Edição N. 26 - 02/01/2022
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Edição Geral: Tuty Osório

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Edição de Fotografia: Manuela Marques 

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

 
ALVORADA

MAIS ENCONTROS

foto: Celso Oliveira

Aqui estamos para iniciar nova caminhada em 2022. Nunca é demais agradecer a todos os apoiadores e leitores deste Domingo à NOITE que veio mesmo para ficar e continuar. Com inspiração na trilogia de cores do cineasta polonês Krzysztof Kieslowski, que produziu nos 90 do XX – os belíssimos A Liberdade é Azul, A Fraternidade é Vermelha e a Igualdade é Branca, dramas existenciais que falam em palavras, imagens e gestos sobre o abismo que nos invade a alma, devolvemos com a beleza da arte a angústia mastigada em goles. Venham dançar, cantar, brincar, rir, chorar, rabujar, festejar, cruzar a linha de chegada e maratonar vida novamente.

Começa agora o primeiro Domingo à NOITE em 2022! 

REPORTAGEM ENSAIO

PARALELO 22

por Miguel Boaventura

A erudita, acadêmica e escritora, Lilia Shwartz, de quem sou um fã incondicional, fala-nos dos nossos ancestrais em ano 22, de séculos atrás. Ou seja, contra a ignorância, intencional ou involuntária, teremos um 2022 recheado de conteúdo, com efemérides que nos motivam a pesquisar, conhecer, refletir, promover o encontro saudável e elevado com a nossa história.

 

Senão, vejamos:

 

Primeiramente, 10 anos da Política Inclusiva de Cotas nas Universidades Públicas que nos aproximou um pouco mais da nossa diversidade como povo. Ainda há muito desequilíbrio.

 

Certamente as Cotas, pelas quais devemos lutar com inteligência e civilidade, resgataram um Brasil como deve ser. Com pretos, pardos e indígenas ocupando os espaços no ensino público superior, bem como os estudantes secundaristas egressos do ensino básico. Só para deixar claro que a inclusão não é apenas racial – o que já seria muito, considerando a opressão histórica -, como também de classe. Caminhando para um Brasil de todos e não de alguns.

 

 

Depois vem a Semana de Arte Moderna de 1922, um modernismo que impregnou, no melhor dos sentidos, todo o Brasil, embora puxado por um grupo de intelectuais de São Paulo.

 

Contudo, e como tudo, a era moderna que jogava na cena a vanguarda do início do século passado, acontecia em paralelo por muitas paragens de nossa nação em gestação doída e esplendorosa.

 

Ventos que nos sopraram da Europa, apenas para espalhar os aromas que eram e são genuinamente nossos.

 

 

Para nos ensinar quem somos, para nos lembrar o que seremos.

 

 

O futuro eternamente ressignificado na essência de nossa origem – por mais que mintam, que forcem as notas de culturas que nos são complemente exteriores, somos as estrelas de Bilac, tanto quanto a literatura militante das amargas noites ébrias de Lima Barreto. Por sinal, também ele, magistralmente biografado por Lilia, com data símbolo em 2022 – 100 anos de sua morte.

 

 

Finalmente, lembro aqui do bicentenário da independência. Uma oportunidade ímpar de revermos os acontecimentos, compreendermos que fomos gerados em conflito e isso é interessante porque nos fará conscientes, em lugar de submissos.

 

 

Amadurecidos, na marra, mas de fato, 200 anos depois da nossa autonomia política poderemos viver as eleições amplas de outubro como uma festa democrática e enriquecedora do nosso destino.

 

TRILHA

Canal da Lili (vídeos no Youtube), por Lilia Shwartz

LAREIRAS MÁGICAS – sobre cinema e outras lanternas

UM CLÁSSICO DOS NOVOS ANOS 20

por Camilla Osório de Castro

O filme Não olhe para cima estreou na Netflix no dia 24 de dezembro de 2021. Acometida de gripe, como metade da população brasileira naquele dia, fiquei isolada no Natal e restou-me assistir ao filme no dia da estreia.

 

Adam Mckay, o diretor, assinou grandes obras ao longo de sua carreira. “Vice”, de 2018 e “A Grande Aposta”, de 2015 são bons exemplos de seu estilo ácido e sarcástico de retratar a sociedade estadunidense.

 

Esperava, portanto, distrair-me da enfermidade com um filme de humor inteligente onde eu já imaginava poder rir um pouco de nossa tragédia. Após dois anos de pandemia, com muita angústia e apreensão, um filme sobre uma tragédia anunciada e ignorada gera esse tipo de expectativa.

 

A sinopse me fez lembrar um vídeo do Porta dos Fundos em que representantes de nossos principais partidos políticos falam ao povo sobre um meteoro que irá atingir o Brasil. A sátira claramente referia-se à pandemia e à gestão negacionista que alguns dos nossos governantes têm feito dela.

 

A metáfora, porém, é extensível a todo o arco catastrófico em que a humanidade entrou desde a descoberta do aquecimento global, no qual os cientistas são sistematicamente ignorados pelos políticos e a humanidade é tangida rumo ao que parece ser a nossa futura destruição.

 

Para a minha surpresa, no entanto, “Não olhe para cima” revelou-se muito mais do que a minha já otimista expectativa. Além de uma qualidade técnica impecável e uma construção narrativa que mexe com um amplo espectro de nossas emoções fazendo-nos gargalhar, chorar, sentir raiva, tudo ao mesmo tempo, o filme é também como um documento de nossos tempos.

 

Se daqui a 50 anos um jovem perguntar : “ Como era a vida no início dos anos 20 do século XXI?”, mostrar a ele este filme será um bom modo de responder. Encontram-se ali reunidos os nossos principais desafios políticos, sociais e culturais. A moda, a música, a relação com a mídia e com a internet. Há ainda o dado da indústria cultural, o filme é uma produção Netflix, plataforma de streaming que tornou-se um símbolo deste novo modo de distribuir conteúdo no século XXI.

 

Muitos têm reclamado do modo como “Não olhe para cima” resolve o conflito. Afirmam que o filme é uma tese sobre nossa falta de opções e que é necessário manter a esperança.

 

Os leitores do Domingo à NOITE sabem que eu passei o ano todo escrevendo aqui sobre esperança e estratégia. Então, é com certo conhecimento de causa que discordo dessa análise.

 

O cinema não é uma tese social. Por mais que seja um documento, este filme é também uma obra de arte e seu desfecho tem propósito estético. No entanto, assistir com febre, por estar infectada em uma epidemia de gripe no meio de uma pandemia de covid, no meio de uma crise climática, no meio de uma crise política, me fez pensar profundamente na sua premissa.

 

Um grito de alerta. Escutemos.

CONTO

CANGURUS DO XXI

por Tuty Osório

foto: Adobe Stock

– Mãe, o que você acha dos pais e mães que beijam os filhos bebês com selinho?

– Sei lá filha. Quer dizer, sei. Acho que cada um faz como tem vontade. É só um hábito de expressão de carinho. Como outro qualquer.

– Mãe, sabia que dizem que prejudica o desenvolvimento da criança? Outros dizem que é bom porque os pais passam anticorpos.

– Quer saber? Muita teoria, isso sim! Saco! Eu nunca tive esse hábito mas tinha outros que podem achar muita coisa. Não era moda nem nada e eu carregava vocês no colo enquanto fazia todas as tarefas da casa e do trabalho. Vocês adoravam! E eu também! Não tinha pano pra ajudar, nem aquela cadeirinha de colo. Era no braço, mesmo! Bom demais!

– Hoje tem muita opção e informação. Não acho ruim mamãe, ter a teoria para ajudar quem não tem a sensibilidade, ou a educação, mesmo…

– Sei não, filha! Substituem a prática, que é o que importa, pela teoria. Gasta-se muito tempo debatendo e quase nada se dedicando, de verdade.  Filho dá trabalho físico, emocional, intelectual… Tem que dar conta de segurar no colo e depois soltar pra não sufocar. É uma frase, mas uma saga complexa, com episódios ad infinitum…

– Você já me soltou?

– Tô dizendo?! Ad infinitum…

SABEDORIAS E SAPIÊNCIAS

ABRACE OS SEUS ESPELHOS

Por Mila Marques

foto: Manuela Marques

Neste final de ano, impossível eu não estar triste!

 

 

Até troquei impressões com Alim, pois somos da mesma idade, e ela, como eu, também se preocupa com a finitude. Logo no começo de 2021 tivemos uma grande perda: meu marido e companheiro de muitos anos.

 

Muitos amigos têm partido, outros estão muito doentes.

 

A vida, por mais difícil que seja, está aí, está aqui, é real! Já a morte é um mistério, uma grande incógnita!

 

Ao partir, todos vamos para o desconhecido! Sempre procuramos imaginar, como será, mas só na nossa hora vamos conseguir saber! Cada um, dentro das suas convicções religiosas, imagina o melhor, sem dúvida!

 

 

Bom para nós imaginar o melhor! Mas imaginar, não é saber, e quanto mais a idade avança, estamos mais perto da conclusão do nosso percurso. Isso por vezes nos assusta e angustia.

 

Normal!              

 

 

Quando se é jovem existe muita vida pela frente, muitos sonhos a realizar e temos tempo para isso. Detesto quando falam que idade avançada é a melhor idade.

 

 

Nada disso! Melhor idade é na juventude, com vontade e coragem de desbravar, inventar, lutar e ir em frente, procurar a realização dos seus sonhos.

 

 

E com erros e acertos, tudo se vai conseguindo. Não digo que idosos não têm direito a sonhar. Têm sim e devem fazê-lo!

 

O poeta já dizia “O sonho comanda vida”! Mas para realizar esses sonhos, mesmo com vontade, a maioria das vezes, não existe mais o tempo para tal. O tempo não volta mais!

 

 

Tenho alguns sonhos. E ao agradecer pela vida, pelo que tenho e não tenho, o sentimento que impera em mim é de muita gratidão a Deus.       

         

 

Sonhos a realizar, não depende só de mim. Procuro que a vida me empurre para a frente. A autonomia excessiva, por vezes tem que ter limites. A falta de autonomia nos ensina a depender e a dependência, seja qual for, torna-nos tristes.

 

 

Como diz uma prima querida, que está muito doente, mas não perde a vontade de viver, É caminhando que se faz o caminho.

 

 

Fazendo o meu caminho, procuro seguir em frente com dignidade, apesar da idade, que como disse no início, não considero a melhor! Um 2022 cheio de realizações positivas e muita força e coragem para encarar o menos bom, que se nos depare!

HISTÓRIAS DE HISTÓRIAS e HISTÓRIAS DE JORNAL

O IMENSO MERGULHO

por Lia Raposo

Craós, via Wikipédia

“1.Isto é para quando você vier. É preciso estar preparado. Alguém terá que preveni-lo. Vai entrar numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui. Pergunte aos índios. Qualquer coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça. E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergunta. E, depois de amanhã, mais uma vez. Sempre a mesma pergunta. E a cada dia receberá uma resposta diferente. A verdade está perdida entre todas as contradições e os disparates.”

 

In Nove Noites, Bernardo de Carvalho, Companhia de Bolso, 2006 (lançado originalmente em 2002)

 

Vencedor do Prêmio de Literatura da Biblioteca Nacional e do Portugal Telecom, Nove Noites mistura as fantasias do narrador aos fatos da vida do antropólogo norte- americano Buell Quain – que viveu entre os índios krahô, no Tocantins.

 

Narrador que, 62 anos depois, ao conhecer a história de Buell numa notícia de jornal, passa a pesquisar obsessivamente a vida do americano. A história é dividida em dois tempos – o percurso do antropólogo no sertão brasileiro e a busca do autor pelas pistas do que aconteceu.

 

É sempre fascinante contar uma história a partir de uma notícia de jornal.

 

Romancear o fato e entregá-lo ao público recheado de detalhes descobertos ou imaginados. Assim acontece em Nove Noites, um texto produzido com afinco, sem pedantismo, trazendo até nós um Brasil que sempre existiu, e continua existindo, somente para os viajantes.

 

TRILHA

Nove Noites (livro), por Bernardo Carvalho

BACHIANAS E COMPANHIA

BRINCADEIRAS DE CRIANÇA

por Sérgio Pires

Vendo meus cabelos brancos muitos não acreditam que um dia fui criança e brincava como a criança que era. Hoje sou avô e observo meus netos brincando, algumas brincadeiras permanecem, outras estão fora de moda e ainda chegaram os eletrônicos.

  

Que ligava na tomada tive apenas um autorama, um trenzinho que se anunciava como elétrico na verdade era à pilha. Um kit de mágicas e outro de química por algum tempo me deram a resposta sobre o que eu queria ser quando crescer. Depois veio o carro de bombeiros e o batmóvel (ainda gostaria de ser o Batman).

  

Outra opção profissional veio com um jogo de ferramentas. Resolvi serrar a perna de uma das mesas da casa. Para espanto das visitas minha mãe deixava. O que era uma mesa capenga em relação a uma criança quieta e concentrada em sua tarefa.

 

O Farol Mágico respondia às perguntas do tabuleiro. Conseguia tirar todas as varinhas coloridas sem nenhuma se mexer, a preta era a principal. Joguei damas e dominó, o xadrez não me atraiu. Fazia estradas e túneis no monte de areia da obra da igreja para brincar de carrinho, o padre não gostava de crianças e nos expulsava de lá.

 

Quando ganhava um carrinho de plástico logo pegava uma faca e fazia portas nele.

  

Fiz coleções, dos selos das cartas que chegavam na portaria do meu prédio; de maços de cigarro (só valiam os encontrados na rua); de propagandas em plásticos para fixar no vidro (esta eu ainda tenho). Álbuns de figurinha foram muitos.

  

Cismei de construir um canhão, os termômetros vinham em um tubo de metal, cabeças de fósforo eram a pólvora, por sorte nunca nenhum destes artefatos explodiu nas minhas mãos.

   

Matei muitos soldadinhos de chumbo os derretendo. Transformei conchinhas do mar em batalhões de soldados e outras diferentes em tribos de índios. Usar walkie-talkie era uma transgressão, tínhamos certeza que a polícia nos escutava e procurava triangular a nossa localização, assim nunca falávamos nossos nomes ou ficávamos defronte de nossos prédios.

   

Atiradeira era apenas para treinar a mira, outros caçavam rolinhas e pombos, nunca matei passarinhos, igual à música do Fausto Nilo. 

   

Em um Natal eu e meu irmão ganhamos espadas. Após a nossa primeira luta, no estilo Zorro ou Falcão Negro, Papai Noel se arrependeu e as espadas misteriosamente foram substituídas por jogos de tabuleiro.

   

Revólver de espoleta e espingarda de atirar rolhas. Indispensável para brincar de caubói.

   

Um jipe de pedalar para mim, um carro tipo fubica para meu irmão e um velocípede para a caçulinha. Brincamos os três primeiros dias apenas com as caixas de papelão.

    

No Jardim de Infância era Escravos de Jó, dança das cadeiras, massinha de modelar e blocos de construção.

    

E na rua a animação era constante, conforme a brincadeira que estava na época.

 

zero ou um; par ou ímpar; papel, pedra ou tesoura, cara ou coroa;

“mal-me-quer”, “bem-me-quer”,”mal-me-quer”, “bem-me-quer”,

pular amarelinha; corda; elástico;  

bater corrida; roda, pião;

carrinho; rico e pobre; 

bate mão; passa anel; berlinda; cama de gato;

pelada; linha de passe; roda de bobo;

pique esconde; pique cola; pique bandeira;

pega-pega; pique-salva; cabra-cega

pique-ajuda; pique-alto; gato-mia;

polícia e bandido; agente secreto; cinco marias:

Forte Apache; Lego; futebol de pregos;

futebol de botão; bolinha de gude;

carrinho de rolimã; bicicleta; patinete;

pipa; iô-iô; bate-bate;

finco; bafo; zarabatana;

colecionar figurinhas e trocar revistinhas;

pular carniça; gato-e-rato;

taco; bambolê; cadeirinha;

jogo do sério; forca; jogo da velha;

escada; peteca; do contra;

queimada; morto e vivo, assassino e detetive;

telefone sem fio, telefone de lata

estátua, batata-quente, adedonha;

e o chicotinho-queimado: Tá quente? Tá frio?

 

e a última antes de crescer

 

pera, uva, maçã ou salada mista?

 

Na boca-do-forno? Forno!!! O que seu Mestre mandar?  Faremos todos!!!!

 

ACABOU!!!!!

 

NÃO! Enganei um bobo na casca do ovo!

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

CREPÚSCULO

SIMBORA

Longos Dias Têm Cem anos. Era como uma desculpa para o preguiçoso inveterado que num século acha tempo para os seus planos e a combinação laboriosa do acaso que os acabe. É muito linda essa imagem de Agustina Bessa Luís, na obra em que biografou a artista plástica Vieira da Silva. Já falamos dela aqui e falaremos mais. Há sempre algo nela que combina com o nosso propósito de mantermos nutrida a nossa galáxia. Como o frade no seu horto, acordamos sempre a horas e retomamos a palavra que havíamos interrompido, anos antes.

Obrigada por estarem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe