Edição N. 20 - 28/11/2021
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Edição Geral: Tuty Osório

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Edição de Fotografia: Manuela Marques 

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

 
ALVORADA

ENQUANTO HOUVER SOL

No café da manhã, o garçon que organiza o salão do hotel aborda-me e pergunta: a senhora é escritora, não é? Levantando a cabeça do celular, tiro do rosto os óculos retrô que minhas filhas escolheram para receber as lentes progressivas, e respondo, pela primeira vez na vida, sem vacilar: sou! Mas não sou famosa, completo. Ele sorri por trás da máscara e sentencia: pois então estamos diante de uma futura celebridade. Olhos cheios de água, devolvo o sorriso. Ele pede licença e penso, com o coração aquecido. Um desconhecido que estende a mão com um afago despretensioso, por vontade de agradar e consegue ir mais fundo no meu ser que meus terapeutas da vida inteira. Sim. Agora, por arte do jovem garçon, de uma pequena cidade do interior de Goiás, eu sou uma escritora.

Começa agora mais um Domingo à NOITE em 2021! 

ACQ

por Antônio Carlos Queiroz

Águas Claras, DF anoitecendo.
CRÔNICA

A ARTE DE AMAR COMEÇA COM Z

por Tuty Osório

Zeneida é uma mulher de 94 anos. Comemorou no dia 24 de novembro, numa missa linda que eu não assisti porque estava viajando, a trabalho. É mulher de luta, de inteligência, de compreensão, de bondade.

 

Criou os 11 filhos de barriga e cuidou de mais uns mil, calculando por baixo. Que foi acolhendo em seus braços pequenos de tamanho e imensos de abraços.

 

É a amiga certa de todas as horas. Que perdoa as falhas, que sempre sorri na tristeza, que não julga e tem a autoridade da confiança que inspira.

 

Fada da esperança, da perseverança. Quem não a conhece imagina como ela deve ser. Sem arrogância ou despotismo, toca a gente motivando a seguir em frente.

 

Saudades do café com tapioca e bolo de milho dos fins de tarde na sua casa. Que uma vez aberta a porta, nunca mais se fecha. Ando distante fisicamente, mas como fui pra perto pela sua mão, não a deixo jamais.

 

Obrigada por me ensinar os bordados da lealdade, o tecer da coragem.

Por me ajudar a ver que sempre vale a pena.

 

Me espera que, voltando, vou correr para o próximo lanche de domingo.

REPORTAGEM ENSAIO

ADMIRÁVEL ROUANET

por Miguel Boaventura

foto: Celso Oliveira

Tem polêmica sobre a Lei Rouanet. De vez em quando volta. Que não é para financiar arte, que é dinheiro desviado, que os artistas são vagabundos.

 

Só esclarecendo que essa lei, criada por Rouanet quando foi ministro da cultura, há décadas atrás, e agora chama-se Lei de Incentivo à cultura é uma forma das empresas financiarem a cultura destinando parte dos impostos a Projetos aprovados pelo poder público. De maneira superficial é isso, mas vocês podem pesquisar e conferir os detalhes.

 

Cultura é economia. A arte emprega e gera renda para milhões de pessoas. Deveria haver acesso a financiamentos múltiplos, públicos e privados. Essa Lei é pouco, muito pouco para a importância que a arte tem nas nossas sociedades.

 

Arte é saúde. É educação. É lazer. Arte é vida.

 

O mais é conversa para desinformar e colocar o Brasil na contramão da civilidade. Conversa para gente desocupada. Quem condena os artistas, sim, é vagabundo na acepção mais lamentável dessa palavra.

 

Desculpem os que não concordam comigo. Sugiro que se aprofundem. E depois me julguem com base em elementos válidos concretos.

 

TRILHA

O que é Pós- Modernismo (vídeo no Youtube), por Jones Manoel

CONTO

AS BRUMAS DE NOVEMBRO

por Tuty Osório

foto: Celso Oliveira

– Filha.

-Mãe?

– Você sente medo?

– Medo, mãe?

-É. Medo. Aquele que aperta o coração.

-Isso aí não é angústia, mãe? O que aperta o coração?

-Mas é diferente, filha. É medo mesmo. Um medo que não é terror, nem pânico.

-Sei lá mãe! Acho que sinto. Como é mesmo?

– Um medo calmo, filha. Só que dói. Dói aqui.

-Conversa estranha, mãe. Você sempre fala que o medo é paralisante, que não é para alimentar o medo…

– É. Mas esse medo que eu falava não é igual ao medo que eu estou sentindo agora…

– Pera aí mãe. A gente não trocou os papéis, não? É pra eu sentir essas coisas misteriosas da vida e você me acalmar dizendo que sabe como resolver…

-Ou não, filha… Ou não…

HISTÓRIAS DE HISTÓRIAS

POR AMOR A EÇA

Por Lia Raposo

“ A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete. Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de Residência Eclesiástica que competia a uma edificação do reinado da Sr.ª D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo assemelhar-se-ia a um Colégio de Jesuítas. O nome de Ramalhete provinha, decerto, de um revestimento quadrado de azulejos fazendo painel no lugar heráldico do Escudo d’Armas, que nunca chegara a ser colocado, e representando um grande ramo de girassóis atado por uma fita onde se distinguiam letras e números de uma data.”

 

Eça de Queiroz, in Os Maias

 

Dia 25 de novembro Eça de Queiroz faz aniversário. Um capricorniano indubitável, indomável e sarcástico como é de tipicidade de seu signo.

 

Dizem os astrólogos e os cultuadores dessa referência de compreensão do mundo. Creio em astrologia. E duvido. Como Pedro, o apóstolo, que negou mas se entregou. De certa forma, somos todos um pouco Pedro.

 

Eça é autor de uma obra de escrita deslumbrante, densa, que vara a filosofia, o romantismo, a crueza da existência, a política. Gastronomia, esportes da época, cidades, campo, poesia, vinho e virtude. Tudo era objeto de versos em prosa, criados sob seu monóculo escrutinador de almas.

 

Os Maias, romance passado e escrito no século XIX, desanca a sociedade portuguesa, a monarquia, a pretensa literatura. E festeja as cores de Portugal das aldeias, das desfolhadas, dos ditos do povo. Fala de lá e do mundo, daquele tempo e do nosso.

 

Eça é sempre clássico, no sentido de eterno. Sem prazo de validade, enquanto a humanidade existir.

 

TRILHA

Os Maias, (livro) por Eça de Queiroz

Os Maias (minissérie), por Luiz Fernando Carvalho, com Walmor Chagas, Selton Melo, Fábio Assunção, Ana Paula Arósio, Osmar Prado e por aí vai. Dezenas de maravilhosos e maravilhosas!

O BEM VIVER

Variante Ômicron: será que dessa vez a gente aprende ?

por Camilla Osório de Castro

foto: Adobe Stock

O que tenho a dizer neste texto cabe em uma frase. Uma frase que eu repito praticamente todos os domingos : não há possibilidade de resolvermos nossos imensos desafios neste século sem um pensamento coletivo e solidário. Isto quem diz não sou eu, é a ONU e a OMS. É fato público e notório, só não vê quem não quer.

 

A nova variante Ômicron tem alarmado governantes e epidemiologistas na última semana. Entre histerias da bolsa de valores e fechamentos de fronteiras para o sul do continente africano, os países tentam proteger suas populações da nova ameaça. Há quem diga que é necessário fechar as fronteiras completamente, já que a covid original entrou no Brasil com viajantes europeus enquanto nossas fronteiras estavam fechadas para a China. Outros afirmam que fechar fronteiras só prejudica ainda mais a economia, que a variante vai chegar de qualquer maneira e é melhor aceitarmos e tomarmos medidas internas para conviver com ela.

 

A pergunta que eu não vi ninguém fazendo: como essa variante surgiu e por que ela possui estas características? Infelizmente a resposta está nos dados e é aterradoramente simples. A África do Sul vacinou apenas 24% de sua população no presente momento. Países fronteiriços estão na mesma situação, com 11% de vacinados na Namíbia, 20% em Botsuana e 11% em Moçambique. Não deveria, portanto, surpreender ninguém que uma nova variante ainda mais perigosa surja em uma região pobre, com altos índices de insegurança alimentar e baixos índices de vacinação.

 

Após essa pergunta deveria vir algumas outras: por que estes países possuem estes índices de vacinação? Por que são tão pobres ? Por que suas populações são subnutridas e mais vulneráveis a doenças? Uma resposta simplificada: após muitos séculos de exploração de suas riquezas naturais e escravização de suas populações pelos países europeus, o continente africano nunca recebeu uma verdadeira chance de se desenvolver. O caso da Covid é apenas mais um exemplo, enquanto a europa deixa doses de vacina estragarem porque uma parte da população recusa-se a tomar e todo o ocidente aplica a terceira dose a torto e a direito, os países africanos seguem com os mais baixos índices de vacinação do mundo.

 

Se a Ômicron for mesmo muito perigosa, ela se espalhará e no mundo todo sofreremos as consequências de tamanha desigualdade na distribuição de recursos, que afeta principalmente os países africanos. Seguindo com a política do “eu primeiro” e “a vida da minha população vale mais do que a da sua”, praticada por países europeus desde o início das colonizações de África e América, não sairemos deste buraco vivos. Será que dessa vez a gente aprende?

SABEDORIAS E SAPIÊNCIAS

A FÉ

Por Alim Amina

foto: Adobe Stock

Assisto à missa pela televisão todos os dias. Já fazia isso antes da Pandemia. Agora, então, é bem conveniente ter adquirido esse hábito. Não tive que me adaptar.

 

Confesso que sinto saudades dos tempos em se ouvia os sinos das igrejas ao romper do Domingo, chamando para a missa das seis, normalmente a primeira do dia. E a cantilena repetia-se de hora em hora, até ao almoço. Voltava ao fim da tarde, encerrando às 8 da noite.

 

Tuty Osório, que vara esse Brasil com a sua labuta de pesquisadora, conta que nas cidades do interior ainda é assim. Os ruídos do século XXI ainda não sufocaram a música dos sinos e é possível saber que a missa vai começar.

 

Houve tempo em que a última missa do Domingo era para encontros entre os jovens de classe média. Na sequência iam ao cinema e depois lanchar no local da moda. Era natural a sociabilidade na igreja. Em tempos mais distantes era nas missas que os namorados trocavam olhares, sob o olhar vigilante das mães e das tias.

 

Não tenho nada contra esse abrigo de encontros em torno da religião. É santíssimo, como tudo o que é alegre e aproxima as pessoas para o bem querer.

 

Contam-me que há defensores da família e da religião. Não os compreendo bem. Para mim, família é essa corrente de bondade muito ampla, muito forte, que faz com que nos acolhamos uns aos outros.

 

Religião é a sinceridade na crença em Deus e no amor a todas as criaturas que colocou na terra. Sem códigos, julgamentos, punições, preconceitos, discriminações.

 

Tenho dificuldade, muitas vezes, em receber as novidades. Minhas netas já me explicaram que na verdade tudo sempre existiu só que era proibido, por maldade e por receio do diferente.

 

Então fico atenta, Deus quer de nós é compaixão.

 

Essa intolerância é coisa de humanos, que enganam para levar quem neles acredita para onde é conveniente ao seu projeto de poder.

 

Não é sobre política. É sobre respeitar o próximo. E sobre não atirar pedras. 

BACHIANAS E COMPANHIA

Um Bellini em Veneza

Sérgio Pires

Fazia parte de nossa programação em Veneza ir conhecer o mítico Harry’s Bar, que pertence o hotel Cipriani mas que não fica em suas instalações.

 

Inaugurado em maio de 1931, nove décadas depois, a casa permanece no mesmo endereço, na Calle Vallaresso, 1323, a cem passos da Praça São Marcos. Ir a Veneza e não conhecer o Harry’s Bar é como ir a Roma e não ver o papa ou ir a Paris e não subir na Torre Eiffel, ou vir a Brasília e não comer uma pizza na Dom Bosco.

 

Fomos descobrir onde era e chegamos na sua porta trajando nossas bermudas, camisetas e ainda calçando tênis, o calor que fazia era inacreditável. O porteiro era muito alto, detesto falar tendo de olhar para cima, e ainda estava mais elegante do que pai de noiva. Ele nos olhou meio espantado, talvez temendo um arrastão. Madame L. soltou um parla italiano em cima dele, junto comigo, que quando fico nervoso falo qualquer idioma, conseguimos a reserva de uma mesa para esta mesma noite.

 

As meninas, muito precavidas, tinham todas um pretinho básico no fundo da mala, reservado para ocasiões especiais e esta ocasião era hoje. Saímos em direção ao bar, eu com meu casaco fingindo que era um paletó e o cortejo das 4 madames de pretinho básico. Fiquei desconfiado que parecia que íamos para um velório quando uma senhorinha italiana, toda vestida de negro, fez o sinal da cruz ao passar por nós.

 

Chegamos no Harry’s Bar, que, como já disse, fica próximo à Praça de São Marcos e ao nosso hotel. O porteiro era o mesmo. Pareceu agora aprovar nossos trajes e nos pediu para acompanhá-lo. E fomos em comboio atrás do italiano. Passamos pelo balcão do bar, passamos pelas mesas do bar. Epa! Para onde vamos? Passamos pela cozinha (lado de fora), passamos pelos banheiros (suas portas), subimos uma escada, e eu pensando “Este carcamano tá nos levando para o pior lugar possível, onde desovam os latino-americanos.” Mas nada comentei para não decepcionar as meninas.

 

A vizinhança da nossa mesa estava quase que totalmente vazia, em contraste com o bar do térreo que estava lotado. Apenas um casal nos fazia companhia. Logo decretamos que eles eram russos. Ao longo da noite tomaram 5 garrafas de vinho, sendo que cada uma custava mais que o total da nossa conta.

 

O Harry’s Bar tem criações próprias. Uma de suas invenções geniais é o coquetel Bellini, surgido em 1948, e outra muito conhecida é o carpaccio.

 

Pedimos logo o famoso Bellini para brindarmos nosso encontro. Ele mistura uma parte do purê da polpa de pêssego branco e duas ou três partes do espumante italiano prosecco. Algumas pessoas gostam de acrescentar meia colher de chá de suco de limão.

 

O prosecco é um espumante elaborado no nordeste da Itália, no Vêneto e em Friuli Venezia Giulia, devendo conter, no mínimo, 85% da uva Glera (antiga prosecco) em sua composição.

 

O nome do Bellini homenageia o pintor homônimo. Cipriani, seu criador, amava as artes plásticas. Giovanni Bellini (1430-1516), mestre da pintura veneziana do Renascimento e um dos pioneiros na técnica da pintura a óleo, era um de seus ídolos.

 

O Bellini do bar é fantástico, mas acaba em três goles, é a menor taça de espumante que já vi e custa €15.00 sem contar o servicio. Decreto que encerramos a fase dos Bellinis. Mas, mesmo sendo caro, consta que na alta temporada são vendidos mais de 600 coquetéis por dia.

 

Apesar de ter sido aqui no Harry’s Bar onde o carpaccio, a nossa entrada, foi criado, este foi uma decepção. Totalmente inadequado ao nosso paladar. Veio de acordo com a tradição, com o molho do prato desenhado em formato de grade, com o garfo, para evocar os traços do pintor Kandinsky, que  abriu caminho para a arte abstrata. Mas, este molho, era apenas uma tripa de maionese, sem tempero algum.

 

Só me recordo do meu prato, um ossobuco com risoto de açafrão, que estava ótimo.

 

A origem de algumas receitas é meio que no susto e a história do carpaccio também é assim. Em 1950, a condessa Amália Nani Moncenigo pediu a seu velho amigo Giuseppe Cipriani que lhe preparasse um prato com carne, mas não podia ser cozida, frita, assada ou passar por qualquer outro processo e cocção. Ou seja, tinha de ser crua, por ser rica em ferro. Era uma recomendação médica para curá-la de anemia.

 

    Na cozinha foram cortadas finas lâminas de carne crua, que arranjadas num prato e com um molho por cima se serviu.

 

Consta que à primeira garfada, a condessa exclamou: “Que maravilha! Como é o nome deste prato?” Na pressa ninguém havia pensado nisso, porém, olhando para a cor da carne crua, Giuseppe Cipriani se recordou da exposição que acontecia em Veneza do pintor renascentista Vittore Carpaccio, conhecido por usar em suas telas vibrantes tons de vermelho.  “O nome do prato, Sra. Condessa, é carpaccio.”

No Brasil, a receita foi introduzida na década de 70, em São Paulo, pelo restaurante “Massimo”.

 

 

 Mas o restaurante foi lotando com celebridades hollywoodianas. Na mesa ao lado estava o ator de CSI Las Vegas e, de Matrix, Lawrence Fishburne. Quando ele entrou, Madame N. exclamou empolgada: Gente! Olha o Martinho da Vila!

 

Notei que ele pediu um ovo frito com trufas brancas. Aí cometi aquele momento “pobre se expondo” e corri ao cardápio para ver o preço: €80,00. Pensei: A galinha ia ficar com um orgulho deste ovo!

 

O vinho branco da casa Cipriani é alguma coisa.  É alguma coisa muito sem gracinha, sem aromas e com pouca acidez.

 

Na outra mesa está Colin Firth, que ganhou o Oscar com seu papel no filme “O Discurso do Rei”. As meninas ficam um pouco mais empolgadas do que eu gostaria. Madame L., discretamente, tenta fotografá-lo com seu celular. O garçom, mais discreto ainda, ninguém viu o cara chegando, lhe informa que ali isto é um caso de polícia. – Que é isso? Estou apenas vendo as horas.

 

Vinho branco antes, prosecco durante e Vin Santo depois. O garçom, piadista, disse que podemos beber à vontade porque não precisaremos dirigir na cidade.

 

Olha só, o Owen Wilson, aquele ator louro do nariz torto, está sem mesa. Vai ficar em pé esperando porque agora nós não vamos embora tão cedo.

 

A companheira do meu chapa Lawrencinho, a esta altura já tínhamos trocado adeusinhos, é uma preta alta, linda, de turbante e turbinada, totalmente chique, sem qualquer ironia aqui, e pediu, com a maior classe, para embrulhar o restante do seu hambúrguer. Madame N. decreta, mais uma jarra de prosecco. Afinal ainda vai levar uns dois meses para a conta cair na fatura do cartão e ninguém merece esperar a conta a seco. Passando a régua foram uns €500.00 para um grupo de cinco.

 

Como falei, o prosecco era de jarra, coisa de italianos. Fiquei achando que era o mesmo vinho branco de antes que colocaram na máquina de refrigerante para pegar um gás.

 

Após esta nossa noite de Festival de Cinema de Veneza, que também estava acontecendo na cidade (somos antenados), nossa tarde tinha sido na Bienal, fomos flanar na Praça de São Marcos, indo para a frente das orquestras curtir as músicas. Estas orquestras são, na verdade, grupos musicais que sempre contam com no mínimo piano, acordeom, violino e contrabaixo.

 

Embalado pelo som, pela noite e pelos Bellini, resolvemos dançar em plena praça. Tomei Madame E. nos braços e saímos bailando como Ginger e Fred, como Gene Kelly e Debbie Raynolds, como …. Sérgio e Eliana.

 

Bem, esta dança toda deu uma sede danada, agora que a gente já sabia que se vende garrafinhas de Bellini Canella (Canella é a marca) nas sorveterias, aproveitamos para brindar mais uma vez esta noite tão especial.

 

Li em algum guia turístico, totalmente desguiado, que 24 horas são mais do que suficientes para se conhecer Veneza. Como poderia concordar com esta afirmação? Em 24 horas não há tempo de se perder por suas vielas, para subir e descer em suas incontáveis pontes que nos permitem atravessar também incontáveis canais. Em 24 horas não poderiam ser perdidos alguns preciosos minutos tirando uma soneca no vaporetto, nem sobraria tempo para, numa das praças, procurar o lado da sombra e sentar na mesa externa de um ristorante, para tomar uma tacinha de um rosé gelado (ou duas, ou ….).

 

Nestas únicas 24 horas como poderíamos, por diversas vezes, parar para estudar o mapa atrás da melhor comida, daquela loja ou daquele monumento. Não seria possível nos determos em nosso caminho diante de cada vitrine que nos deslumbrava ou entrar em cada loja que nos seduzia, e foram tantas.

 

Em 24 horas não seria possível entornar mais um Bellini Canella no gargalo, comer, ao lado do hotel, outra brusqueta recheada de cogumelos. Voltar em Murano só para comprar dois vasos de presente para as filhas casadas. Ir de novo na Ponte Rialto em procura de uma loja. Sentar, pela segunda vez no mesmo dia, numa mesa de piazza, para uma taça de vinho branco, agora sim, apenas uma taça. Até que findando este último dia, sentado na calçada, na Praça de San Marcos, escutar um tango. Foram 4 vezes 24 horas, pareceu pouco, apenas 24 horas não seriam nada.    

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

CREPÚSCULO

ENTÃO É O NÚMERO 20

foto: Celso Oliveira

Chegamos. Caminhada boa, difícil, por vezes, mas sempre pautada pela vontade de acertar e pelo compromisso de entregar vivências, belezas, indignações e emoções através da leitura, dos olhares e das escutas. Obrigada a todos os apoiadores, leitores e colaboradores do Domingo à NOITE em 2021. Dezembro trará surpresas, o Natal, e verá nascer mais e mais Domingos. Que não tardam, porque nunca é tarde.

Obrigada por estarem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe