ª Bienal Internacional de Dança no Ceará – Transmissão ao Vivo pelo Youtube do Theatro José de Alencar em Fortaleza, direção audiovisual do cineasta Alexandre Veras. No Palco Corpos em Encontro de Expressões, Gerações e Poéticas. Confira a Programação em www.secult-ce.gov.br

BACHIANAS E COMPANHIA

COPOS DANÇANTES

por Francisco Bento

Passei uns anos em Portugal e conheci Miguel Esteves Cardoso pelas crônicas de sábado, na Revista do Expresso, um semanário de prestígio, boas ideias e bons textos.

Os sábados ganharam outra cor quando descobri o Expresso. Se fosse um dia de sol de inverno a leitura era no Café acompanhado de uma bica, o expresso líquido lisboeta. Se fosse sol de verão, um fino era a companhia- o chopp local.

Me encontrei numa localidade de arredores do centro, levado por um amigo do Porto, o Antônio Cardoso, bancário leitor, que conheci por acaso, num restaurante simpático do Chiado. Ele falou tanto de Linda A Velha, que mesmo com esse nome aparentemente pouco auspicioso, fui conhecer. E me apaixonei. Na época não havia facilidade de alugar e, tendo umas reservas e, sabendo que venderia com vantagem, ao retornar, comprei um dois quartos supimpa nessa localidade fofinha de viver.

Pois aos sábados eu e Antônio saíamos à caça do Expresso por volta do meio dia. E iniciávamos a leitura, sentados a uma mesa, pelas crônicas do Miguel, entre gargalhadas e comentários jocosos.

Miguel publicou livros e virou dono do próprio Jornal. Rapaz sofisticado, escreveu sobre quase tudo. Um deles nos toca de perto, a nós, apreciadores das artes de Bacco. É uma brochura que conta histórias de bebidas em situações de prosaicas circunstâncias, enquanto dá receitas de preparo e de garimpo. Imperdível, garanto-vos.

TRILHA

Com os Copos, por Miguel Esteves Cardoso, Assírio e Alvim, 2007

O Expresso, por vários, Lisboa, até hoje

Público, por Miguel Esteves Cardoso e muitos mais, até hoje.

POESIA

O BEZERRO DE DUAS CABEÇAS

 por Laura Gilpin

Amanhã quando os meninos da fazenda encontrarem essa aberração da natureza, eles vão embrulhar o seu corpo em jornal e carrega-lo para o museu.
Mas hoje ele está vivo e no campo do norte com a sua mãe. É uma perfeita noite de verão: a lua nascendo sobre o pomar, o vento na grama. E ao que ele olha para o céu, há duas vezes mais estrelas do que o normal.

Encontrado em: https://rolfpotts.com

tradução de Manuela Marques

REPORTAGEM ENSAIO

DECIFRA-ME OU DEVORO-TE

por Miguel Boaventura

foto: Celso Oliveira

Os gregos antigos possuíam uma visão interessante, Corpo são, mente sã. Tal concepção aponta para a ideia de corpo e mente como parte de um mesmo sistema, interdependentes. Não haveria, portanto, a saúde mental como algo dissociado da saúde física.  O que nos leva a questionar: o que é isso a que chamamos saúde? Seria o perfeito funcionamento do nosso corpo? Mas com que objetivos? É comum que o trabalhador médio busque um corpo funcional para que melhor possa corresponder às demandas de um mercado de trabalho que exige cada vez mais desse corpo. A exigência da volta ao trabalho presencial é só mais um exemplo dentre tantos. Que saúde é essa que estamos reivindicando?

 

 

Com a Pandemia, alguns termos e expressões foram incorporadas ao nosso cotidiano. Quarentena, curva de infecção, taxa de eficácia… Para além destes, um que já era nosso velho conhecido, em especial entre os especialistas da área, ganhou espaço – a Saúde Mental. Não demorou para páginas de humor como a Blogueirinha do Fim do Mundo, A vida de Tina e Confinada satirizarem este comportamento de “tudo pela minha saúde mental”, mesmo que esse tudo seja passar por cima da saúde física dos outros. Como no caso, infelizmente já um clássico, de festinhas nada éticas, “porque eu não suporto mais o isolamento e o meu bem estar psíquico é prioridade”.

 

Podemos, ainda, falar das somatizações. Aqueles adoecimentos do corpo que são, em grande medida, um sinal do subconsciente, a mente, de que algo não vai bem. Aquele que somatiza, por vezes, está sofrendo uma consequência extremada do corpo, como o freio de mão de um carro. Um corpo e uma mente que necessitam recolhimento para retomar o ritmo, necessitam pausa. Descanso.

Nestes casos a doença é um sinal para ouvir o corpo, o corpo às vezes é mais sábio que a mente. Iniciamos aqui uma viagem a essa escuta. E contaremos algumas histórias a respeito, nos próximos domingos.

TRILHAS

O Oráculo da Noite, por Sidartha Ribeiro (outras formas de ouvir corpo e mente em uníssono)

Maria Homem, por Maria Homem (canal no Youtube)

 

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

CREPÚSCULO

OUVIR ESTRELAS

Decerto perdemos o senso? Eu vos direi, no entanto. Enquanto houver algum modo de dizer não, eu canto. Com Bilac, Belchior, Pessoa e Pimenta. Para quem sabe, dizer muito sim.

E resgatar a lucidez que nos salva porque é uma completa loucura.

Mais uma vez, obrigada por caminharem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe