Edição N. 37 - 20/03/2022
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Edição Geral: Tuty Osório

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo, Yvonne Miller, Elimar Pinheiro,

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Edição de Fotografia: Manuela Marques 

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

Música: Maurício Venâncio Pires, Alex Silva, Caio Magalhães, Manuela Marques

Vídeos: Deborah Coelho

 
ALVORADA

PROTAGONISMOS

foto: Celso Oliveira

Em 1984 conheci a obra de Habermas que trata do Espaço Público e suas transformações na ascensão da burguesia. Mudança Estrutural na Esfera Pública conta sobre o surgimento da imprensa como legitimadora da verdade e de como as relações sociais se estabeleceram fora do espaço privado e em contraste com este. Na oposição dialética entre a intimidade e a publicidade, estruturou-se a sociedade do século XIX que nos deu base e a partir da qual o ocidente pautou a história do mundo. Com a internet as fronteiras entre público e privado diluíram-se, as identidades são afirmações de diferenças e acentuam-se as desigualdades. Para onde estamos indo, é a questão que sombreia os retratos do novo século que envelhece sem amadurecer. 

 

Começa agora mais um Domingo à NOITE em 2022! 

RODA DE CONVERSA

Este espaço é para publicar os sentimentos e comentários dos leitores, colaboradores, apoiadores, de todos os cantos e a qualquer momento. Transformando essa conversa de domingo numa ampla roda de afetos, palpites e bordões. Mandem pra cá por email, pro whatsapp ou pro Instagram, como preferirem. Valeu!!!

 

“Gostaria de parabenizar a você e equipe e agradecer pela gentileza de me oferecer noites de domingo mais ricas e prazerosas. Forte abraço!”

Paulo César Norões, Fortaleza

 

“Final de domingo e já ficamos na espera para finalizar o dia com boa leitura e bons pensamentos para enfrentar a semana.”

Dinah, Teresina

O BEM VIVER

O FIM DA EDUCAÇÃO

por Camilla Osório de Castro

Paulo Freire, a sabedoria da inclusão. foto: Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire

“O que eu quero que vocês saiam daqui compreendendo é que nós não podemos modernizar a educação para o século XXI, ela simplesmente não nos serve, é algo ultrapassado. O que nós precisamos é de empoderamento.”

 

Foi com esta frase de efeito que Marc Prensky abriu sua aula sobre o futuro da educação em um curso de pós–graduação de uma universidade particular.

 

Nascido nos Estados Unidos em 1946, ele observou atentamente as mudanças tecnológicas dos últimos 70 anos e foi o primeiro a cunhar os termos “migrante digital” e “nativo digital” para descrever a diferença de percepção de mundo entre as pessoas nascidas num mundo pré- tecnologia digital e que tiveram que se adaptar, migrar – e aquelas já nativas deste novo universo e que falam essa nova língua com a desenvoltura de quem não conheceu o mundo sem ela.

 

Prensky foi também uma das primeiras pessoas a trazer ao debate a necessidade de que a tecnologia faça parte de forma mais orgânica do ambiente educacional. Contudo, nos últimos 20 anos seu pensamento acerca do tema parece ter evoluído com a tecnologia para algo um pouco mais radical.

 

Sua teoria parte do princípio de que estamos entrando em um mundo totalmente novo e que da geração Z (1996-2010) em diante, o ser humano passa a viver em simbiose com a tecnologia. Pedir a um jovem que desligue seu celular seria como pedir que ele corte fora seu braço, afirma o pesquisador.

 

A teoria continua em direção ao modelo educacional. Para Prensky, a educação não faz sentido no século XXI. Por educação ele entende colocar várias crianças em uma sala de aula, sentadas uma atrás da outra para aprender currículos pré-determinados, algo que seria por demais acadêmico e que não seria do interesse da grande maioria dos seres humanos no século XXI.

 

Ao invés de munir nossos jovens com conteúdo, nós devemos muni-los de realizações, ao invés de professores nós deveríamos fornecer treinadores (coaches) e deveríamos estar empoderando os jovens, mostrando que eles são capazes de realizar projetos que impactam a comunidade e que eles só precisam estudar aquilo que porventura lhes interesse em algum momento da vida.

 

Fiquei me perguntando quem são esses jovens com quem o senhor Prensky anda conversando. Ele afirma que chegou a essa conclusão após observar jovens do mundo todo. Pois bem, em dados de 2019, cerca de 3,6 bilhões de pessoas não possuem acesso à internet. Se nós estamos considerando que a simbiose do jovem com seu smartphone cria uma nova categoria evolutiva, de acordo com as definições de Prensky, o que isso significa diante da exclusão digital?

 

Apenas quem tem dinheiro evoluirá para essa categoria? Criaremos castas? É interessante que em sua aula o professor afirma que tem consciência da exclusão digital mas essa discussão não é relevante. É como se essas 3,6 bilhões de pessoas pudessem ser simplesmente descartadas na discussão sobre o futuro da educação.

 

Outra questão interessante é essa afirmação sobre o desejo pelo conhecimento. A teoria de Prensky parte do pressuposto de que enfiar informações goela abaixo dos estudantes funcionou muito bem no século XX mas agora não funciona mais. No entanto, há um pesquisador do século XX respeitado mundialmente e que curiosamente não é citado em momento algum.

 

Esse pesquisador definiu o modelo “enfiar goela abaixo sem questionamentos” como educação bancária e já na década de 1960 considerava esse modelo falido.

Esse pesquisador é Paulo Freire que, ao contrário do senhor Prensky, tinha como prioridade pensar uma educação para os despossuídos. Para Paulo Freire, o que gerava esse desinteresse era a educação bancária, feita para manter a mente fechada. A educação libertadora exige uma troca entre o educador e o educando mas nem por isso deixa de ser educação.

 

Jaques Ranciére em sua obra “O Mestre Ignorante” aborda especificamente a relação entre a postura do educador e a capacidade de despertar interesse e amor pelo conhecimento. Prensky não debate com os teóricos da pedagogia porque seu discurso tem como base um certo desprezo pelo conhecimento acumulado pelos acadêmicos ao longo de anos.

 Um exemplo prático do “Hub de Realizações” que substituiria as escolas seria o caso de uma menina de 13 anos que realizou um projeto nos Estados Unidos voltado a coleta seletiva em sua cidade.

 

O projeto ganhou visibilidade a ponto de “convencer” o prefeito a propor mudanças na legislação de resíduos daquele município. Prensky cita também a ativista Greta Thumberg que ainda na adolescência acessa espaços de poder e é capaz de mobilizar seus pares em prol da causa ambiental. Estas seriam as tais realizações.

 

Pergunto: seria possível a estas meninas ter os critérios para escolher a que projeto se dedicar sem possuir repertório? Como eu posso me dedicar a uma causa se eu não sei que ela existe? E que outro local que não a escola para nos prover de repertório, apresentando-nos conteúdos diversos que nos dão base para interpretar a realidade?

 

Pesquisando sobre Marc Prensky no google tive dificuldades de encontrar manifestações críticas a seus posicionamentos e suas teorias. As menções a ele vêm constantemente seguidas de termos como “inovador” e para a minha surpresa não há menções ao termo  “elitista”. Penso que isto é assustador.

 

Este tipo de proposta parte da ideia de que o conhecimento é para poucos e ainda busca convencer as pessoas de que na verdade elas não deveriam querer buscar conhecimento porque é uma coisa chata.

 

Quando vemos o currículo do senhor Prensky, no entanto, há quatro passagens por universidades de ponta dos Estados Unidos, incluindo Harvard e Yale, que como sabemos são espaços extremamente caros e feitos para excluir e selecionar apenas “os melhores”.

 

Parece que o senhor Prensky considera-se parte da elite que deve acessar o conhecimento. Afinal, a que tipo de futuro serve este pensamento? Quem tem o direito de participar deste futuro?

 

 

 

 

 

* Camilla Osório de Castro é cineasta e produtora cultural.  Pesquisa o Bem Viver. Mora no mundo, entre cidades. Acredita que sonho que se sonha junto é realidade.

CONTO

PALAVRAS AO TEMPO

por Tuty Osório

-Mãe, tenho que treinar texto dissertativo argumentativo para o ENEM.

-Pois é, que coisa, né filha? Não consigo atualizar esse conceito.

-Como assim atualizar, mãe?

-Entender claramente do que se trata. O que consideram ser dissertativo, que pra mim todo o texto é. O argumentativo é mais evidente, embora não entenda como argumentar define competências…

-Mãe, não complica. É uma fórmula que tem que seguir e pronto.

-Pois é, filha, isso de fórmula para escrever também acho controverso…

-Não é mãe. É um padrão para terem como avaliar.

-Pois é filha. O tanto que se gasta com esses exames, a fofoca que é toda vez, fraude, roubo de prova… Já tinha dado para construir não sei quantas faculdades…

-E acabava a disputa por vagas, né mãe?

-É. Estou especulando mas tenho pra mim que essa condução é meio falaciosa…

– Meio o quê? Você está muito enigmática hoje, mãe!

-Que nada filha. É uma palavra, você tem que expandir o repertório viu?

-Vixe, lá vem! Já estou atrás do dicionário, pode deixar.

-O de papel. Nada de internet!

– Não vejo diferença, mãe, mas tá bom.

-Tem diferença, sim. A própria operação de procurar no livro é um exercício. O cérebro é um músculo, já te falei filha!

-Eita mãe! Você vive reclamando de frase feita! Essa é uma feitíssima e vou te avisando, falaciosa. O cérebro tem 78% de água, então…

-Menina!!!

O REI

por Manuela Marques

Desde pequeno eu sempre tive uma admiração fascinante por sapos. Os sapos mesmo, que coaxam e têm a pele viscosa. Admira-me a variedade na qual eles se apresentam e como seus olhos de anfíbio se esbugalham. Enfim, sou um grande entusiasta do mundo dos sapos.
Certa vez, uma mulher me questionou por que eu ia preferir sapos, que para nós não apresentam utilidade alguma, aos cães, que são bons garotos: cuidam da casa, são companheiros. De que me servem os sapos?
Se realmente quer saber, como uma resposta longa, cá uma qualidade absoluta e irrefutável: sapos comem moscas, mosquitos e muriçocas. São seus grandes predadores junto com suas primas de terceiro grau pequeninas, as lagartixas domésticas. Apesar de que também tenho certa compaixão pelos insetos, sou certo que também tem suas pequeninas vidas com suas pequeninas famílias, assim como os sapos e assim como nós – embora que por um período mais curto, e embora também que em sua incondicional pequenez.
Esse pode ser considerado, na verdade, um manifesto de redenção aos sapos. Hoje, na minha idade já avançada de homem humano, percebo que eles foram por nós subestimados , por isso concluo que a minha resposta curta para a mulher que me fez a pergunta, seria de que eu, mesmo sendo homem humano, não escolho meus melhores amigos por interesse.

 

*Manuela Marques é artista visual, designer e estudante. Estuda no ensino médio, estuda corte e costura, estuda desenho e pintura. É autora do Projeto Gráfico do Domingo à NOITE, Editora de Arte do Domingo à NOITE e autora das TIRINHAS da CABULOSA. Leitora voraz, apaixonada por filmes, séries e jogos, aos 17 anos sabe viver indoor e outdoor. Angústias, claro. E também muitas risadas

MÚSICA

Cinema Paradiso – Se

por Maurício Venâncio Pires

Em uma das minhas apresentações aqui eu disse que, para mim, um bom filme se torna excepcional quando além de uma trama bem desenvolvida e atores qualificados, tem uma trilha sonora que me emocione.


Cinema Paradiso é um desses filmes, coube ao Maestro Ennio Morricone compor, com muita sensibilidade, “Se” – que é uma declaração de amor.

 
Morricone compôs mais de 400 músicas para o cinema e televisão. Entre as suas obras destaco: “Bonanza”, “Era uma vez no oeste”, “Por um punhado de dólares”, “Once upon a time in America”, “Gabriel’s oboé”, “Os intocáveis” etc.


Peço que me ouçam e acompanhem a tradução para o português desta obra maravilhosa.

 

Cinema Paradiso – Se

Se você visse através dos meus olhos apenas por um dia
Você veria a beleza que me inunda de alegria
Quando olho para dentro de teus olhos
Sem saber se é magia ou realidade

Se você estivesse em meu coração apenas por um dia
Você poderia ter uma ideia
Do que eu sinto
Quando você me abraça forte junto a teu corpo
E peito a peito, nós
Respiramos o mesmo ar

Protagonista de teu amor
Eu não sei dizer se era magia ou realidade

Se você estivesse em minha alma só por um dia
Você saberia como me sinto
Que fez eu me apaixonar
Naquele momento que estive junto a você

E tudo o que sinto é
Somente amor

Naquele momento que estive junto a você
E tudo o que sinto é
Somente amor

 

ENCONTROS

Márcia Travessoni compartilha conosco a entrevista com Adriana Calcanhotto em visita ao Ceará no cenário incrível dos Modernistas expostos na Galeria Multiarte. Gratidão Marcinha!!

ENTREVISTA EXCLUSIVA

Adriana Calcanhoto fala sobre a Semana de 22, na Galeria Multiarte. Assista aqui

RITOS

BOLA NO AR

por Sarah Coelho

Foto de THIS IS ZUN no Pexels

Eu fui uma jogadora de vôlei mediana. Não atacava com força, tinha uma defesa OK e nem sempre os meus levantamentos alcançavam a altura necessária. Mas eu tinha uma boa característica que todos os treinadores costumavam pontuar: eu não desistia da bola.

 

Não raro, ficava inconformada porque as meninas que eram, de fato, as melhores, pareciam abandonar o jogo antes de termos perdido. Quando não exibiam sua melhor perfomance, ficavam tão desconsertadas, que cegavam.

 

Só que nem sempre o que uma equipe precisa é de um ataque fulminante. Isso é necessidade do ego.

 

Depois de adulta, entendi que este não é um problema técnico que se resolve com treinos extras aos sábados de manhã. Ainda que o trabalho duro seja feito, uma parcela do caminho precisa ser percorrida do lado de dentro, onde jogos de vaidade não dão trégua.

 

Levei esse aprendizado pra vida, inclusive para este ofício amoroso de celebrante. É que o texto, as palavras, a narrativa que construo, precisam estar ancoradas, sempre, no que cada casal precisa.

 

Existem frases de efeito complexas e bem construídas, de uma riqueza semântica e textual incríveis, que não tocam nem emocionam. O meu esforço, portanto, é para que a vaidade de escrevê-las não se sobreponha ao todo, nem me desconecte dos dois corações para quem elas estão direcionadas.

 

Até o altar, a minha quadra sagrada de tantos dias, percorro inúmeros caminhos, externos e internos, para que, no fim das contas, o nosso time siga ganhando.

 

Refleti sobre isso hoje porque decidi voltar para as quadras depois de décadas. Para completar: na areia!

 

Percebo que o tempo foi implacável, e agora sou uma jogadora menos que mediana. Sempre saio coberta de terra, com olhos ardendo e roupas imundas, mas o meu trunfo continua aqui comigo: não desisto da bola.

 

 

*Jornalista, produtora de eventos, celebrante, sonhadora e realizadora de sonhos, Sarah Coelho tem 32 anos de muita determinação e romantismo.

DENTRO E FORA

Este espaço é para tratar de psicologia, psicanálise, psiquiatria, enfim, das reflexões e formas que dizem respeito à Saúde Mental. De quem pratica, ensina, vivencia.

A TRAVESSIA DO POSSÍVEL

Rosa Palma

A Cuca de Tarsila do Amaral

Pensando bem, a tentativa de autoconhecimento é mesmo uma tarefa impossível. Um esforço longo e fracassado em acessar o que não nos é facultado saber. Nossa essência e seus desdobramentos estão impressos no inconsciente que só vislumbramos aos soluços e solavancos, através de signos indecifráveis.

 

A gigante enganação é acreditarmos que conseguimos saber totalmente quem somos e começar a agir sobre esse engano fatal. É mais certeiro aceitar o mistério e pescar-lhe os sinais que vêm a nós através de indícios.

 

Parece complicado, mas não é. É a obsessão pelo controle que adoece. Com a doença vêm os remédios objetivando mais controle. Tudo em vão. Deixar que o cuidado ocupe o lugar do controle, que a confiança substitua a autoridade, que o peso seja dispensado pela coragem de voar pode ser o caminho.

 

Caminho que, aliás, nunca acaba, sendo a ponta da estrada uma finalidade sem fim.

 

*Rosa Palma é psicóloga, linguista e arte terapeuta

HISTÓRIAS DE HISTÓRIAS

FRONTEIRAS DE LUCIDEZ

Por Lia Raposo

Giulia Gam Paulo José no filme O Triste fim de Policarpo Quaresma

“Como de hábito, Policarpo Quaresma, mais conhecido por Major Quaresma, bateu em casa às quatro e quinze da tarde. Havia mais de vinte anos que isso acontecia. Saindo do Arsenal de Guerra, onde era subsecretário, bongava pelas confeitarias algumas frutas, comprava um queijo às vezes, e sempre o pão da padaria francesa.

Não gastava nesses passos nem mesmo uma hora, de forma que, às três e quarenta, por aí assim, tomava o bonde sem erro de um minuto, ia pisar a soleira da porta de sua casa, numa rua afastada de São Januário, bem exatamente às quatro e quinze, como se fosse a parição de um astro, um eclipse, enfim um fenômeno matematicamente determinado, previsto e predito.

A vizinhança já lhe conhecia os hábitos e tanto que, na casa do Capitão Cláudio, onde era costume jantar-se aí pelas quatro e meia, logo que o viam passar, a dona gritava à criada: Alice olha que são horas; o Major Quaresma já passou.”

 

In TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA, por Lima Barreto.

 

Taurino de 13 de maio, Lima Barreto viveu 41 anos de muito talento e angústia. Foi internado mais que uma vez em hospício sob o pretexto de tratar o alcoolismo que seria para sempre o seu sintoma. Deixou-nos uma obra de crítica social, repleta de ironias e de pessimismo.

O Brasil, o nosso e o de Lima, persiste na desigualdade, no racismo, nos poderes a serviço do nada, no abandono da maioria silenciada. Em TRISTE FIM, esse Brasil é revelado por absurdos relatados com uma prosa precisa, elegante, matizada pelo sincretismo que seguiu perdido em si e em tudo.  

A mais recente biografia escrita por Lilia Schwarcz, onde o nomeia de triste visionário, revisita as feridas expostas por Lima no início do século XX, mais abertas que nunca, mais de cem anos depois.

A reflexão sobre as instituições manicomiais é marca desse escritor contundente, que as chamava de Cemitério de Vivos, deixando uma obra sobre isso, publicada postumamente.

A despeito do peso dos temas, a leitura de Lima Barreto é delícia garantida pela qualidade inquestionável da sua prosa expressa em crônicas, contos, romances e artigos de jornal.

*Lia Raposo dedica-se a Estudos da Cultura, é redatora de Projetos Culturais, Produtora de Conteúdo e jornalista. Tem 33 anos de muitas dúvidas, algumas certezas e esboços de ousadia. 

APOIO ECOLOGIA
REPORTÁGEM ENSAIO

DIZ-ME COMO FALAS

Miguel Boaventura

foto: Celso Oliveira

Voltando ao tema das palavras ao vento, que de tão repetidas esvaziam-se de sentido, passando a ser mal- empregadas, em queda na vulgaridade vestida com o sobretudo da pretensão. E para variar toco no tema esvaído de irritação.

 

As que mais odeio são NARRATIVA, EXPERIÊNCIA, CAMADAS e TENSÃO. Metem-nas em tudo e chega a dar a impressão de que todas as pessoas são uma mesma, que se expressa igual ao vizinho próximo e ao distante.

 

Uma que gosto bastante é CORPO, CORPOS, em lugar de pessoas.

 

Esta faz muito sentido porque a consciência da matéria traz compaixão ao mundo que dela anda tão precisado.

 

A chatice é que já caiu naquela de servir pra tudo, e de ser exaustivamente repetida, a ponto de não mais evidenciar o que essencialmente fazia quando estreou. Não sendo, também, raras as vezes em que seu uso é inadequado – o corpo é óbvio e fundamental. Contudo não traduz a pessoa por inteiro, sendo a existência bem mais complexa.

 

Atentos estejamos ao uso precioso das palavras. São nossa força, nossa autonomia, nossa liberdade. Esta última também anda desvairada em bocas que a maculam, pervertem-lhe o sentido, desorganizando almas de gente.

 

*Com dupla residência entre Lisboa e Brasília, Miguel Boaventura é arquiteto urbanista e escreve por vocação e obrigação. Pessimista por consciência, luta para resgatar a esperança, a cada indignação.

SABEDORIAS E SAPIÊNCIAS

CUIDARÁS!

por Alim Amina

foto: Celso Oliveira

Entristeço-me quando sei do abandono em que vivem muitos velhos, aparentemente assistidos por pagens e remédios. Explico: há muita conversa a respeito da velhice e pouco esforço para realmente incluir os velhos no presente.

 

Dopar o idoso para acalmá-lo, interná-lo ou entregá-lo aos cuidados de desconhecidos é um equívoco. Não falo de estrutura, conforto, união, que são o milagre de se passar os dias do entardecer da vida com doçura. É ao abandono mesmo que me refiro.

 

Não temos mais a mesma resistência, a memória prodigiosa, a desenvoltura no andar e no falar. Ainda abrigamos sentimentos, opiniões, percepções. Observamos do lugar privilegiado da vivência, que nem sempre trouxe sabedoria. Sem exceção traz histórias que valem muito serem contadas.

 

Convido a positivar o CUIDAR. Em vez de peso, uma oportunidade valiosa de estar junto de quem amamos. Independente de idade, parentesco, obrigação. 

 

É a melhor parte de estarmos aqui.

 

*Alim Amina, tem 81 anos, é professora formada mas nunca exerceu. Cearense, estudou em Portugal na adolescência e foi colega de colégio de Mila Marques. Reencontraram-se em Fortaleza, na década de 70, e retomaram a amizade até hoje. Dividem o espaço da Sabedoria dos domingos.

CURADORIAS

Queer Eye, série, 6 temporadas na Netflix

foto: Divulgação

Encha uma taça de vinho, uma caneca de café, uma tigela de pipoca, uma bacia de batatas fritas e convide a família. Os Cinco Fabulosos chegaram para te fazer ver que você é bacana. Que viver é bacana. Que carinho e atenção são salvadores dos dias de tristeza. Esta série da NETFLIX é uma espécie de Reality Show sem competição, provações, humilhações. O desafio é levantar a autoestima e revelar um espelho bem mais bonito de cada um. É uma SANTA AJUDA em 5 faces – beleza, moda, cultura, cenário e comida. Pela pauta dessas vertentes que compõe o dia a dia, os 5 especialistas em alegria mostram o que todos devemos saber – que o amanhã será melhor porque já começamos de hoje.

 

Assistam e descubram mais. Vale demais!

BACHIANAS E COMPANHIA

SANGRIA – A BEBIDA DA ALEGRIA

por Sérgio Pires

A Sangria é uma bebida à base de vinho tinto e frutas, é símbolo da Espanha, uma verdadeira tradição, sendo sempre associada à alegria, festas, verão e praias. Tanto o seu nome como a sua receita envolvem diversas versões e histórias, gosto de todas estas possibilidades que fazem parte da construção da sua lenda.


A origem do nome “sangria” é disputada pelos idiomas espanhol, inglês, francês e o português. Em todas as versões a origem do nome é atribuída à sua cor avermelhada, semelhante à do sangue, devida ao vinho tinto utilizado e também ao fato da bebida ser diluída com água, lembrando o antigo tratamento médico que diminuía a pressão sanguínea.


Na versão do espanhol derivaria da palavra “desangre” (sangue), com origem na região de Andaluzia, Espanha. Do inglês a origem seria “sangaree”. Os franceses tem uma versão mais elaborada, colocando a origem da bebida nas Antilhas Francesas, sendo o nome vindo de sang-gris, a bebida que era elaborada com vinho, açúcar, limão e especiarias. Já outros franceses acreditam que sang-gris era uma outra bebida consumida nos navios dos piratas, onde misturavam a tinta das lulas e dos polvos aos vinhos para dar sabor e assim obter uma nova cor para a bebida. Devemos lembrar que o vinho nesta época se conservava muito mal e logo ficava com um sabor bem desagradável, daí a necessidade das misturas.


Finalmente viria do português “sangue”, talvez pelas qualidades medicinais que lhe eram atribuídas que resultavam em depurar o sangue dos seus consumidores.  


Em 1803 a Real Academia Espanhola alterou a definição da palavra sangria passando de uma simples limonada para uma bebida composta de limonada e vinho tinto. Com o passar do tempo e a inclusão de novos ingredientes o significado de Sangria também se alterou e hoje a Real Academia Espanhola a define como uma “bebida refrescante que se compõe de água e vinho com açúcar, limão e outros complementos”.


Apesar de toda esta longa história a Sangria só veio a ser conhecida internacionalmente após a sua apresentação na Feira Mundial de Nova York em 1964, quando se tornou um grande sucesso. A partir daí passou a ser consumida em todas as classes sociais e se tornou uma bebida presente em muitos países.


Ia falar da receita mas me lembrei de uma historinha que aconteceu comigo e que tem uma relação com a Sangria. Estava em Barcelona, Espanha, em companhia das Madames E e N, e nos dirigíamos mais uma vez em direção a um restaurante para, como bons turistas, comermos um paella e tomarmos uma sangria. Notem que este episódio se passa antes de nós termos consumido a pequena porção de álcool encontrada na jarra da bebida.


Divido a responsabilidade do acontecido entre a estranha sola do sapato que usava, parecida com uma tábua rígida sem mobilidade, e a irregularidade na altura dos meios-fios das calçadas catalãs.

Quando fui iniciar a atravessar uma rua, já chegando às famosas Las Ramblas, imaginei uma altura para o primeiro passo, só que esta devia ser o dobro, e o pé demorou muito mais que imaginei para atingir o solo, sendo que o acabei tocando com bico do sapato, que mais uma vez provou ser totalmente rígido. Resultado, tropiquei, balanceei e fui projetado, caindo reto que nem uma vassoura! Mas, ágil, rápido e esperto que sou, me agarrei na bolsa de uma incauta que estava na minha frente e fiquei, totalmente esticado, parelho ao asfalto e pendurado na bolsa. Confesso que demorei um pouquinho a largar a bolsa que a proprietária, sem nenhuma compaixão, puxava com força enquanto me gritava xingamentos em catalão e espanhol. Só me recuperei após a segunda jarra de Sangria. Sim, minhas acompanhantes se divertiram bastante com a situação, até bem mais do que considerei apropriado.



RECEITA

Similar à Paella não há uma receita única para se elaborar uma Sangria. Há um ditado espanhol para responder a quem pergunta qual é a verdadeira receita: “cada maestrillo tiene su librillo” (que numa tradução capenga seria “cada mestre tem a sua receita”), ou seja, a receita depende de quem a prepara, tanto que não é considerada um coquetel e não consta do catálogo da International Bartenders Association (IBA).


Então podemos ficar à vontade para elaborarmos a nossa própria receita, acrescentando outras bebidas alcoólicas, refrigerantes, especiarias ou água com gás.


Mas, vamos combinar, que alguns ingredientes são indispensáveis. Na base da Sangria deveremos sempre ter vinho tinto, água para dar uma diluída e frutas da estação, não podendo faltar algumas cítricas e outras vermelhas (já estou falando da minha receita). A especiaria mais utilizada, se desejada, é a canela em pau, mas o anis-estrelado ou o gengibre também são bem interessantes.

Se achar que está fraca de álcool, inverta o objetivo de sangrar (diluir) o vinho e acrescente algumas doses de brandy, rum, gim ou de um destilado de frutas.


O vinho de preferência é um tinto seco com mais corpo. Não precisa ser um vinho caro, mas também não economize muito, todo produto final só é bom se iniciar com ingredientes de qualidade.


Vou tomar a liberdade de sugerir a receita de uma pessoa que admiro muito.


SANGRIA DA RITA LOBO

Ingredientes:

– ½ garrafa de vinho tinto (cerca de 375ml)

– 1 lata de água tônica

– ½ xícara (chá) de caldo de laranja (cerca de 1 laranja-baía)

– 1 maçã fuji

– ½ abacaxi cortado em cubos médios congelados

– 4 colheres (sopa) de açúcar

– ¼ de xícara (chá) de gin (opcional)

– Cubos de gelo (a gosto)

Modo de preparo: Misture tudo com bastante gelo. Deixe a bebida marinando com as frutas por, no mínimo, uma hora.

DICAS

·        Para uma dose extra de refrescância: opcionalmente adiciona-se alguma bebida carbonatada, como água tônica, soda, água com gás, etc.

·        O segredo está em pressionar um pouco as frutas picadas para que ela absorva o vinho e, em troca, libere um pouco do seu sabor.

·        Mas esse processo é lento e exige, em média, duas horas de descanso (de preferência na geladeira, sangria se bebe gelada!) – menos que isso, a bebida não ganha sabor; se passar desse tempo, as frutas oxidam, escurecem e perdem o frescor.

·        Gelo – não utilizar direto na sangria, apenas na taça.

Existe a Sangria industrial vendida engarrafada, sendo que pela legislação europeia, desde 2014,  somente as Sangrias fabricadas na Espanha e em Portugal, com no mínimo 12% de álcool, podem ser rotuladas como “Sangria”. As bebidas similares produzidas em outros países da Comunidade devem ser rotuladas como “bebida aromatizada à base de vinho”.

Na Antiguidade os gregos e romanos já misturavam seu vinho com água do mar, especiarias e tudo que dispunham, assim a Sangria não foi uma novidade nem a única neste tipo de elaboração. Encontramos com receitas bem similares o ponche, que tem sempre sucos de frutas e refrigerantes e o Clericot, elaborado com vinho branco ou espumante.

Ao contrário de muitos especialistas nada tenho contra estas bebidas, drinks e coquetéis elaborados à base de vinho, na verdade me divirto muito na sua elaboração e consumo com os amigos.


* Aposentado como bancário e praticante de karatê e Sommelier na ativa, integrante da ABS-DF, Sérgio Pires é escritor e desenhista, poeta da prosa e exímio contador de histórias. Mora em Brasília com Lili, sua companheira linda e maravilhosa, aposentada da Embrapa, cozinheira, apaixonada pela alegria.

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

APOIO SUSTENTABILIDADE
HISTÓRIAS DE STERI 10

LUXO NO LIXO

Por Brigitte Bordalo*

História contada por uma amiga de como o STERI 10 virou o maior amigo do marido dela. Responsável pela tarefa de fechar e levar o lixo orgânico até ao local adequado no saguão das escadas do prédio, decidiu, ele, experimentar.

 

Comprovou, então, que o odor de decomposição desaparece instantaneamente com uma borrifada. Uma no saco de casa e outra na lixeira. 

 

Conclusão: confiscou da bolsa o portátil da minha amiga que, prontamente, encomendou um estoque pra não faltar nunca mais. O que era uma obrigação desagradável antes, virou uma missão honrosa e honrada. Livre de cheiro mau.

 

*Brigitte é microempresária da gastronomia e da cultura.

 

CREPÚSCULO

O AVESSO DA AURORA

foto: Tuty Osório

Mafalda, nossa canina, faz 10 anos e hoje percebi que se engasga ao latir. Foi um choque perceber que o bebê que dormia sobre os meus livros de cabeceira é uma anciã que descansa bem mais do que corre. Consola-me saber que sempre foi feliz conosco. E que nos faz muito felizes, também. Conquistou corações pouco afeitos a pets, extinguiu medos antigos com seus afagos generosos e inesgotáveis. É amiga de gente, adultos ou crianças. Gosta de gatos, até de morcegos. Só não tolera ratos, bradava tanto num prédio que moramos que tive que levá-la para passar uma temporada fora, sob pena de nos expulsarem por perturbação da ordem. Em troca exigi a dedetização. Recebeu a irmã felina, Duna, com muito carinho e paciência. Quando descobriu que não era o seu filhote ficou triste. E voltou a ter gravidez psicológica, ensinando-nos que envelhece em maternidade eterna.  

Obrigada por estarem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe

APOIO LUXUOSO

Em breve, bistrô saltimbanco