Edição N. 36 - 13/03/2022
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Edição Geral: Tuty Osório

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo, Yvonne Miller, Elimar Pinheiro,

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Edição de Fotografia: Manuela Marques 

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

Música: Maurício Venâncio Pires, Alex Silva, Caio Magalhães, Manuela Marques

Vídeos: Deborah Coelho

 
ALVORADA

SABER POR APRENDER OU O INVERSO

foto: Divulgação

Diz Lori, em UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES ( por Clarice Lispector): E era bom. Não entender era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. Mas não entender não tinha fronteiras e levava ao infinito, ao Deus. Não era um não entender como um simples espírito. O bom era ter uma inteligência e não entender. Era uma benção estranha como a de ter loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas do intelecto. Uma doçura de estupidez.

Mas de vez em quando vinha a inquietação insuportável: queria entender o bastante para pelo menos ter mais consciência daquilo que ela não entendia. Embora no fundo não quisesse compreender. Sabia que aquilo era impossível e todas as vezes que pensara que se compreendera era por ter compreendido errado. Compreender era sempre um erro – preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não entender. Era ruim mas pelo menos se sabia que se estava em plena condição humana. No entanto às vezes adivinhava. Eram manchas cósmicas que substituíam entender. 

 

Começa agora mais um Domingo à NOITE em 2022! 

LAREIRAS MÁGICAS

É O FIM MAS TAMBÉM PODE SER O COMEÇO

por Camilla Osório de Castro

O primeiro episódio da série “ O Cristal Encantado: a era da resistência” (2019) uma produção Netflix dirigida por Louis Leterrier, apresenta-nos o início da jornada de três personagens: Deet, Brea e Ryan. Eles vivem em Thra, uma terra mágica cuja energia é vinculada a um cristal encantado que há muito tempo caiu nas mãos dos Skeksis, seres vindos de outro planeta que sugam o poder do cristal ao mesmo tempo que dominam ideologicamente os Gelflings, a espécie a qual pertencem nossos protagonistas, fazendo-lhes acreditar que são inferiores, devem sua vida aos Skeksis e que portanto precisam servi-los. O episódio é denominado “ Fim. Começo. Uma única coisa” e apresenta essa visão de mundo cíclica e metafórica presente na história e em sua moralidade.

 

A série compõe o universo do filme “ O cristal encantado”, de 1982, dirigido por Jim Henson e Frank Oz e traz acontecimentos que ocorreram anteriormente a linha narrativa do filme. “O cristal encantado” foi um marco importante no cinema de fantasia por utilizar somente bonecos e criaturas animatrônicas para criar sua narrativa, o que é mantido pela série de 2019, utilizando também, e impecavelmente, a computação gráfica.

 

Assim como no filme de 1982, o design de personagens é assinado por Brian Froud, que também foi responsável por “Labirinto”, do mesmo diretor. Froud é ilustrador e possui uma série de livros sobre fadas, com ilustrações impressionantes. O interessante é que ele afirma ver as fadas e reproduzir em seus livros as imagens e histórias que elas lhe confidenciam. Este aspecto é digno de nota porque Thra é uma terra mágica habitada por elfos, ogros, plantas carnívoras e aranhas gigantes e os segredos soprados pelas fadas nos ouvidos de Brian Froud certamente contribuíram para o resultado visual desta obra que possui um equilíbrio refinado entre o encantamento e o grotesco.

 

Estes dois pontos estão presentes em todos os aspectos e vão modulando a relação dos protagonistas com seu universo. Deet, Brea e Ryan descobrem no primeiro episódio que os Skeksis, senhores do cristal, que geram encantamento e paixão nos Gelflings são, na verdade, seus inimigos, que estão usurpando sua terra e que são grotescos. A partir de então cada um precisará sair de sua zona de conforto para conseguir aliados em sua rebelião. Brea é uma princesa e precisa abrir mão de seus privilégios quando percebe que se o seu povo não é livre ela também não é; Ryan é um guarda do palácio dos Skeksis e ao perder uma pessoa que ele amava, se vê impelido a abrir mão de sua posição de poder e estabilidade para impedir mais mortes; Deet vive no subterrâneo e em comunhão com a natureza e precisa enfrentar o mundo lá em cima onde ela é tratada com racismo. A cena que fecha o primeiro episódio mostra Deet saindo da caverna e sendo momentaneamente cegada pelo excesso de luz, uma referência clara ao mito da caverna de Platão e que resume o sentido de sua jornada: enfrentar a dor e o desconforto da mudança em nome de adquirir conhecimento, libertar-se e ampliar as fronteiras do seu mundo.

 

Por fim, esta narrativa, suas metáforas e suas proposições vêm muito bem a calhar em tempos sombrios e contraditórios como os nossos. Nossa realidade, assim como a de Thra, tem sido encantadora e grotesca, fascinante e assustadora. Estamos em uma encruzilhada. Os Gelfligns vivem um domínio colonial por parte dos Skeksis, que vieram de longe para roubar-lhes a energia. Thra está morrendo e adoecendo, o mundo ao redor desses seres que são pequenos e frágeis em relação aos seus opressores está desmoronando sobre suas cabeças. Mas aí reside a potencialidade da libertação. Para a filosofia, o caos pode ser o equilíbrio da ordem já que a segunda apresenta uma sequência pré-definida enquanto que o primeiro abre as possibilidades. “O cristal encantado: a era da resistência” conta uma história sobre o caos e o fim. Mas o fim pode também ser o começo.

 

* Camilla Osório de Castro é cineasta e produtora cultural.  Pesquisa o Bem Viver. Mora no mundo, entre cidades. Acredita que sonho que se sonha junto é realidade.

 
CONTO

QUEM MANDA, AFINAL?

por Tuty Osório

foto: Manuela Marques

-Mãe…

-Você a única pessoa legal…

-Não filhinha, sou não. Tem muita gente legal nesse mundo…

-Mas mãe, você é a melhor mamãe…

-Bom, aí tudo bem. Melhor mesmo que seja porque eu me esforço, viu? 

-Eu sei, mamãe. 

-Só que não acho bom, assim, tem outras pessoas, quer dizer, eu acho muito lindo ouvir isso, mas é melhor ter mais referências, entende?

-Entendo mamãe. Mas você vive dizendo que é importante a gente ter consciência do nosso inconsciente que é para o inconsciente não ficar mandando na gente, alucinadamente…

– E o que é que tem a ver, filha?

-Tudo, né mãe? Estou expressando um sentimento. Você vive dizendo que é para acolher, e tals…

– Nossa, estou começando a achar, de verdade, que eu falo demais…

PORÉM, JÁ NASCEMOS LIVRES

por Manuela Marques

foto: Manuela Marques

Gatos são estigmatizados – cá entre nós.
Eu, não tão obviamente, sou um gato malhado. Conheço Fortaleza como a palma da minha pata, e tenho um histórico extenso como Gato Gatuno.

Nesse dia, minha aventura começava com o nascimento de uma ninhada de gatinhos, meus gatinhos. A mãe, uma gata escaminha, cujos bigodes já viram dias melhores. Pois, a gata veio me cobrar uma pensão alimentícia para os gatinhos, e eu, claro, havia de arrumar algum jeito de conseguir esta contribuição, mesmo que isso significasse confirmar o estigma que envolve a minha espécie.

O alvo: uma sacola média de bens comestíveis, decente para alguns dias até os filhotes desmamarem. Estrategicamente, me posicionei para a operação, e capturei a sacola. No final do dia, com todos alimentados, recolhi-me.

Porém, interrompendo meu precioso descanso, agarrou-me pelo cangote um humano-polícia.

– É ele, policial! – exclamou uma velha que o acompanhava – este é o gato que roubou minhas compras.

Por fim, fui apreendido, depois solto – provavelmente por falta de provas – e agora vou estabelecer um novo estigma: nós gatos, odiamos policiais.

 

*Manuela Marques é artista visual, designer e estudante. Estuda no ensino médio, estuda corte e costura, estuda desenho e pintura. É autora do Projeto Gráfico do Domingo à NOITE, Editora de Arte do Domingo à NOITE e autora das TIRINHAS da CABULOSA. Leitora voraz, apaixonada por filmes, séries e jogos, aos 17 anos sabe viver indoor e outdoor. Angústias, claro. E também muitas risadas

MÚSICA

SUMMER WINE

por Nancy Sinatra

(Nancy):
Strawberries cherries and an angel’s kiss in spring
My summer wine is really made from all these things

(Lee):
I walked in town on silver spurs that jingled to
A song that I had only sang to just a few
She saw my silver spurs and said lets pass some time
And I will give to you summer wine
Ohh-oh-oh summer wine

(Nancy):
Strawberries cherries and an angel’s kiss in spring
My summer wine is really made from all these things
Take off your silver spurs and help me pass the time
And I will give to you summer wine
Ohhh-oh summer wine

(Lee):
My eyes grew heavy and my lips they could not speak
I tried to get up but I couldn’t find my feet
She reassured me with an unfamiliar line
And then she gave to me more summer wine
Ohh-oh-oh summer wine

(Nancy):
Strawberries cherries and an angel’s kiss in spring
My summer wine is really made from all these things
Take off your silver spurs and help me pass the time
And I will give to you summer wine
Mmm-mm summer wine

(Lee):
When I woke up the sun was shining in my eyes
My silver spurs were gone my head felt twice its size
She took my silver spurs a dollar and a dime
And left me cravin’ for more summer wine
Ohh-oh-oh summer wine

(Nancy):
Strawberries cherries and an angel’s kiss in spring
My summer wine is really made from all these things
Take off your silver spurs and help me pass the time
And I will give to you summer wine
Mmm-mm summer wine

(Nancy):
Morangos, cerejas e o beijo de um anjo na primavera
Meu vinho de verão é realmente feito de todas essas coisas

(Lee):
Eu andei pela cidade com esporas prateadas que tiniam para
Uma música que eu só tinha cantado para alguns
Ela viu minhas esporas prateadas e disse, vamos passar um tempo
E eu te darei vinho de verão
Ohh-oh-oh vinho de verão

(Nancy):
Morangos, cerejas e o beijo de um anjo na primavera
Meu vinho de verão é realmente feito de todas essas coisas
Tire suas esporas prateadas e ajude-me passar o tempo
E eu te darei vinho de verão
Ohhh-oh vinho de verão

(Lee):
Meus olhos ficaram pesados e meus lábios não podiam falar
Eu tentei levantar, mas não pude sentir meus pés
Ela me tranquilizou com uma explicação estranha
E então ela me deu mais vinho de verão
Ohh-oh-oh vinho de verão

(Nancy):
Morangos, cerejas e o beijo de um anjo na primavera
Meu vinho de verão é realmente feito de todas essas coisas
Tire suas esporas prateadas e ajude-me passar o tempo
E eu te darei vinho de verão
Mmm-mm vinho de verão

(Lee):
Quando acordei o sol estava brilhando em meus olhos
Minhas esporas de prata tinham sumido, minha cabeça parecia ter o dobro do tamanho
Ela pegou minhas esporas de prata, um dólar e uma moeda
E me deixou suplicando por mais vinho de verão,
Ohh-oh-oh vinho de verão

(Nancy):
Morangos, cerejas e o beijo de um anjo na primavera
Meu vinho de verão é realmente feito de todas essas coisas
Tire suas esporas prateadas e ajude-me passar o tempo
E eu te darei vinho de verão
Mmm-mm vinho de verão

Letra e tradução via https://www.letras.mus.br

HISTÓRIAS DE BIBLIOTECAS

OS AMIGOS LEAIS

por Tuty Osório

Ensaio fotográfico: Sofia Osório

Os livros sempre fizeram parte do meu campo de visão. Meu pai não era um intelectual, nem minha mãe o é. Contudo, a leitura sempre foi normal em nossa casa e os livros eram, e são, objetos indispensáveis, integrados aos ambientes, no meu caso arrumam-se até pelo chão formando eles próprios, estantes quando empilhados.

Com minha mãe aprendi o prazer da leitura. Eu pequena, sobre uma manta e rodeada de brinquedos, assistia ao deleite que era para ela varar um romance. Meu pai era fascinado pelo livro como objeto, quase uma entidade. Assim, escolhia encadernações luxuosas, com letras douradas, em pano e couro. 

Ainda em vida, espalhou os livros pelos filhos e netas. Parte doamos a particulares e à Sociedade Beneficiente Portuguesa, por nós chamada de Clube Português, onde ocuparão uma sala com o seu nome. ABEL BOAVENTURA OSÓRIO DE CASTRO. Aqueles que nos foi possível separar. Outra parte abrigamos, estando o maior acervo na casa de meu irmão.

É doce e triste topar de vez em quando com um clássico dos preferidos de meu pai. Autores portugueses do século XIX e início do XX, poesia, prosa, ensaio. Seu gênero preferido eram as grandes narrativas da História, a Genealogia, a Heráldica e as Enciclopédias. Gostava de coletâneas, dicionários, almanaques. Cultivava a memória e a importância do esquecimento, quando necessário. 

A Biblioteca de meu pai foi acumulada sem critério, conforme o gosto e a oportunidade. E desse jeito preservou preciosidades. Não pela quantidade. Sim pelas curiosidades, retratos de diferentes épocas, o carimbo da livraria de 1949. Ou o seu apontamento, a caneta. 

Definiu o seu caso de amor num depoimento à neta cineasta, Camilla, mas que se destinava a todas as netas – tem jornalista, psicóloga, artista visual, escritora – todas apaixonadas pelos livros. 

Deixo uma sugestão para os domingueiros que nos acompanham: formem bibliotecas, por menores que sejam, para que seus netos as queiram e as levem, mesmo fracionadas. Como sentia meu pai, os livros não nos traem, estão sempre lá, à nossa espera. Mudamos nós e eles, os livros, acolhem-nos mudados, mostram-nos quem somos, novos ou velhos. 

POR AMOR ÀS CIDADES -

AMOR APRENDIDO

por Sérgio Pires

Parque Olhos d'Água, via Agência Brasília

Minha família chegou em Brasília em 1972, 27 de fevereiro, viajamos de Galáxie, a Jacuzzi das estradas, minha mãe e meu irmão caçula vieram de avião. 

 

No caminho longo, de retas intermináveis, após um trecho de 200 quilômetros sem uma única construção, avistamos finalmente o primeiro grupo de casas dentro desta região do Cerrado. Paramos para abastecer, beber, esticar e pipizar, batendo pernas daqui para ali, fomos atraídos por uns frutos amarelos de cheiro gostoso. Os garotos que vendiam nos ensinaram que era pequi. Compramos um saquinho cheio, reiniciamos a viagem e fomos elogiando aquele cheirinho tão gostoso que não conhecíamos. Logo já não era mais um cheirinho e nem era tão gostoso assim, em alguns minutos ficou tão forte e enjoativo que jogamos tudo pela janela, estávamos tendo nosso batizado para a nova vida no Planalto Central.

 

Chegamos na cidade pelo Eixinho Leste, descemos na primeira rua que encontramos e entramos na SQS 416, ficamos rodando lá por dentro, olhando os blocos, achando tudo igual,  e reclamando que não havia nenhuma placa indicando onde ficava o centro da cidade. Nosso destino inicial era a SQS 302, onde residiam meus tios que nos hospedariam.

 

No começo, os primeiros 6 meses, nós éramos cariocas exilados, nada aqui se comparava ao Rio, tudo lá era superior e a mais do que aqui, menos a poeira. O barro vermelho, que nos perseguia pela ruas em redemoinhos, era uma constante na cidade ainda com diversas superquadras por construir e sem gramado nas áreas verdes. 

 

Nem sair nós queríamos, nosso negócio era ficar emburrado dentro de casa ou gozando o pessoal da terra. Também eles davam motivo, a inauguração do Supermercado Jumbo do Conjunto Nacional foi festa black-tie com presença em todas as colunas sociais. A garotada fez a farra, todo mundo foi de sapato velho e lá trocava por um novo, seção de roupas:  vestiam um casaco,  na de doces enchiam os bolsos de balas e chocolates, e assim foram várias inaugurações naquele início de cidade.

 

Meu irmão e eu, já secundaristas, fomos para o Pré-Universitário, colégio de propostas novas, liberdade, telefone dando sopa, declarações do tipo: – Nós confiamos em vocês. Todos os alunos tinham família em outro estado, no final do primeiro mês entra o Diretor na sala, sobe em uma cadeira e abre uma conta de telefone que vai até o chão e ainda sai rolando. Nova declaração: – Nós não confiamos mais em vocês.            

      

A partir do segundo semestre descobrimos os point, afinal fiz 18 anos, festa no falecido Arabeske com direito a cerveja, coisa de adulto. Ganhei um carro, um fusquinha 68, com chão solar, devido ao buraco no piso do carro, a sola do sapato ia até o asfalto. 

 

Os point principais eram o Gilberto Salomão e Beirute (parece que ainda são) e a sorveteria Kibon na SQS 302, a ferveção da época. O pessoal elegia um lugar e só dava aquilo, o point anterior virava cinzas, a Kibon já era, o negócio agora era o Chaplin lá no Karin. Tomar batida de todos os sabores, até de capim, no SóKana, na SQS 110. Na madrugada um filé à Parmeggianna no Roma. Sábados na boate do Iate, local das paqueras e das grandes brigas com os seguranças.

 

No Gilberto rolava um clima de Woodstock, onde tomei um fogo de cerveja com um amigo porque cismamos que tínhamos de fazer uma fila de garrafas do tamanho da largura da mesa, quando conseguimos resolvemos fazer uma outra fila. Numa destas noites, a polícia federal fechou o bar para nunca mais abrir. As boates Kako e Shalako, depois uma se tornou a Hyppos e a outra um bar mexicano.  

 

No ano II, UNB, concurso e posse no BB, primeiros ordenados, tudo gasto em jantares e roupas, depois um fusca zerado e mais prestações e dívidas (enfim, uma vida normal), mas aí eu já adorava Brasília.

 

* Aposentado como bancário e praticante de karatê e Sommelier na ativa, integrante da ABS-DF, Sérgio Pires é escritor e desenhista, poeta da prosa e exímio contador de histórias. Mora em Brasília com Lili, sua companheira linda e maravilhosa, aposentada da Embrapa, cozinheira, apaixonada pela alegria.

APOIO ECOLOGIA
REPORTÁGEM ENSAIO

O MAR TERÁ RAZÃO

Miguel Boaventura

foto: Celso Oliveira

Roberto Maciel, em sua coluna (link na trilha), recorda-nos as raízes marinhas, a labuta dos pescadores e a iniciativa oficial de preservação de algumas regiões litorâneas do Ceará. Tuty Osório destaca a menção e pede-me que escreva a respeito. Não posso deixar de pensar em como as vocações tradicionais dos pequenos lugares vão sendo abandonadas e o tráfico avança, sem combate. Há 12 anos ouvimos queixas da ameaça, nas pequenas comunidades. 

Hoje é uma realidade assimilada, uns acomodados, outros indignados.

Desde sempre não vemos uma só política pública, de fato, que resgate as atividades tradicionais – pesca, lavoura familiar, artesanato como atividade econômica subsidiada e incentivada. Há esboços, programas pontuais, muito discurso. Tal qual a arte e a cultura, esses saberes não são levados a sério. Lamentável. Muita verba para empreendimentos gigantes, não necessariamente geradores de emprego e, certamente, concentradores de renda.

Aqui, mais uma vez, um apelo às lideranças que ocupam e ocuparão o poder público. 

Promovam pactos, alianças, sintonias, em torno dos pequenos. A partir de conteúdos para os quais estão naturalmente e culturalmente capacitados. Não é moral que um pescador alugue seu barco para passeios turísticos, fugindo das garras das grandes indústrias pesqueiras, como modo de garantir o alimento para a sua família.

Muitos pescadores financiados, apoiados, podem levar a uma pesca sustentável, geradora de renda direta, garantida a distribuição sem atravessadores por parte do poder público. 

É capitalismo do mesmo jeito, só que contemplando mais gente, redistribuindo autonomia e dignidade. Não é o ideal. É o que temos e dá para implantar no curto prazo.

 

TRILHA

Coluna de Roberto Maciel

*Com dupla residência entre Lisboa e Brasília, Miguel Boaventura é arquiteto urbanista e escreve por vocação e obrigação. Pessimista por consciência, luta para resgatar a esperança, a cada indignação.

SABEDORIAS E SAPIÊNCIAS

MEMÓRIA DE MEL E FEL

por Alim Amina

Dizem que é bom para os velhos lembrar, recordar, contar histórias do passado. Que é terapeutico e saudável. Já acreditei muito nisso. No presente tenho as minhas dúvidas. Ao menos quanto ao modo de lembrar. Fico mais ligada no dia de hoje, nada de ontens nem de amanhãs. Não é frase feita de autoajuda. Pragmaticamente, fora os nomes, as senhas, os fatos históricos e as orações, não tenho visto vantagem em lembrar dos acontecimentos vividos. 

É como digo. depende do modo de lembrar. Se for para contar uma história bonita ou divertida, vale. Ou para chorar sozinha uma saudade. Esse aperto de choro é equivalente ao prazer que sentimos numa coceira, que nos fere ao mesmo tempo. Mesmo assim coçamos, acolhendo aquele bem estar fugidio, sabendo que vai doer, logo em seguida.

Não quero cair no esquecimento da demência nem do tempo que nos isola. Por outro lado sinto as novidades mais coloridas que as passagens esmaecidas de uma juventude que não voltará mais. Olho para os jovens à minha volta e gosto do seu vestir leve, dos cabelos desalinhados, da pressa de viver para não escassear minuto pra dar risada.

Vejam, não é conclusivo. É dúvida mesmo. Antigamente éramos cobradas de certezas. Hoje há espaço para duvidar até da gente. Sem perder o tino. Tampouco a ternura.

 

*Alim Amina, tem 81 anos, é professora formada mas nunca exerceu. Cearense, estudou em Portugal na adolescência e foi colega de colégio de Mila Marques. Reencontraram-se em Fortaleza, na década de 70, e retomaram a amizade até hoje. Dividem o espaço da Sabedoria dos domingos.

BACHIANAS E COMPANHIA

VOO PLENO

por Francisco Bento

B2 Boutique Hotel, Zurique, via Trivago Magazine

Sempre amei viajar. Desde criança. Por sorte e privilégio conheço os cinco continentes, de trás pra frente, cidades pequenas e grandes, campo e grandes metrópoles. Mar, montanha, não há lugar onde não tenha me metido. Exagero, claro que há! 

 

Gosto de ficar em hotel. Conhecer modos de hospedagem que se entrelaçam com as diferentes culturas, ao redor do planeta. E, de vez em quando, até o padrão me agrada. Só que o bom, mesmo, é o hotel que tem horta própria, culinária regional, seja no nordeste barsileiro, em Minas Gerais ou na Tailândia. Passando pelas províncias portuguesas, francesas, alemãs, dinamarquesas. Ai os mercados, as feiras, pela estrada fora, em Lima, Santiago, Belo Horizonte, Lisboa, Rio de Janeiro. 

Tem um espaço que amo encontrar nos hotéis. Não se precipitem. SPAS são sempre bem vindos, com suas massagens de óleos essenciais, argilas, pedras quentes, mãos hábeis e banhos de flores. Trata-se de outra terapia, ou sei lá, modo de vida, mesmo.

 

Amo hotéis que têm bibliotecas. Grandes, pequenas, médias. Concentradas num salão ou espalhadas pelas áreas comuns. Hospedei-me num, na Alemanha, entre Dresden e Berlim, que tinha uma coleção de 15 mil livros, parte em inglês. Um outro, em Gramado, com bem menos exemplares, mas um aconchego incrível nas luzes de leitura, nas poltronas, no serviço de bar extensivo ao ambiente.

 

Hospedagens do Mundo Inteiro, uni-vos ao redor de livros!  

 

* Francisco Bento mora em Santa Teresa, Rio de Janeiro, curtindo o repouso do boêmio, após ter sido empresário da noite, dono de restaurante, crítico de gastronomia e bem vivente. Apaixonado por história, pesquisa e relembra os bons momentos de cores e sabores.

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

APOIO SUSTENTABILIDADE
HISTÓRIAS DE STERI 10

EXTINTOR

Por Brigitte Bordalo*

Muita gente da geração nascida entre 1950 e 1970 fumou muito e já parou.

 

Persistem alguns, contumazes ou esporádicos. Sob os protestos dos filhos, dos alérgicos e até dos pets, confinam-se esses eventuais às varandas dos apartamentos, que mesmo assim não livram a casa do terrível cheiro de cigarro.

 

Foi numa dessas que após tentar estratégias diversas a amiga Kátia tacou STERI 10 e eis que sumiu o rastro da fumaça, poupando-a dos pitos da família e prevenindo a deselegância de expor algum convidado surgido antes de dar tempo do cheiro se dissipar.

 

Como estou obcecada pelas histórias do STERI, Kátia apressou-se em ligar e me presentear com mais esta! STERI também espanta o desagradável odor do cigarro, junto com a culpa do fumante em recaída.

 

*Brigitte é microempresária da gastronomia e da cultura.

CREPÚSCULO

DIA DE DOMINGO

Domingo é dia sagrado. Pra preguiça, pra cozinhar, tecer, ler e rezar. Hoje fiz batatinhas no forno com azeite e chimichurri. Finalizei com umas tirinhas de salmão fresco que o mar da crise está pouco pra mais desse peixe. E uma frigideira de lentilhas com ovos  caipiras escalfados. Uma taça de vinho simples, um chileno em promoção. Suco de limão pra filha. Música, o encontro com vocês no início da noite. Tem um sol discreto lá fora. E muita gratidão por serem ternos os sons que nos chegam. Muita compaixão pelo sofrimento de quem tem sons grotescos a invadir os domingos. Aqui e além.  

 

Obrigada por estarem com a gente até aqui!

Tuty e Trupe

APOIO LUXUOSO

Em breve, bistrô saltimbanco