Edição N. 13 - 10/10/2021
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

 
ALVORADA

GRITOS DOS INOCENTES

Stock Photo

Conheci-as ao vivo num hotel em Barra do Garças, na fronteira de Mato Grosso com Goiás, na beira do rio. Corriam em bandos pelo jardim, pacificamente misturadas aos hóspedes, cumprindo sua missão de mostrar um rasgo de natureza aos urbanóides.

 

Viajei para trabalhar e como era mais de um mês de jornada e as filhas estavam de férias, levei-as comigo. Uma com 5, a outra com 14. As meninas amaram as capivaras e os outros bichos que surgiam, muitas vezes saindo da piscina onde elas brincavam do amanhecer ao anoitecer.

 

Com dor e espanto, assisti impotente, esta semana, pela televisão, às capivaras perdidas à beira do lago Paranoá. São muitas, sem pouso, sem acolhimento, invadindo as casas e até atacando banhistas, assustadas.

 

Que tipo de gente somos nós ao perder o controle sobre essa convivência e sendo cruéis com os pobres bichinhos que nada entendem do que se passa? Montes estão sendo encontradas mortas, abatidas a tiros. Viraram os javaporcos* da capital do Brasil, só que no caso delas a caça é proibida e criminalizada.

 

As capivaras ao sol, curtindo o dia sem noção do seu desamparo. Com o instinto alerta para se defenderem das ameaças, são mais um retrato de nossos indignos equívocos enquanto espécie.

 

 

*Os javaporcos são animais oriundos dos javalis e dos porcos do mato que invadiram o interior do país numa polêmica ocupação sem controle. A caça foi autorizada pelo Ibama com o objetivo de controlar o crescimento da população desses bichos, sem resultados e em contraste com a expansão da venda de armas legalizada para caçadores.

ACQ

Os mundos paralelos da fé e da razão

Depois do meu post sobre a morte do Ivo Barroso no Zap, na última quinta-feira, 06 de outubro, um amigo meu, o Jürgen, comentou: “Pois é, amigo. E para onde vai todo esse panteão de seres humanos especiais? Para os vermes?” Respondi: “Para os vermes ou para o forno crematório. Eu prefiro o forno. Será um jeito de ir pro paraíso, Valparaíso!” (Para quem não sabe, Valparaíso é a única cidade da região de Brasília com instalações adequadas para cremação).


 Na sequência, o Jürgen disse que já tinha estado lá, no funeral de um amigo jornalista, e perguntou: “E, então, chances além nem sob a Teoria das Cordas (Stephen Hawking), em algum lugar de alguma dimensão paralela? Morreu, fodeu?” Revidei, talvez de maneira brutal, que morrer é ter os seus átomos desagregados, e que a Teoria das Cordas é apenas um chute matemático sem possibilidade de teste direto, agora talvez enterrado pela falta de comprovação da codependente Supersimetria (Susy, para os íntimos) nos ensaios do Grande Colisor de Hádrons perto de Genebra.


 Dito isso, me caiu a ficha: o meu amigo tinha acabado de expressar uma angústia de quem foi educado na fé cristã junto com uma instrução racionalista, e que tenta, em vão, conciliar a fé revelada com a razão, o antigo projeto dos pensadores cristãos medievais proposto desde que passaram a ler o Aristóteles, resgatado pelos árabes. Sem confiança para ancorar sua fé apenas nos fantásticos textos das Escrituras, hoje o Jürgen recorre e se encalacra nas hipóteses quânticas de certos físicos irrealistas. Ele troca um problema muito grande por outro ainda maior: se não tem a garantia da salvação neste mundo, trata de buscá-la em outro, paralelo!


 Depois de respirar fundo, tentei esboçar argumentos em torno da questão, me valendo das lições do Bento de Spinoza, para quem “uma teologia racional é inútil para a fé e perigosa para a filosofia”. Percebi porém que o papo estava sendo desagradável para o amigo, e que dali em diante só iria agravar o desconforto dele. Decidi então encerrar a conversa, com um pitaco, confesso, eivado de malícia: “Ô, Jürgen, para você manter a paz de espírito (eudaimonia), talvez a solução seja a mesma que o Paulo Freire e o Dom Pedro Casaldáliga parecem ter adotado: a de manter a fé e a razão separadas como se fossem duas retas paralelas. Com essa atitude, mano, você ganha uma nova esperança, a de que essas duas linhas vão afinal se encontrar no infinito!”


 Cabra educadíssimo, o Jürgen avançou protestos. Disse que não estava na Idade Média, mas “pra lá da Astrofísica”, e que a leitura que eu fazia das ideias dele era “meio carimbada”. Imagino o palavrão que ele pensou sem externar sobre mim. Como foi em alemão, e eu não entendi, não importa. Vida que segue!

REPORTAGEM ENSAIO

MANUAL DA DIGNIDADE BRASILEIRA

por Miguel Boaventura

foto: Celso Oliveira

A Constituição brasileira promulgada em 1988 pela voz emocionada de Ulisses Guimarães, presidente dos trabalhos, fez 33 anos no passado dia 5 de outubro.

 

Emendada porque democrática, no sentido literal e verdadeiro da palavra, a chamada Constituição Cidadã ampliou direitos, restringiu abusos e só tem virtudes por existir.

 

Um texto complexo que demanda repertório para a compreensão de certas passagens, é claríssimo no essencial.

 

Como no Preâmbulo e no TÍTULO I – DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS:

PREÂMBULO

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

 

TÍTULO I

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

  Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

  Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

  Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

  Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I – independência nacional;

II – prevalência dos direitos humanos;

III – autodeterminação dos povos;

IV – não-intervenção;

V – igualdade entre os Estados;

VI – defesa da paz;

VII – solução pacífica dos conflitos;

VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X – concessão de asilo político.

 

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Reproduzimos aqui a abertura em texto consolidado, para lembrar que deveríamos ler essas palavras todos os dias, como um ritual sagrado, para não nos afastarmos do que nos viabiliza enquanto coletivo e sociedade.

 

Ler e pensar nos significados precisos, insistentemente relativizados por quem não quer viver tendo o outro como referência de sua afirmação de identidade.

Como diz a amiga Izabel Gurgel é necessário, mais do que nunca, OUTRAR-SE. Com quem está ao lado, com os outros povos, com as outras espécies. Algo vital, que tem na nossa abençoada Constituição um Guia seguro, justo e equilibrado.

CONTO

NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO

por Tuty Osório

foto: Fernando Carvalho

– Mãe…

-Diz filha.

-Você é fofa. É uma boa mamãe. Amo você!

-Pôxa filhinha, obrigada! Eu faço o possível para ser dedicada, para ser aberta às necessidades de vocês. Para escutar e aprender. Você também é uma filha maravilhosa! Obrigada filha! Eu me esforço, mesmo…

– Só de vez em quando é que você fica uma fera quando a gente não faz como você quer, né mãe?

– Não é bem assim… Eu só acho que vocês não precisam cometer erros já conhecidos, que tá na cara que não vai dar certo…

-Pois é…Não foi como você quer, tchau abertura, bye diálogo…

-Não é assim, não. Você está sendo injusta!

-Mãe, não tem problema. Mas você é assim. Vira bicho quando a gente não faz como você acha que é o certo, o melhor…

-Não viro bicho coisa nenhuma. Eu converso, argumento, agora se vocês ficam de teimosia burra eu me chateio mesmo!

-Chateia? Você fica indignada mãe!! Não tem jeito!! E esquece que vive repetindo que a gente tem que ter autonomia, e isso e aquilo…

-Autonomia não serve pra fazer besteira! Está igual à sua prima defendendo insensatez pra ter história pra contar pra neto? Vocês deviam agradecer por eu me preocupar e tentar evitar que vocês quebrem a cara!

-Olha aí…Não tô dizendo…

-Quer saber? Eu me acho uma mãe incrível mesmo! Sou amiga, sou parceira, protejo, defendo, luto, me sacrifico, tenho vida própria mas não negligencio vocês jamais! Sou muita boa mesmo! Não vou abalar minha auto estima materna com essa sua conversa!

-Mas mãe…Foi justamente isso que eu falei. Que você é boa mãe. Só porque não foi do modelo que você queria ouvir, pronto…

– Menina…Você está torcendo a minha fala…Pior…Vou ter que refletir sobre isso…Saco!!!

HISTÓRIAS DE JORNAL

CORAÇÕES VALENTES

Por Lia Raposo

fotos: Reprodução

Como a democracia, a imprensa é imperfeita, comete equívocos, hipocrisias, omissões e deslizes graves. Contudo, do mesmo modo que a democracia, é virtuosa em suas imprecisões e o ponto de partida por mais igualdade, liberdade e fraternidade – não só na retórica.

 

O Nobel da Paz de 2021 foi para dois jornalistas – uma filipina e um russo, pelo enfrentamento corajoso da violenta opressão em seus países, através da denúncia ao mundo.

 

Dmitri Muratov e Maria Ressa agiram de encontro à mais terrível repressão, em lugares onde se mata quem se manifesta criticamente em relação aos detentores do Poder.

 

Que continue havendo espaço para os nossos colegas brasileiros, sempre amparados pela verdade ou pela busca dela, fazerem seu trabalho e, até, cometerem erros.

 

Concordamos que tem havido muitas omissões e até mesmo manipulações, ao longo de toda a curta história do nosso ainda imaturo país.

 

Todavia, o jornalismo é território de vigilância contra abusos e injustiças. A sua prática é ancorada em ética.

 

Revelar com consciência é tarefa importante, salvadora de mistificações.

CRÔNICA

BENDITAS SOIS VÓS

Por Tuty Osório

foto: Celso Oliveira

Aos 12 anos a minha puberdade chegou. Lembro o dia, a hora, o vestido que usava. Morávamos numa casa ampla, de quatro quartos e uma só suíte. Mas tinha um lavabo e foi lá que me confrontei com a anunciação do início da vida adulta. A adolescência em flor, na mancha inconfundível.

 

Minha primeira menstruação foi celebrada pelas amigas da minha mãe que nos visitavam, por acaso, nesse dia. Houve uma singela e carinhosa barulheira feminina. Davam-me parabéns, abraçavam-me.

 

Ganhei da minha irmã mais velha orientações e conselhos, já antes iniciados. Só que agora era concreto. Eu era uma mocinha. Real, oficial.

 

Como toda a menina de classe média pude escolher qual marca de absorvente se adequava mais à minha anatomia, ao meu fluxo, ao meu gosto. Rotina de visitas à ginecologista, mãe dedicada para as dúvidas, os acolhimentos, as inseguranças.

 

Ficar menstruada, foi enfim, uma festa. Passei a ser o bicho esquisito da música da Rita Lee, que todo o mês sangra. Na verdade nunca foi estranho, para mim. Sempre estive confortável como mulher. Esquisito foi quando, 20 anos depois, a médica passou um anticoncepcional que eliminava o sangramento mensal. Não me adaptei àquilo de jeito nenhum.

 

A menopausa veio serena como a menarca. De menina, a mulher, a mulher mais velha, passei sem traumas.

 

Tive sorte de nascer já dotada de todas as condições para jamais correr perigos, nesse sentido. E em inúmeros outros.

 

Por isso, por estar marcada pelo bem e pelo privilégio, repudio aqui o absurdo de existirem meninas e mulheres, aos milhões, privadas de acesso a absorventes menstruais, condições de higiene e de saúde pertinentes à condição feminina.

 

Passou da hora de promover a quaisquer custos, esse acesso injustamente segregado. E de desprezar com asco quem ousa falar e agir contra essas urgentes ações.

O BEM VIVER

DEPOIS DO FIM DO MUNDO

por Camilla Osório de Castro

Na quinta feira, 7 de outubro, a ONU anunciou sua nova estratégia global de combate a COVID-19 com previsão de vacinar 70% da população mundial até 2022.

 

Para tanto, a Organização afirma que será necessário o comprometimento dos países ricos na distribuição mais equitativa das doses disponíveis já que Burundi e Eritréia, por exemplo ainda não iniciaram a vacinação.

 

Observando o Mapa da Vacinação disponibilizado pelo Our World in Data, que colore de verde escuro os países com mais de 40% da população vacinada e de verde bem claro os países com menos de 2%, vemos no continente africano uma predominância de verde claro.

 

Em contraste com o continente europeu e a América do Norte. 

 

Os países ricos, no entanto, não têm correspondido aos apelos da ONU.

 

O interesse em aplicar a terceira dose de vacina em todos os grupos etários tem sido bem maior. Os Estados Unidos, por exemplo, têm desde o início de 2021 doses suficientes para três vezes o tamanho de sua população.

 

Enquanto a vacinação parece ter estagnado, devido ao negacionismo de uma parcela das pessoas daquele país, as doses de vacina estragam e as populações dos países pobres seguem sem acesso à sua dose.

 

Essa atitude, por parte dos governantes da América do Norte, e da Europa, não é muito diferente daquela dispensada a todos os outros recursos do planeta, em especial os naturais.

 

O cidadão estadunidense consome três vezes mais carne que a média mundial. Além de jogar metade de toda a comida que compra fora, segundo estudo de 2019.

 

Os EUA são também o segundo país no mundo em consumo de energia, ficando atrás apenas da China.

 

Porém, ao contrário da fome, que mata de forma mais localizada, a Covid-19 é uma doença respiratória que só pode ser verdadeiramente controlada com um esforço conjunto e abrangente.

 

Tratar a população de países africanos como seres humanos de segunda categoria, o que vem sendo feito pelo ocidente há séculos, poderá, neste caso, trazer consequências graves para a tão sonhada volta ao normal.  Nada disso é novidade para governantes e imprensa.

 

Ainda assim, fazem ouvidos de mercador a Tedros Adhanom, o diretor geral da ONU, que acabará rouco de tanto repetir o óbvio.

 

A série Sweet Tooth, lançada pela Netflix, em junho de 2021, retrata a humanidade tentando se recuperar de uma pandemia. A doença é letal e dez anos depois não há tratamento.

 

Ao final da primeira temporada, descobrimos que há interesses políticos na manutenção do caos gerado pela doença, pessoas desesperadas são mais fáceis de manipular.

 

Desamparados, os grupos humanos sobreviventes encontram formas de lutar por suas vidas. Há uma vila que livrou-se da doença queimando vivas as pessoas que apareciam contaminadas.

 

Há também um grupo de adolescentes que vivem sozinhos na floresta e acreditam que os adultos são a grande causa de todos os males.

 

Sweet Tooth nos faz pensar profundamente sobre as escolhas que fazemos agora. Para além da semelhança óbvia com o cenário pandêmico, a série nos leva a refletir sobre o que há depois do fim do mundo, ou seja, como recomeçar.

 

A distribuição equitativa de vacinas é uma boa chance de recomeçarmos com novos parâmetros.

 

A reunião do G-20, prevista para o final de outubro, será decisiva.

 

Nós, o povo, devemos acompanhar atentamente esta reunião e pressionar nossos representantes que ali decidirão o nosso futuro.

TRILHA

Sweet Tooth (série), produzida pela Netflix em 2021 e baseada na HQ homônima da DC comics veiculada entre 2009 e 2013

BACHIANAS E COMPANHIA

TEMPO DE DELÍCIAS, TEMPO DE DORES

Por Francisco Bento

A Tuty Osório é muito boa pessoa mas tem uma mania enjoada de por tudo falar em afetos! É pauta afetiva, política afetiva, viagem afetiva, escrita afetiva, até receitas de comida afetiva rolaram em formato de ebook, no início da Pandemia.

 

Eu mesmo, sujeito blasé até à alma, me deixei contaminar com o tempero afetivo, no meu último artigo quinzenal, aqui neste Domingo À NOITE.

 

O fato é que ando meio afetado por tanto desafeto à nossa volta.

 

Este espaço é para festejar sabores, emoções do paladar, festas da abundância de Baco! Andava feliz, feliz, com essa missão deliciosa, dividindo aqui o espaço com o Sérgio Pires, de quem fiquei amigo de copo, prato e papo.

 

E não é que me abateu uma tristeza sem fim…Já vinha rolando, mas da semana passada pra cá fiquei passado e envergonhado com umas coisas nas quais nunca havia pensado.

 

A fome aumentou no Brasil. Pessoas catam ossos para cozinhar e dar gosto à comida. Açougues passam a vender esses ossos que antes eram doados. Ana Maria Braga mostrou o passo a passo de receitas com pelancas e pés de frango.

 

Gente bondosa, divide  a sopa rala com quem tem menos ainda, distribuindo pelos vizinhos, pela gente que mora na rua.

 

Daí fiquei sem graça. Quero muito espalhar a alegria que sempre senti em falar de iguarias maravilhosas, da capacidade criativa de nossa espécie tão preciosa.

 

Dividido e imerso na máxima gramsciana do pessimismo da razão e o otimismo da vontade, calada em mim sob a forma de sensibilidades que se disputam, numa confusa identidade do que é ser humano, eu, Francisco Bento, confesso que estou perdido.

 

Só consigo pedir que nos juntemos para amenizar o sofrimento que a tecnologia nos revela sem trégua, a respeito do qual não podemos mais alegar desconhecimento.

 

Pus meu chapéu panamá na tarde nublada e fiquei parado na rua, olhando o Cristo Redentor que abraça o Rio de Janeiro há 99 anos e sem crente ser, roguei compaixão.

 

Ouvindo imaginariamente uma Sonata de Bach, chorei lágrimas de sinceras e agradeci por, apesar de tudo, ser lúcido e me importar.

SABEDORIAS E SAPIÊNCIAS

TRICÔ DE ANCESTRAIS

Por Alim Amina

Corria a conversa entre as três mulheres. Três gerações. Avó, filha e neta. 80, 55 e 20 anos. Falavam sobre um caso qualquer, dificuldades e compensações.

 

As mais velhas ponderavam a necessidade de ser flexível, habilidosa, matreira até, quando se é mulher.

 

Eu ouvia em silêncio, debruçada na pequena tapeçaria para a qual sempre tive pouco talento e ainda menos paciência. Porém, arriscava, às vezes.

 

A mais jovem começou a discorrer, inflamada, justamente, sobre arriscar. Escolher. Enfrentar. Derrubar o tempo, os homens, as imposições. Principalmente, enfatizava, quando se é mulher.

 

A mais velha de todas olhou-a muito e disse, em voz doce e firme: – Só queria ter a tua idade e saber o que sei hoje. Saber que sabia. O medo é mau conselheiro.

 

-Vai em frente, prosseguiu. E não te esqueças que somos eu, tua tia, tua mãe, somos nós, portanto, as redes da trapezista.

 

E gargalhou, alto, como só ela fazia. E o som que emitia ficava mais grave.

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

CREPÚSCULO

CREPÚSCULO NÚMERO UM PARA PIANO - SOMOS GALDINO, SOMOS SOLANA

Eu não conhecia a jovem que partiu. Que escolheu. Ou não escolheu. São muito poucas as nossas escolhas. No Youtube, de madrugada, escutei o psicanalista Christian Dunkan e o jurista Silvio Almeida conversando sobre o Sujeito como possibilidade do indivíduo. Como horizonte, caminho. O sujeito que se constitui em oposição ao outro. Não por antagonismo. E sim conjunto.

 

Não nascemos sós. Tornamo-nos. Não desejei um crepúsculo triste. Foi impossível, contudo. Nem Francisco Bento aguentou, tantas as desventuras desfiladas na nossa face, em luta para resistir. Pedimos desculpas aos leitores. Vamos nos unir e melhorar.

 

A jovem deixou mensagem de que não deu. Eu não a conhecia. Lembrei imediatamente das palavras de Leila Perrone Moysés, quando queimaram um índio na madrugada de Brasília. “Parte de nós ateou fogo no índio adormecido. Outra parte, ardeu, junto com ele”. Assim se dá com a jovem. Precisamos de uma parte que fique em nós, que acolha, que volte a acreditar.

CREPÚSCULO NÚMERO DOIS PARA GUITARRA - GUERRA E PAZ

Passei a tarde de sábado com 21 jovens entre 16 e 25 anos, reunidos em grupos de 7. Ao final revelaram esperança. Em especial por terem sido ouvidos, atentamente. Com escuta e falas.

 

A energia que emanaram está em nós, derramando bençãos poderosas em presença, nutrindo o futuro.

 

Obrigada por estarem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe