Edição N. 21 - 05/12/2021
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Edição Geral: Tuty Osório

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Edição de Fotografia: Manuela Marques 

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

 
ALVORADA

NEM LONGE, NEM DISTÂNCIA

foto: Celso Oliveira

Portos estações, terminais, são lugares de encontro, de encruzilhada, o palco do deus grego Hermes, deus do comércio e da comunicação. Ironicamente, o senso comum consolidou o significado de fechado, impenetrável, como hermético. Vem de uma área de estudos da filosofia chamada hermenêutica – outra longuíssima conversa. O fato é que a plataforma presencial de gente que mais frequento é o aeroporto e sinto que são lugares onde circulam muitos mistérios. Como um voyeur de almas, fico observando os passantes, uns apressados, outros mais lentos, uns com expressão de leveza, outros carregados de peso. Todos levando em si um mundo de alegrias, angústias e possibilidades. Todos igualados na sua missão de viajantes. Expostos às mesmas imponderáveis afetações boas e ruins do destino.

Começa agora mais um Domingo à NOITE em 2021! 

ACQ

Aragonie

por Antônio Carlos Queiroz

foto: Celso Oliveira

Usinava sentimentos como quem assa pizza em air fryer, por isso os expressava prêt-à-porter, amarrotados em cabides num canto do armário, bastando uma escova para tirar a poeira, os vermelhos e amarelos misturados com os azuis, pretos e cinzentos, alguns com rendas, outros com babados ou pedrarias. A escolha era feita às cegas, com o risco da cor. Raras vezes, por interesse, levava horas no cálculo da emoção, sem espelho nem selfie.

CRÔNICA

OLHARES DO MENESTREL

por Tuty Osório

Celso Oliveira se descobriu fotógrafo na década de 70, quando morava no Rio, cidade onde nasceu. Começou a carreira como fotojornalista, lá mesmo, e trabalhou em muitos lugares depois.

 

Aportou em Fortaleza de onde faz, para o mundo, jornalismo, publicidade e arte. Suas fotos sempre trouxeram um olhar diferente. A sua assinatura de sensibilidade e seu modo único de perceber e revelar o povo brasileiro, nas expressões mais cotidianas.

 

Lazer, trabalho, manifestações culturais, os brasileiros são docemente flagrados na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, sempre em busca de vida.

 

Também as belezas naturais do nosso país ganham o olhar de Celso, de norte a sul. Além de outros países, como Cuba, onde realizou ensaios que explodem as cores garridas da ilha de Buena Vista.

 

Celso é referência, é lição, é emoção. Suas fotos são contação de histórias, roteiro de filme, de peça, páginas de livro. Para honra nossa contamos com ele aqui, todos os domingos.

 

Convidamos vocês a viajar mais por seus olhares, visitando o Instagram e assistindo ao vídeo, criado em parceria dele com Camilla Osório e Alisson Severino. 

 

TRILHA

Assista ao Vídeo

REPORTAGEM ENSAIO

FOME DE VIVER

por Miguel Boaventura

A fome toma conta do Brasil e se amplia no mundo. A fome é uma condição extrema, da qual já deveríamos ter nos livrado há tempos. A rigor é uma vergonha que ainda exista, considerando o excedente da produção de alimentos e o desperdício que cotidianamente é protagonizado pelos mais abastados.

 

É urgente levar mais a sério os Programas de Segurança Alimentar que estruturam o aproveitamento de excedentes, chamadas sobras, em feiras, supermercados e restaurantes. Só isso já reduziria em muito o sofrimento de milhões de brasileiros por não conseguirem todas as refeições por dia.

 

Argumentar que a pobreza e a fome fazem parte do mundo, que sempre vão existir, é burrice, ou má fé. É por negligência que o mundo é assim. E pode ser diferente se continuarmos sendo chatos, e insistindo no repúdio. E na Ação de Combate.

 

Não é distante. Através do MESA BRASIL, o SESC pratica o aproveitamento e a distribuição do desperdício de alimentos, em parceria com empresas privadas do ramo alimentar. E funciona. Só que é insuficiente. É urgente ampliar e resolver.

 

Não é à toa que o Programa Público mais citado nas pesquisas qualitativas é o Restaurante Popular, que fornece pratos cheios a um real. Não é sequer uma política pública e calou fundo até entre quem não passa fome, mas assiste ao vizinho passar.

 

Para não adoecer, lembro o poema de Álvaro de Campos, que fala da afinidade com os pedintes e vadios, no sentido translato. Robert Musil, em O homem sem qualidades, romance extraordinário sobre a decadência dos valores da elite do século XIX, no início do XX, sugere que vivamos a vida como literatura. Daí lembrar do colega Álvaro, e de seu poema tão irônico e verdadeiro.

 

Tal qual, sinto entojo pela indignidade em que tantos irmãos e irmãs vivem. Sinto fome de coerência, de compaixão. Não sou parvo, como diz Álvaro, nem sequer ingênuo ou militante aplicado. Só que de tanta calamidade espalhada pelo mundo, mendigos que não o são por profissão- e, sim, por serem vítimas da maldade da guerra, da ganância e da irresponsabilidade, – seria capaz de cantar a Internacional.

 

TRILHA

MESA BRASIL DO SESC – site na internet

AÇÕES DA FAO – Fundo das Ações Unidas para o Combate à fome – no site da ONU, na internet

O Homem sem Qualidades, (livro) por Robert Musil (várias editoras)

A Internacional (música), no Youtube em versão samba, latina e hino.

MÚSICA TALENTOS AOS DOMINGOS

You’re a lady

por Maurício Venâncio Pires

O grande filme se torna perfeito para mim, quando ele tem – ao mesmo tempo – interpretações impecáveis, história envolvente, fotografia que fascina e uma trilha sonora que arremata isso tudo.
O meu gosto pela música se deve muito a esses momentos em que a emoção me toma conta.
Um desses filmes é da década de 90, do dinamarquês Lars Von Trier – Os idiotas (Idioterne), também conhecido Dogma 2 por ser o segundo filme de sua trilogia Golden Heart.
Não irei contar a sua história, mas fica a dica e que a música que canto é a principal da trilha sonora.
You’re a lady foi gravada em 1972 pelo inglês Peter Skellern e chegou a figurar entre os discos mais vendidos na terra da Rainha.
Mas a interpretação que me emociona é a do próprio Lars Von Trier com atores do filme – todos com algum tipo de deficiência mental.
A minha, é mais modesta, mas eu peço que escutem – de preferência com fones de ouvido – para quem sabe, consiguir também emocioná-los.

POESIA

CRUZOU POR MIM, VEIO TER COMIGO NUMA RUA DA BAIXA

por Álvaro de Campos

Mapa astral de Álvaro de Campos

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa

Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara

Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;

E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha

(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:

Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,

E romantismo, sim, mas devagar…).

 

Sinto urna simpatia por essa gente toda,

Sobretudo quando não merece simpatia.

Sim, eu sou também vadio e pedinte,

E sou-o também por minha culpa.

Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:

É estar ao lado da escala social,

É não ser adaptável às normas da vida,

Às normas reais ou sentimentais da vida —

Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,

Não ser pobre a valer, operário explorado,

Não ser doente de uma doença incurável,

Não ser sedento de justiça, ou capitão de cavalaria

Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas

Que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas,

E se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!

Tudo menos importar-me com a humanidade!

Tudo menos ceder ao humanitarismo!

De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela?

 

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,

Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:

É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,

É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

 

Tudo mais é estúpido como um Dostoievski ou um Gorki.

Tudo mais é ter fome ou não ter que vestir.

E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente

Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,

E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

 

Coitado do Álvaro de Campos!

Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!

Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!

Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,

Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,

Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele

Pobre que não era pobre, que tinha olhos

tristes por profissão.

 

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!

Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

 

E, sim, coitado dele!

Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,

Que são pedintes e pedem,

Porque a alma humana é um abismo.

 

Eu é que sei. Coitado dele!

 

Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!

Mas até nem parvo sou!

Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.

Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

 

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido.

Já disse: Sou lúcido.

Nada de estéticas com coração: Sou lúcido.

Merda! Sou lúcido.

CONTO

AS BRUMAS DE DEZEMBRO

por Tuty Osório

foto: Celso Oliveira

– Mãe…

-Diz filha.

-Acho que pegou em mim o teu medo da semana passada. Também estou sentindo uma dor aqui…

-Poxa filhinha, desculpa. Não fica assim. Já passou…

– Mas pra mim começou…

-Não fica assim. A gente sente medo às vezes. Mas passa. E acho que o seu é angústia.

– Fico olhando em volta e não encontro nada…Tanta coisa triste, mãe.

-Pensa nas coisas boas filha. Nas escolhas que podemos fazer. Nas alianças que podemos promover. Na força que temos para construir.

-Eu sei mãe. Mas às vezes parece impossível, sabe?

-Sei. E te entendo e te acolho. Estamos juntas.

-Vamos assistir Modern Family, mamãe?

– Vamos!!!  

O BEM VIVER

COMPACTUAR O BEM

por Camilla Osório de Castro

foto: Alisson Severino

Não mangue, de mim, não mangue! Sou mangue, vou lhe contar! 

Não mangue de mim, sou mangue, por feio me querem dar! 

O caranguejo que na praia você come, O camarão que pula na sua barriga.

Vê se me entende, homem, O que em mim se cria

 Vê se me entende é o que mata a sua fome!

 

(Música Portal do Mar, Gigi Castro e Soraya Vanini) 



O Cumbe é uma comunidade quilombola e pesqueira que há 25 anos tem as suas terras demarcadas dentro do município de Aracati. Fui convidada para fazer a cobertura audiovisual da Festa do Mangue, uma celebração do aniversário da comunidade, suas lutas e suas conquistas.

 

 

No Cumbe pratica-se a filosofia do Bem Viver de que tanto se fala aqui neste espaço. Eu estudo muito sobre o tema, estou sempre lendo sobre experiências maravilhosas. mas preciso confessar uma coisa pra vocês: anestesiada no corre-corre de uma metrópole, na prática a teoria é outra. É necessário muito arrodeio para pensar e construir o Bem Viver em Fortaleza.

 

Chegar aqui foi como me virar de cabeça para baixo. Meus anfitriões conhecem a teoria e falam dela com desenvoltura. Principalmente, praticam essa teoria com a tranquilidade de quem a tem incorporada à cultura. O conhecimento da teoria é fundamental para poderem estabelecer comunicação com o mundo, mas é importante lembrar que a prática é mais antiga que a chegada do conceito ao território.

 

A comunidade vive em harmonia com o manguezal onde se situa e dele tira sua subsistência. Há fartura e segurança alimentar pois o que vem da terra e do mar é para todos. E é na força encontrada no coletivo que a comunidade tem conseguido resistir a ameaças de morte de seus líderes, atrasos na vacinação contra a covid-19 e toda a sorte de perseguições. A região possui fazendas de camarão e produção de energia eólica.

 

 As fazendas de camarão deterioram o manguezal e as usinas eólicas ignoram a existência da comunidade, frequentemente barrando o acesso dos quilombolas aos recursos naturais e promovendo perseguições às lideranças locais. Neste contexto, o Cumbe protagoniza a disputa entre o capitalismo selvagem e o Bem Viver ao vivo e a cores, aqui e agora.

 

Parece que o Cumbe está ganhando. Segue de pé, cercado de seus aliados enquanto grita: “Tirem suas mãos. O Quilombo é nosso!”.

SABEDORIAS E SAPIÊNCIAS

A LIDA DA CASA

Por Alim Amina

O trabalho doméstico é historicamente desvalorizado. Historicamente é uma palavra dos jornalistas, dos intelectuais. Admiro muito essas pessoas, mas vou usar as minhas palavras, acho melhor.

Digamos que o trabalho doméstico nunca foi valorizado. Pelo menos, desde que me entendo por gente. Sempre foi coisa para ser executada por inferiores.

 

As mulheres eram educadas para saber administrar a casa, cuidar dos filhos. As abastadas para mandar nos criados. As mais simples para executar as tarefas e acumular muitas responsabilidades. Lavar roupa, manter os assoalhos limpos, fazer a comida, tirar poeira, gordura. Manter tudo em ordem.

 

Como mulher nem podia discutir política, trabalhar fora de casa era perder o valor para o casamento, suas tarefas imensas eram tidas como inferiores. Isso distorceu a importância do cuidar. O prazer de manter as coisas em ordem, em harmonia.

 

Fazendo diretamente ou contando com ajuda, a Casa é o centro do afeto. Quem cuida garante a vida. É trabalho superior, sofisticado. Exige conhecimento e habilidade. Pense nas coisas quebradas, perdidas, na saúde comprometida por falta de gestão doméstica e você vai me dar razão.

 

Aprendemos a desgostar. Ensinamos a desgostar. Mas a alegria que sinto quando olho a minha casa limpa, arrumada, organizada, saudável é indescritível. Tenho orgulho de mim e de quem me ajuda a manter tudo isso.

 

Todo o amor e todo o poder às donas e aos donos de casa. E tenho dito!

BACHIANAS E COMPANHIA

TEMPERO DE FAMÍLIA

por Francisco Bento

foto: Adobe Stock

Toda a família tem receitas de tradição. Que foram inventadas, copiadas. O que as torna de família é serem repetidas a cada festejo, ou mesmo no cotidiano. E vão passando de geração em geração. Uma beleza que nos faz feitos da fazenda do afeto. Cora Coralina está aí para provar. A dedicação pelos doces garantiu a sua sobrevivência e a sua legitimação na sociedade da cidade de Goiás, antiga Goiás velho.

 

Cora é uma desorganizadora de convicções. Rompeu com convenções pétreas, à sua época.  Fundou a tradição da verdadeira liberdade. Lendo os seus livros, e os de outras autoras, de Adélia Prado, Raquel de Queiroz a Frida Kahlo, aprendemos que alimentar é muito gratificante. Em suma, cozinhar para os que amamos é privilégio e alegria.

 

Amo restaurantes. Imagine um sujeito no céu, sou eu nesses templos do sabor e da elegância. Nada ver com ser caro ou barato. A panelada servida pelas cearenses na Feira do Núcleo Bandeirante, em Brasília, é um supra sumo de sofisticação. O tartare de salmão de um bistrô de Paris, também.

 

Mas pensando no luxo da comida de casa fiquei balançado. Algo feito por mim ou por alguém muito íntimo meu. Receitas da mãe, da avó e da bisavó. Um jeito de temperar, apurar e servir. Não é à toa que o Rodrigo Hilbert, ator dos melhores, fez sucesso com seu programa Tempero de Família, na GNT.

 

Proponho um divertimento delicioso. Reúnam as receitas de família e façam livros para legar às próximas levas de pessoinhas. Seus netos e bisnetos vão gostar de saber que você adotou uma base de beringela italiana e criou um tira gosto de Natal com sua assinatura. Que pegou a receita de carne calabresa da amiga e há quarenta anos não falta essa iguaria nos encontros da família. Que seu lombinho não é seco porque você cuida dele com cuidado a cada almoço de sábado. E a guacamole brasileira? E o arroz com uma xícara de vinho? E os cogumelos frescos assados com azeite?

 

Não deixem essas delícias se perderem. Registrem em vídeo e texto e vamos inundar nossas famílias de ebooks memoriais.

 

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

CREPÚSCULO

LIVRO MEU, QUEM É MAIS PODEROSO QUE TU

Com muita alegria vemos as revelações da Bienal do Rio. Aumento de compras, de leitores, em todas as gerações. Os editores repetem: se teve um efeito positivo da Pandemia foi a redescoberta do livro. Que maravilha! Ler é viajar, sonhar, voar, passar por infinitos portais. É libertador, salvador. Cura, resgata, acolhe, regenera, abraça. Vamos aproveitar para não deixar esfriar essa vontade e vamos ampliar o gosto pela leitura.

Obrigada por estarem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe