Edição N. 19 - 21/11/2021
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Edição Geral: Tuty Osório

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Edição de Fotografia: Manuela Marques 

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

 
ALVORADA

ANTES DA CHUVA

foto: Celso Oliveira

Enquanto ela não vem, vem devagar. Que venha na medida para os campos, para as matas, para os animais, nutrindo e tornando as temperaturas mais amenas. Esperar a chuva é alegre. As cigarras cantam alto, a terra cheira diferente, o vento dança de um jeito único. No sertão, os profetas da chuva sabem ler os sinais e são ouvidos pelos cientistas do clima. Essa é a vida bonita, solidária, do milagre natural da nossa existência sobre a bola colorida gigante, girando livre no cosmos.  A despeito de tudo, apesar de hoje, te abraçamos e nos abraçamos Terra e Universo. Pai e Mãe.

Começa agora mais um Domingo à NOITE em 2021! 

ACQ

Periculum in Mora

por Antônio Carlos Queiroz

CRÔNICA

CORPOS

por Tuty Osório

Corpos são pessoas. Lembro do meu pequeno corpo, pessoa, aos 9 anos, num tempo de mudança. Era um pequeno corpo branco, corpo de menina. E foi assim que foi sendo até hoje. Virou corpo de mulher. Em menina, naquele tempo, foi a primeira vez que senti medo pela vulnerabilidade do corpo. Eu não sabia nada. Havia guerra, corpos explorados atacavam outros corpos.

 

Mais tarde, outros corpos explorados, do alto das construções, desferiam frases sobre meu corpo passante na calçada. Eu ainda não sabia bem. Os corpos que emitiam frases também não sabiam bem. Hoje sei. Ser mulher é correr perigo. Outros corpos correm perigo também. Porém, hoje sei. Ensino, Escondo-me. Protejo e propago proteção.

 

Sei que nada mudou muito. Desde o primeiro medo. O que há para além do medo. Apesar do medo nunca desejei não ser mulher. Desejei ser forte, reagir com a mesma violência com que me atacavam. Continuo sem saber muito bem.

 

Agradeço não saber muito bem.

 

Choro por quem sabe.

 

Quero fazer mais que chorar.    

 

TRILHA

A vida nunca mais será a mesma, (livro), por Adriana Negreiros.

REPORTAGEM ENSAIO

OS MISERÁVEIS E OS HIPÓCRITAS

por Miguel Boaventura

foto: Celso Oliveira

Fico irritadíssimo com pieguices, indignadas ou passivamente chorosas. Falta-me ingenuidade suficiente para me entregar a elas.

Não quero desrespeitar ninguém, embora saiba que não raras vezes o faço, e no inconsciente talvez seja deliberado.


Entretanto, vejo a banda passar espantado com tanto cinismo e tanta acomodação. Somos o quê mesmo, para vermos os nossos iguais morrer de fome, à nossa frente, e nada fazer? Teoricamente porque não podemos. Ou será que nos falta vergonha?


As imagens de pessoas esquálidas em países de África, mostradas nas divulgações dos Médicos sem Fronteiras, levam-nos às lágrimas, no mínimo provocam um leve nó na garganta, e o acorrer ao site para reiniciar a doação.


Contribuímos com as arrecadações de cestas básicas de amigos e vizinhos. Eu dou esmola, ao contrário de gente que não dá, por princípio, eu dou por princípio, também. Não somos melhores porque fazemos essas coisas. Nem piores porque não fazemos absolutamente mais nada para erradicar a fome. Somos estranhos, parece-me… Desprovidos de compaixão.


Está clara a fome que invade o Brasil, levando-nos de volta a um passado que vínhamos vencendo, muito devagar, porém, vencendo.


Há alguns dias a BBC publicou matéria a respeito de estudantes que desmaiam de fome em sala de aula. Ou mostram-se mais agressivos, pelo mesmo motivo. Não vou aqui cobrar da mídia que já devia ter abordado o assunto. Que deveria abordar o assunto. De um jeito ou de outro passam por ele, misturado aos novos recursos tecnológicos que abrem cortinas e ligam ar -condicionados ao comando de voz.

Meu ponto aqui é direto. Como é que, amanhã, sem falta, podemos organizar, a partir de pequenas ações, uma sociedade sem fome? Cada um na sua expertise, conhecer as realidades e planear as providências para transformá-las.


Tudo aceitamos. Violência doméstica, violência policial, impostores na política, usurpadores financeiros, abusadores da moralidade fantasiados de santos, ignorantes emplumados de falsos conhecimentos, cretinos dançando pretensa sinceridade.


Gente de boa vontade, que sei que existe e não somos poucos, vamos nos unir para entender que humanidade é esta e fazer desta uma humanidade!

Vamos parar de fingir que é normal.

Que Deus, se existe, não deve estar nadinha satisfeito com o horror que promovem os guardiães da sua obra.    

 

TRILHAS

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59215351

Olhos D´Água (livro), Por Conceição Evaristo.

Veredas do Futuro – Josué de Castro e os atuais números da fome, Centro de Desenvolvimento Sustentável da UNB, (debate no Youtube) com Tânia Magno da Silva e Renato Carvalheira do Nascimento.

MÚSICA talentos aos domingos

MI MANCHERAI

Por Maurício Venâncio Pires

Esta música foi uma das primeiras que postei. De lá para cá tive muitas aulas de canto e hoje me permito repeti-la, depois de quase dois anos.

 

 

Mi Mancherai é sentir falta de alguém, o que chamamos de saudade. É uma música linda, com um violino que vale a pena ser ouvido a cada segundo.

 

 

Foi tema do filme Il Postino. Entre nós, O Carteiro e o Poeta, que relata o exílio de Pablo Neruda na Itália e a amizade que fez com o carteiro que lhe levava notícias do mundo.

 

Sugiro que vejam o filme. E peço que me escutem.

CONTO

QUEM SABE SONHA

por Tuty Osório

foto: Fernando Carvalho

– Mãe.

-Ainda com a luz acesa, menina? Não troca o dia pela noite…

– Você sabia que existe um aplicativo no Google que chama Google Flights?

-E..?

– E ele mostra os voos que estão saindo por valores mais baratos. Para qualquer lugar do Brasil e do mundo!

-Massa! Como foi que você descobriu isso?

-Estava pesquisando para a nossa viagem. Para Portugal, Espanha. A que a gente decidiu hoje, lembra?

– Lembro, claro. Gosto muito do jeito como você embarca no plano como se fosse se realizar amanhã! Acho que te ensinei a sonhar…

-É, mãe. Em 2020 a gente ia para Nova Iorque, lembra? Pesquisamos até hotel. Tivemos que desistir de sonhar com essa, por conta da Pandemia…

– Agora com a Pandemia melhorando está mesmo na hora de sonhar com uma outra viagem…

-Pois é, olha aqui. Presta atenção. Pra Barcelona está mil reais mais barato que pra Madri e Lisboa.

– Mesmo? Vai que essa obra nasce!!!Tão concreta e definida como outra coisa qualquer!!

 

TRILHAS

A Pedra Filosofal, (música), por Antônio Gedeão, Manuel Alegra e Carlos do Carmo, no Youtube Music

Tocando em Frente, (música), por Almir Sater e Maria Bethânia, no Youtube Music

POESIA

MANHÃ À JANELA

Por T.S. Eliot (Oxford, 1915)

T. S. Eliot com Valerie Eliot

Há um tinir de louças de café

Nas cozinhas que os porões abrigam,

E ao longo das pisoteadas bordas da rua

Penso nas almas úmidas das domésticas

Brotando melancólicas nos portões das áreas de serviço.

 

 As fulvas ondas da neblina me arremessam

Retorcidas faces do fundo da rua,

E arrancam de uma passante com saias enlameadas

Um sorriso sem destino que no ar vacila

E se dissipa rente ao nível dos telhados.

 

TRILHA

Poesia, (livro), por T.S.Eliot, Tradução, Introdução e Notas de Ivan Junqueira, Nova Fronteira, 1981

HISTÓRIAS DE HISTÓRIAS

MITOS GÊMEOS

Por Lia Raposo

“Era a primeira vez que as duas iam ao Morro do Castelo. Começaram de subir pelo lado da Rua do Carmo. Muita gente há no Rio de Janeiro que nunca lá foi, muita haverá morrido, muita mais nascerá e morrerá sem lá pôr os pés. Nem todos podem dizer que conhecem uma cidade inteira. Um velho inglês, que aliás andara terras e terras, confiava-me há muitos anos em Londres que de Londres só conhecia bem o seu clube, e era o que lhe bastava da metrópole e do mundo.”

 

Machado de Assis, in Esaú e Jacó

 

O Rio, de agora e de antes, sempre me atraiu, desde menina. E Machado é, além de tudo o que é, um narrador apaixonado pelo Rio. O Rio de seu tempo que é eterno.

 

Neste romance, bem menos falado que o célebre Dom Casmurro com a dúvida bisonha de Bentinho, Memórias Póstumas de Brás Cubas, e, mesmo, Helena, Machado oferece-nos uma história interessante, espírito de um tempo, com traços psicológicos densos e uma narrativa saborosa, como deve ser.

 

É o Rio da transição entre o império e a república. Os personagens que inspiram o texto são gêmeos, inimigos, que disputam ideias políticas, paixões femininas, prosperidades materiais. Na minha curta vivência, só conheci gêmeos e gêmeas de muita união e cumplicidade. Só vi gêmeo brigando na ficção, pasmem se com vocês foi diferente.

 

Decerto a discórdia entre os gêmeos não foi o que mais me chamou a atenção. Embora chame a atenção a sua centralidade na história. Achei emocionante o Rio contado em seus detalhes de contraditória expansão, as reflexões a respeito dos regimes políticos em duelo e das feridas atrozes da escravidão.

 

Podemos nos transportar para aquele tempo e saber dos sentimentos, das dúvidas, privadas e públicas. Uma crônica gigante, em extensão e significados. 

 

 

TRILHA

Esaú e Jacó, (livro) Por Machado de Assis

O BEM VIVER

COMPOSTEIRAS DE BALDE E CICLOS VIRTUOSOS

por Camilla Osório de Castro

foto: http://brotei.com.br

No início de 2021, resolvi voltar a cultivar plantas. Conversando com amigos entusiastas de seu cultivo na cidade, fui informada da importância da adubação. Nas minhas experiências anteriores, sempre me limitei a regar e surpreendia-me com a fragilidade da sobrevida delas em meu ambiente. “O melhor adubo é húmus de minhoca e chorume”, eles me disseram.

 

A melhor maneira de obter o húmus e o chorume é artesanalmente a partir de uma composteira de balde.  Sempre tive um pouco de preconceito com elas. Decompor o lixo em casa com minhocas? Com certeza deveria causar mau cheiro e doenças. Fazer o processo em apartamento? Jamais. Para minha grata surpresa, eu estava redondamente enganada e a composteira é, na verdade, um pontapé para uma série de soluções de melhora de saúde da minha casa.

 

Seu procedimento é muito simples: começando pelo começo.

 

É necessário consumir alimentos que gerem lixo orgânico. Para isto, menos ultraprocessados e embalagens. Mais frutas e verduras. Para tempero, alho e cebola ao invés de knorr e sazon. Precisamos das cascas para a composteira. Após me alimentar, esses restos orgânicos que iriam para um saquinho de lixo na minha cozinha, invariavelmente acumulando-se, gerando mau cheiro e um líquido desagradável na minha lixeira, vão para uma mistura com serragem ou folhas secas em um balde grande furado embaixo. Esse balde fica por cima de outro balde, com terra e minhocas, que por sua vez fica por cima de um terceiro, para onde cai o chorume.

 

Após uma primeira decomposição feita por bactérias, o material orgânico daquilo que um dia foi o meu lixo está pronto para ser alimento das minhocas. Elas sobem para o balde de cima e se alimentam. No balde do meio vai caindo o húmus, resultado de sua digestão, e no último cai o chorume. Ao final desse ciclo, chorume e húmus podem ser utilizados para a fertilização de minhas plantas, alimentícias ou não.

 

A composteira de balde é, no fim das contas, um aglutinador de boas práticas para o nosso lar, desde a escolha de que alimentos ingerir, passando pela destinação dos resíduos orgânicos produzidos por esses alimentos, e desembocando na possibilidade de nutrir as plantas que servem para melhorar a beleza, o aroma, a temperatura e a oxigenação de nossas casas.

 

Além do que podemos também plantar alimentos que entrarão novamente no início desse ciclo virtuoso.

 

BACHIANAS E COMPANHIA

FINS DE TARDE

Francisco Bento

foto: https://www.baratocoletivo.com.br

Sempre achei as ostras muito adequadas ao pôr do sol. Com vinho branco gelado, então!!! Que iguaria!!!

 

Em visitas a Fortaleza, nos anos 70, um lugar à Beira Mar, de nome Lido, servia-as com cerveja, ou doses generosas de uísque e bastante gelo. Uns quarteirões acima da praia, havia um barzinho modesto de nome Crocodilo, que as oferecia em imensas bandejas de inox, por uma mixaria.

 

Pelo Brasil afora há boas ostras. As praias catarinenses são especialistas. Podemos encontrá-las em versões. Cruas, com limão, ao molho. Como molho. Também as encontramos nas amigas Brasseries de Paris, com o magnífico vinho branco seco.

 

Comida pra finalizar o dia. No caso do verão europeu, o dia arrasta-se até às 9 da noite, o que lhe aumenta a graça.

 

Recentemente, voltei a Fortaleza para resolver umas pendências de uns terrenos que tenho para as bandas do município de Cruz e fui reencontrar ostras num lugar de nome Frederico, em plena capital cearense. Também as há nas esplêndidas barracas de praia – as com cara de Miami e nas outras, brasileiras mesmo.

 

Só que o Frederico tem aquele astral de boteco arrumado, mesas ao ar livre no varandão, ambiente fechado com ar, e muita escolha de bebidas para acompanhar. Do suco ao espumante, passando por drinks e cervejas artesanais, tudo tem. Garçons gentis e duas versões de espaço. Uma mais despojada, perto da praia e outra mais arrumada, uns quarteirões acima.

 

O cardápio é variado, atende a todos os gostos, inclusive aos veganos e vegetarianos. Preço acessível e garantia de momentos animados. Como dizem os amigos cearenses: TAÍ, GOSTEI!

SABEDORIAS E SAPIÊNCIAS

A PAZ

Por Alim Amina

Tenho um Oratório com santos, flores e velas. Gosto de me deixar ao pé dele, em oração ou em meditação à minha moda. Rezo em silêncio e só assim a oração me fortalece diante das aflições terrenas.

 

Sempre gostei de cantar nas missas. Todas as músicas. As mais alegres, as que pareciam adaptar os gostos da juventude. Mas fiquei um pouco confusa quando surgiram as celebrações com coreografias, saltos e uma certa histeria. Nunca rejeitei ou  critiquei, jamais. Expressar a fé é muito pessoal.

 

A contemplação, no entanto, é mais a minha cara. O meu estilo de ser. E o oratório, a busca de acolhimento espiritual, pode ser qualquer recanto que seja arrumado com carinho e dedicação.

 

Dia desses uma amiga, da patota da minha idade, que até ando convencendo a revezar comigo este espaço, me enviou umas fotos de um cantinho ajeitado com presentinhos de seus afetos.

 

Olhar, registrar e compartilhar é uma linda maneira de se harmonizar com o mundo, através de singela beleza.

 

Vejam as fotinhas e me digam se não é por aí?

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

CREPÚSCULO

MERGULHAR E EMERGIR

Consciência é tudo. Temos que ter e cultivar. De nós mesmos e do outro que nos espelha e nos identifica. Silvio Almeida, de quem já falei bastante aqui, foi o relator, recentemente, de uma Comissão de Juristas que apresentaram um conjunto de proposições ao Congresso Nacional brasileiro, referentes ao combate ao racismo. Não é moda, nem exagero. É urgência. Ontem foi 20 de novembro, dia da Consciência Negra, mobilizado pelo poeta, professor e pesquisador Oliveira Silveira, no Rio Grande do sul, no início dos anos 70 do XX. A data alude à morte de Zumbi dos Palmares, foi oficializada em 2011 e é feriado em mil municípios brasileiros. Serve para chamar a atenção da chaga viva da desigualdade racial no Brasil, ainda longe de ser aplacada após quase 124 anos da abolição da escravatura. Fica aqui a chamada. Alguns portugueses de além mar estão preocupados com as pretensas máculas que a língua brasileira pode instituir no falar das crianças de hoje. Eu, portuguesa deste lado do Atlântico, estou angustiadíssima em como vamos consertar a devastação que o tráfico de pessoas negras impôs ao Brasil de ontem e de hoje. Violência real, material e simbólica. Sem perseguições, precisamos falar e agir juntos sobre esse passado, presente e futuro. A expansão do empreendedorismo de negros no bairro do Bixiga, em São Paulo, é um exemplo concreto de evolução. Mexe com as bases e abre espaço.  

Obrigada por estarem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe