Edição N. 35 - 06/03/2022
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Edição Geral: Tuty Osório

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo, Yvonne Miller, Elimar Pinheiro,

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Edição de Fotografia: Manuela Marques 

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

Música: Maurício Venâncio Pires, Alex Silva, Caio Magalhães, Manuela Marques

Vídeos: Deborah Coelho

 
ALVORADA

NAVEGAR, NAVEGAR

foto: Celso Oliveira

É preciso. E viver também. Temos tido dias difíceis mas fico pensando que é assim desde sempre. Dizia um amigo que respirar já é, em si, uma aventura. E é mesmo. Avalie amar, resistir, lutar, seguir, a despeito dos nãos que a gente leva na cara. E é incrível como a poesia acontece, nas ações mais corriqueiras. Por isso este Domingo à NOITE existe e resiste. Com muita intensidade, alegria, agregando gente, varando desafios, sem ligar para os tapas e abraçando, até a indiferença. É esse o espírito do COLETIVO que propagamos aqui com convicção e militância verdadeira. O individualismo fracassou, ficou cafona, não serve nem para retórica. Pode até acontecer solidão, mas está cada vez mais evidente que somos únicos e partes de um conjunto que se harmoniza. Tal qual um quebra cabeça de ínfimas pecinhas a virar a linda e imensa paisagem. Sejamos, pois, os artífices dessa construção. Juntos.   

 

Começa agora mais um Domingo à NOITE em 2022! 

RODA DE CONVERSA

Este espaço é para publicar os sentimentos e comentários dos leitores, colaboradores, apoiadores, de todos os cantos e a qualquer momento. Transformando essa conversa de domingo numa ampla roda de afetos, palpites e bordões. Mandem pra cá por email, pro whatsapp ou pro Instagram, como preferirem. Valeu!!!

 

“Quanta poesia!!!! Amei os textos! Todos muito bons em seus estilos. A escrita de Sarah mexe comigo. Toca  meu coração,   abrindo portas e janelas  antes não  percorridas. Tirando  das gavetas sentimentos ainda não  vasculhados, analisados,  ou pelo menos  ainda não  descrito tão detalhadamente. Traduzindo em palavras, e com maestria,  sentimentos comuns , de pessoas comuns,  que não herdaram esse maravilhoso dom da escrita. “

Jaqueline, Salvador

 

“Encontrei o Domingo à NOITE aumentado e renovado. Vou parar de ler no Phone. Passar para o laptop. Mas a beleza dos textos é a mesma. Não parem. Continuem com essa trupe maravilhosa.”

Elimar, Brasília

 

O BEM VIVER

AOS NOSSOS FILHOS

por Camilla Osório de Castro

foto: Celso Oliveira

Março de 2022. Estamos no terceiro mês do terceiro ano da Pandemia de Covid-19. A essa altura ela já é um dado de nossa realidade, faz parte de nosso cotidiano e de uma forma ou de outra vamos tocando a nossa vida com ela, apesar dela.

 

Eu vinha pensando sobre isso esses dias porque confesso que nunca imaginei que demoraria tanto.

 

Em dezembro de 2019, quando tudo começou, eu não me informava sobre epidemiologia como faço hoje, imagino que você também não. Quando falavam em durar um ano, pensávamos “ Mas quem é que vai aguentar?” Mais de meio milhão de mortos depois, estamos vendo que é necessário encontrar meios de aguentar e ir encontrando algum nível de normalidade. Mas aí entram alguns problemas.

 

Primeiro, que nível de normalidade é aceitável?  Na quinta-feira desta semana foram registrados 594 óbitos, um recuo de 46% em relação ao período anterior, confirmando a tendência de queda, segundo informações do G1. Em um país que já teve mais de 3 mil mortos por dia esses números geram alívio e esse alívio vem se refletindo em atitudes práticas de governantes relaxando as medidas de segurança.

 

No DF, por exemplo, já foi decretado o fim da obrigatoriedade de máscaras em locais abertos. São Paulo e Rio de Janeiro estudam adotar a mesma medida. O Ministério da Saúde, por sua vez, estuda uma mudança de nomenclatura “rebaixando” a Covid para um status de endemia.

 

Segundo Átila Iamarino, o especialista em virologia e divulgador científico que ficou famoso por explicar esse caos nos últimos dois anos e salvar do pânico total a esta que vos fala, as medidas citadas não possuem qualquer lastro no conhecimento científico disponível no momento.

 

Átila cita o exemplo da Dinamarca que possuía a situação realmente controlada e com um índice de vacinação em duas doses acima de 80% e ao eliminar medidas como uso de máscaras está vendo seus mortos subirem para o pior patamar desde o início da pandemia.

 

Com relação a nomenclatura de endemia, Átila alerta que essa classificação implica em uma previsibilidade que a Covid ainda não tem. Já Domingos Alves, cientista de dados e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, afirma que “A endemia se caracteriza quando o número de casos e de óbitos fica muito baixo por um período de mais de 2 meses, pelo menos”. Neste sentido voltamos aos números desta semana: 594 óbitos por dia é pouco?

 

Para efeito de comparação podemos verificar o número de óbitos por dengue, chicungunya e zika somadas no intervalo entre 2008 e 2019: 6429 segundo dados do Ministério da Saúde. Ou seja, três doenças endêmicas, porém consideradas graves, matam juntas e em mais de dez anos o que a Covid-19 no ritmo atual mata em pouco mais de dez dias.

 

Fica claro, portanto, que a postura de nossos governantes implica em uma desvalorização das vidas perdidas. Isso ocorre exatamente no momento em que a desigualdade vacinal está perfeitamente alinhada com as desigualdades de renda. Regiões mais pobres e pessoas mais pobres são menos vacinadas e morrem mais no Brasil. Enquanto o estado de São Paulo está em mais de 80% da população com pelo menos duas doses, no Acre esse percentual é de apenas 55%. Então tudo bem o número de mortes, não é mesmo?

 

A privatização do Carnaval revela algo semelhante. Proibiu-se o Carnaval de rua e aboliu-se o feriado. Deste modo, a população pobre estava disponível para trabalhar e se contaminar  nas festas privadas destinadas a quem pode pagar pelo luxo de descansar e festejar. Em Fortaleza o Bar Cultural Lions foi multado pela prefeitura por estar com Djs em uma praça pública e vendendo bebida barata enquanto o Giz Gastrobar funcionou normalmente.

 

A vida precisa continuar. A economia precisa funcionar. Mas ao custo de que e de quem? Que limites éticos estamos estabelecendo neste momento? Que preço pagarão os nossos filhos?

 

TRILHA

Aos Nossos Filhos, (música), por Elis Regina, de Ivan Lins e Vítor Martins, no Youtube Music

 

* Camilla Osório de Castro é cineasta e produtora cultural.  Pesquisa o Bem Viver. Mora no mundo, entre cidades. Acredita que sonho que se sonha junto é realidade.

CONTO

MARÇO CHEGOU

por Tuty Osório

foto: Celso Oliveira

-Mãe, podemos ir na livraria?

-Não filha. Não podemos. Estou cansada, ainda tem supermercado hoje, dirigi o dia todo.

– Tá bom, mãe.

-Prometo que outro dia a gente vem. Quer comprar laranja, laranja de verdade, para fazer suco?

-Quero!

-Precisamos de um liquidificador, filha.

-A gente pode dar uma olhada na Polishop, mãe.

-E tem Polishop nesse Shopping, filha?

– Não sei mas deve ter uma loja dessas que vende coisas tipo liquidificador.

-É mesmo, filha. A gente dá uma olhada.

– Então podemos passar na livraria depois?

-Affe, filha, eu já deixei claro que não é uma boa hoje e você propõe de novo! Vamos, pronto!

-Não mãe, não precisa. Você não está com vontade. A gente vai outro dia.

– Vai outro dia mas você fica insistindo para ir hoje…

– É porque eu tava com vontade de ver os livros. Você fica chateada de ir quando não é dia de comprar… Eu sei que é isso, mãe.

-Mas que coisa, filha!

– É mãe. Você adora livro e prefere ficar longe da livraria quando não dá pra levar…

– Para com isso! Não é isso! É porque estou cansada, filha.

– Não se preocupe, mãe. Eu te entendo. É um tópico em que sou mais madura que você, liga não…

– Menina!!!

HISTÓRIAS DE BIBLIOTECAS

OLHOS PARA VER

Por Lia Raposo

foto: Celso Oliveira

A Biblioteca levou a Oficina de Fotografia para o bairro do Barroso em Fortaleza e mostrou aos meninos e meninas novos horizontes. Depois foi embora com dor no coração.

 

Está mais do que provado que a arte salva. E como ofício traz a sobrevivência, mostra que há um mundo bem melhor que o tráfico, a pobreza, a violência.

 

A questão é qual a parte dessa máxima, exaustivamente comprovada, que os governos não entenderam. Os investimentos nessas oportunidades são pífios e só para constar.

 

Não garantem continuidade, não encaminham os adolescentes para o aprimoramento da sua capacitação. Que dirá para um estágio, um emprego no segmento da criatividade e da cultura.

 

Faz de conta que inclui. Mas a exclusão é real, não finge nem brinca em serviço. Esfola, mata e multiplica-se exponencialmente, até não restar mais ninguém a salvo dessa asfixia.

 

Vamos gritar em uníssono: INVISTAM EM ARTE! É como água e oxigênio. E não preocupem, pode ser lucrativo, sim!

 

*Lia Raposo dedica-se a Estudos da Cultura, é redatora de Projetos Culturais, Produtora de Conteúdo e jornalista. Tem 33 anos de muitas dúvidas, algumas certezas e esboços de ousadia. 

CRONICA

ÚLTIMA PALAVRA

por Sérgio Pires

Meu computador não tem senha. Portanto é só liga-lo que qualquer um poderá acessar todos os meus arquivos e verificar o caótico sistema que criei para dividir os assuntos do meu interesse.

     

Este eventual curioso encontrará os poucos textos que escrevi. Meus relatos de viagens, minhas colunas na Cariri Revista e todos os números da Folha da Goiaba, o jornalzinho que registra os encontros anuais de nossa família na Festa da Goiaba, na fazenda de São Pedro, onde meus avós se casaram e nasceram seus primeiros cinco de nove filhos, inclusive minha mãe.

    

Vasculhando bem será possível localizar alguns fragmentos de memória que, por motivos não muito bem compreendidos por mim mesmo, resolvi preservar.

   

Acredito que nesta pasta o meu amigo curioso (talvez uma filha), encontrará um arquivo chamado “querido”, com a última data de atualização da década passada.

   

Apesar de ter a certeza de que não seria necessário explicar já explico, “querido” não trata de bilhete recebido de uma “namorada” ou uma revelação do tipo “saída do armário”.

   

“Querido”. Esta palavra volta e meia surge em meio aos meus pensamentos e vem me acompanhando há muitos anos, já há mais de três décadas.

    

Fica adormecida num canto qualquer da memória e repentinamente aflora. Passando um filme na minha cabeça, em que revejo a cena como se fosse um espectador dela.

    

Desta vez, num cruzeiro, após uma soneca, entre os atos de levantar da cama e de colocar os pés no chão, lembrei desta página em branco, como se me chamasse a ajudá-la a cumprir sua missão. E iniciei seu preenchimento em minha memória imaginando como seria o texto para logo a registrar no meu Moleskine.

    

Peço desculpas por me alongar tanto, mas antes de tentar explicar todo o significado que adquiriu para mim esta palavra “querido”, preciso apresentar duas informações que considero relevantes.

    

Ambas as informações são a meu respeito. Não são desabonadoras, mas também não é o caso de serem ostentadas com orgulho.

    

A primeira informação é a de que não choro com facilidade. Minhas filhas podem testemunhar que nunca me viram chorar. Minha esposa, Bodas de Prata, talvez, não lembro. Terei de perguntar.

    

Não chorar é ruim. Mas se você está realmente com vontade de chorar, não chorar é péssimo. Agora, se você está quase que incontrolavelmente, desesperadamente, precisando chorar, uma necessidade vinda de dentro da sua alma, este condicionamento de lutar para não chorar é cruel.

    

Doem os ombros, pescoço, dói o peito. Surge uma raiva surda. As têmporas parecem estar sendo comprimidas. Seria tão mais fácil chorar. Mas uma voz interna, que me comanda, ressoa na minha cabeça: “ENGOLE ESTE CHORO!”. Não choro, mas já tive problemas no estômago e tenho vitiligo.

    

Sem lágrimas passo à segunda explicação necessária. Não acredito em Deus, Jeová, Buda, espírito, reencarnação, carma, Alá, orixás e outros não lembrados. Não sou ateu. Não procuro racionalizar a não existência deste Ser Superior. Considero que sou agnóstico.

   

Religião fornece um suporte, apoio, explicações. É uma tábua de salvação. Garantia de um eterno. De uma “vida” após a morte. De se ir para um lugar melhor após esta vida. De um anjo da guarda, de alguém lá em cima olhando por você. Pensando assim, eu estou sozinho.

   

Não acreditar e não chorar me trazem mais problemas que facilidades, mas tenho certeza que se me fosse dada a possibilidade de virar estas chaves e passar a chorar e a acreditar, não aceitaria. São meus defeitos, minhas dificuldades, que estão no alicerce da pessoa que hoje sou. Se chorasse e acreditasse, eu seria outro “eu”. Poderia até ser muito melhor, o que não me parece ser muito difícil, mas obrigado, não trocaria. Estou satisfeito com este pouco que consegui ser até agora. Mas aviso, ainda estou em construção, a obra não está encerrada.

   

Este preâmbulo é um exemplo de como, ao contrário do meu computador, minhas informações internas são muito difíceis de serem acessadas. Foi necessário que se transcorressem 30 anos para que eu processasse este assunto, o suficiente, para que conseguisse abrir este arquivo em público.

 

Acredito e aceito que muitos acharão esta informação uma bobagem. Admito, também acharia uma bobagem, se desconsiderasse a situação em que ocorreu e a carga de emoção que o momento veio a adquirir.

   

O que aconteceu? Minha mãe me chamou de querido.

   

Pronto! Esta era a informação que guardei selada pelos últimos anos e que agora gostaria de dividir com quem me lê.

 

Ia terminar esta confissão aqui, mas fiquei incomodado que o eventual leitor, que não conhecesse minha mãe, ficasse com a falsa impressão de que ela não era normalmente carinhosa e bem-humorada, e a lembrança se devesse ao inusitado.

   

Minha mãe era muito bem-humorada e carinhosa. Ela era a engraçada da família. Frequentemente chamava os filhos e netos de querida/o, até para não confundir os nomes que vivia trocando. Possuía uma enorme vontade de viver, se auto referia como sendo “uma mulher de ferro!”.

 

Foi uma mulher à frente de sua época, a quinta de sua cidade a obter carteira de motorista, conseguiu junto à prefeitura a criação de uma Escola Rural e sendo a sala de aula na casa da fazenda onde nasceu.

 

Para chegar aos seus alunos, desde sua casa em Campos até à sala de aula, na fazenda da Goiaba, boa parte do caminho era feito a cavalo, o que não era problema para a melhor amazona da família.

 

À luz de lampião leu incontáveis livros durante as noites que lá passou, apenas nos finais de semana retornava para Campos dos Goytacazes. Nesta escola ficou por 9 anos e saiu apenas para casar.

 

Indo morar no Rio de Janeiro logo começou a trabalhar no Ministério da Fazenda, onde permaneceu até se aposentar, e, para horror de muitas vizinhas, deixava Serginho, seu garotinho, em uma creche. Era uma mulher prafrentex.

 

Então, retornando, qual a importância que teria este “querido” em especial?

   

A situação e o momento.

 

A SITUAÇÃO:

 No dia 2 de dezembro de 1991, quatro meses antes de, em 8 de março, completar 70 anos (número não muito feliz para ela), passando uma temporada em seu apartamento em Ipanema, no Rio de Janeiro, após longos dias com uma terrível dor de cabeça, teve cinco aneurismas no cérebro, sendo que um deles se rompeu deixando-a em coma.

   

A equipe médica, composta por excelentes profissionais e chefiada pelo melhor neurocirurgião do país não nos apresentou um quadro otimista.

   

Após uma semana neste coma, recuperou a consciência, foi para um apartamento, e nos inflou de esperança. Estava autorizada a breves conversas, que ela estendia ao limite de suas forças, por considerar, acredito, sua oportunidade de se despedir.

 

O MOMENTO:

   

Entrei no quarto. Mamãe dormia. Uma enfermeira a velava. Sentei numa poltrona na vigília que revezava com meu pai, minha esposa e irmãos. Não sei quanto tempo. Não sei se breve ou longo. Minha mãe despertou. Fui em sua direção. Ela sorriu debilmente e com uma voz fraquinha sussurrou: “Querido”.

 

Acho que o “querido” simbolizou o que ela não teve tempo ou força de dizer, pode ter ser sido: “que bom que você está aqui”; “eu te amo meu filho querido”; “vou ficar boa e voltar para casa”; “você me faz muito feliz”; “meu querido, eu estou bem”; “querido, fique aqui comigo”; “querido, eu estou com medo” e muitas outras coisas que a gente nunca saberá. O fato é que ela ficou feliz com a minha presença e se expressou somente com uma palavra.

  

Sem saber o que responder só disse: “Você precisa descansar.”

   

Não sei o que ela entendeu. Voltou ao coma e nunca mais despertou. Morreu em 18 de janeiro de 1992, 47 dias após o AVC.

   

Quis o destino que sua última palavra fosse dirigida para mim, nada seria diferente se fossem meus irmãos, meu pai ou minha esposa, no momento da vigília, seria o mesmo carinho. 

  

Talvez minha fé seja nas pessoas.

  

O meu pranto se desfaça em palavras.

  

Estou estreando em evidenciar meus sentimentos e imperfeições.

  

Tenho bebido meus vinhos mais caros.

  

Acredito que estou tomando consciência da minha própria mortalidade.

 

(em 08/03/2021)

RITOS

QUALQUER LUGAR QUE SE ILUMINA

Por Sarah Coelho*

Eu não soube responder de pronto. Uma amiga, para quem eu mostrei essa foto, perguntou qual era o motivo de eu estar tão feliz. A resposta não foi automática. Fiquei reflexiva ao me observar assim, risonha.

 

Eu amo o meu trabalho, mas também é verdade que existem dias de dúvida, bloqueio e desgaste. Estou sempre ocupada aos finais de semana, atenta a mil detalhes e buscando jeitos de fazer mais e melhor. Então, não assumo para mim a máxima que diz que quando a gente gosta não é trabalho. É, sim! Pelo menos por aqui, tem foco, concentração, palavras minuciosas checadas incansavelmente, horários a serem cumpridos e planilhas também.

 

Mas, tenho certeza, sou muito, muito privilegiada.

 

Explico: a vida não é fácil, e as histórias das famílias, muitas vezes, são cheias de episódios duros e dolorosos. Mas não nos dias em que eu faço parte. Nos dias em que estou ali, há lágrimas de alegria, gargalhadas altas e olhares orgulhosos. Saio sempre com dor nas costas (por tentar manter a postura e falhar miseravelmente, rs), mas a alma sempre pronta pra dançar!

 

Sim, é trabalho, mas é também meu ritual sagrado: coragem, querido coração, estar vivo vale a pena!

 

*Jornalista, produtora de eventos, celebrante, sonhadora e realizadora de sonhos, Sarah Coelho tem 32 anos de muita determinação e romantismo.

O BLOCO DO SÓ NÓS DOIS

Por Tuty Osório

Domingo passado recebo a foto e o convite para a alegria. Os amigos Leda e Ignácio pulando carnaval num baile exclusivo, só deles. A alegria sagrada do carnaval celebrada em segurança, com o desprendimento de quem sabe das coisas que realmente importam.

 

Pergunto se a festa é virtual respondem que sim, por telepatia. Os dois juntos, fantasiados e dançantes, fazem a festa arrombar. São brincantes do Maracatu e todos os anos, antes da Pandemia, saíam em mais que uma agremiação, cultivando essa tradição tão linda deste lado do Brasil.

 

Leda compartilha comigo sua leitura de mundo e me diz que com muito prazer festeja com seu companheiro, seu amor, a sua eterna festa. Sente-se abençoada e grata pela vida e pelos seus.

 

Aí é estrela, luar, magia!

DENTRO E FORA

Este espaço é para tratar de psicologia, psicanálise, psiquiatria, enfim, das reflexões e formas que dizem respeito à Saúde Mental. De quem pratica, ensina, vivencia.

Desenho por Lisiane Forte (@lisianeforte), música de seu companheiro Miguel Cordeiro, multiartista

APOIO ECOLOGIA
REPORTÁGEM ENSAIO

ARTEIROS EMPRESÁRIOS

Miguel Boaventura

foto: Celso Oliveira

Coisa que me irrita, já repararam que há muita coisa, é a insistência do mundo da economia em ignorar a arte e a cultura, como segmentos geradores de emprego e renda, tão importantes quanto as Montadoras de carros, as Processadoras de Alimentos e a que se passou a chamar de indústria, a Construção Civil.

 

É claro que é muito importante construir. Os edifícios abrigam pessoas para morar, trabalhar, divertir-se, cuidar da saúde e outras obviedades mais. Não é compreensível, porém, que se desconheça a importância dos livros, do cinema, do teatro, das artes visuais, enfim, de um vasto universo de atividades que ocupariam produtivamente muita gente se houvesse um investimento mínimo.

 

Um longa metragem emprega, no mínimo, 300 pessoas numa empreitada modesta. Desde eletricistas, pessoal de apoio, a técnicos das mais diversas funções, da criação à distribuição. Um curta mobiliza, por baixo, 20, sobrecarregando cada um com múltiplas tarefas e mutas vezes tendo que optar pela parceria e pelo voluntariado.

 

Não existem linhas de crédito para a arte. Há os editais que, sem desqualificar a sua importância contemplam poucas pessoas com verbas ínfimas, na maioria absoluta das vezes não cobrindo 1/10 dos custos de um projeto. Além da burocracia que sobrecarrega os participantes e a equipe responsável pelas avaliações e controles.

 

Mesmo assim há que aplaudir o poder público que contempla as artes e a inciativa privada que participa das leis de incentivo.

 

Há muito o que rever nos investimentos em cultura. Noticiou-se amplamente o crescimento da economia do Ceará em 2021 com suporte na indústria e nos serviços.

O que é louvável e evidencia, mais ainda, a timidez dos investimentos no audiovisual, por exemplo – setor que desde a década de 90 foi apontado como de vocação do estado, pelas condições de luz natural e envolve indústria, serviços, comércio, até ongs e instituições de pesquisa científica.   

 

Causa tristeza o desprezo com que as artes são tratadas. Havendo investimento real, incluiriam boa parte da população à margem das oportunidades de trabalho, com funções que gratificam por sua íntima relação com a criatividade e a estética.

 

E há a arte, digamos, aplicada, que se espalha por outros setores – arquitetura, moda, gastronomia, para citar apenas os exemplos mais evidentes.

 

Faço aqui, pois, um apelo aos governantes, empresários e aos artistas. Vamos olhar a arte sob a ótica da essencialidade e das maravilhas que pode fazer pela sobrevivência, pela educação, saúde e inclusão social.

 

*Com dupla residência entre Lisboa e Brasília, Miguel Boaventura é arquiteto urbanista e escreve por vocação e obrigação. Pessimista por consciência, luta para resgatar a esperança, a cada indignação.

SABEDORIAS E SAPIÊNCIAS

QUEM FICOU NO PENSAMENTO VOOU

por Alim Amina

Mila Marques viajou pra Portugal. Tem assuntos importantes pra resolver e aproveita para estar com os afetos e nutrir-se das raízes, lembranças, origens.

 

A Mila não é nostálgica. Mas na nossa idade sabemos como é reconfortante nos revermos nos amigos, nos parentes, nos lugares da infância e da juventude.

Ela escreve-me pelo whatsapp e envia fotos das comidas revisitadas, da vista da janela da amiga e nossa colega de colégio, Maria Inês, de um por do sol na cidade do Porto, onde nasceu, das fotos das flores colocadas especialmente para ela.

 

Fico muito emocionada e feliz por ela. Somos muitas pessoas numa só. Variando os momentos, não há uma só em nós. É doce poder reviver e viver, ao mesmo tempo.

 

Está frio lá fora, Mila, mas tenho certeza que teu coração está aquecido.

 

*Alim Amina, tem 81 anos, é professora formada mas nunca exerceu. Cearense, estudou em Portugal na adolescência e foi colega de colégio de Mila Marques. Reencontraram-se em Fortaleza, na década de 70, e retomaram a amizade até hoje. Dividem o espaço da Sabedoria dos domingos.

CURADORIA

A Traição dos Elegantes

Uma leitura da crítica social em Rubem Braga

Por Ana Karla Dubiela

 

O livro é uma elegia à crônica, gênero lindamente trabalhado por Rubem Braga e trazido por Ana Karla com muita informação, reflexão e beleza. Com apresentação de Afonso Romano de Sant’Ana, a beleza de texto transporta-nos para o eterno Rio de Janeiro, contado a partir de suas ruas, bondes, luzes verdes e azuis. Sant’Ana também está presente numa incrível entrevista na qual ele e Dubiela evidenciam todas as qualidades dessa escrita sempre atualizada – a crônica que conta a história, com bordados ou sem. Não percam!

TRILHA

@dubiellaana no Instagram

BACHIANAS E COMPANHIA

COMPANHIA PRECIOSA

por Francisco Bento

foto: Celso Oliveira

A maravilhosa editora do SENAC tem em seu catálogo títulos variados sobre gastronomia – receitas, técnicas, história e histórias. Tenho por hábito garimpar nas livrarias, por onde ando. Na Pandemia ficamos privados desse esporte tão delicioso e muitas delas fecharam as portas porque viviam desse trânsito de viciados em papel. Não conseguiram implantar o comércio eletrônico com agilidade.

 

Antes que comece a derivar, vamos ao ponto.

 

De passagem por Fortaleza onde fui conhecer o projeto da Escola Pública de Gastronomia, parei para tomar um café com creme na Cafeteria do SENAC e perdi-me algumas horas nas estantes de livros, convenientemente instaladas ao lado das mesinhas de lanche.

 

Foi aí que me deparei com O vinho e suas circunstâncias, um compêndio de deliciosos relatos do especialista Sérgio de Paula Santos, lançado em 2001 e em terceira edição de 2009. Recomendo para relaxar, rir, aprender e querer saber mais.

Interessante constatar que muitas das circunstâncias já mudaram muito nos mais de 20 anos da primeira escrita e nos 13 do último lançamento revisado. O que torna a obra mais histórica, ainda, por nos trazer casos muito antigos e expressar o espírito da época em que foi produzida.

 

O estilo de Sérgio de Paula Santos é levemente rebuscado, lembrando as cartas de meu avô, o que confere mais uma pitada de interesse à leitura.

 

Passei algumas horas envolvido na espreguiçadeira da piscina do hotel, tomando uma caipirinha divina, acompanhada de um camarão crocante dourado.

 

Poderia ter sido um vinho branco, mas estava mais na onda da limonada temperada pela danada.       

 

* Francisco Bento mora em Santa Teresa, Rio de Janeiro, curtindo o repouso do boêmio, após ter sido empresário da noite, dono de restaurante, crítico de gastronomia e bem vivente. Apaixonado por história, pesquisa e relembra os bons momentos de cores e sabores.

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

APOIO SUSTENTABILIDADE
HISTÓRIAS DE STERI 10

EXTINTOR

Por Brigitte Bordalo*

Muita gente da geração nascida entre 1950 e 1970 fumou muito e já parou.

 

Persistem alguns, contumazes ou esporádicos. Sob os protestos dos filhos, dos alérgicos e até dos pets, confinam-se esses eventuais às varandas dos apartamentos, que mesmo assim não livram a casa do terrível cheiro de cigarro.

 

Foi numa dessas que após tentar estratégias diversas a amiga Kátia tacou STERI 10 e eis que sumiu o rastro da fumaça, poupando-a dos pitos da família e prevenindo a deselegância de expor algum convidado surgido antes de dar tempo do cheiro se dissipar.

 

Como estou obcecada pelas histórias do STERI, Kátia apressou-se em ligar e me presentear com mais esta! STERI também espanta o desagradável odor do cigarro, junto com a culpa do fumante em recaída.

 

*Brigitte é microempresária da gastronomia e da cultura.

CREPÚSCULO

COMO UM ABRAÇO

A moça da farmácia interessou-se pelo destino do remédio que fui comprar com resistência. Confio no médico em causa e obedeço. Quem me conhece sabe que sou rebelde com remédios, levando a resistência ao exagero. É quase uma competição. E desta vez senti que perdi. Fiquei o que se chama de arrasada. Mas enfim. A gentileza da moça resgatou-me da tristeza. Estudante de farmácia sabe mais que o básico e tem a sensibilidade dos generosos. Falou, ouviu e o troco foi em alegria, atenção, acolhimento. São esses momentos que fazem os minutos seguintes valerem a pena.

 

Obrigada por estarem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe

 

APOIO LUXUOSO

Em breve, bistrô saltimbanco