Edição N. 45 - 15/05/2022
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Edição Geral: Tuty Osório

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo, Yvonne Miller, Elimar Pinheiro,

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Edição de Fotografia: Manuela Marques 

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

Música: Maurício Venâncio Pires, Alex Silva, Caio Magalhães, Manuela Marques

 

 
ALVORADA

LIBERDADE, LIBERDADE

foto: Celso Oliveira

Justamente no dia 13 de maio de 2022, mais uma denúncia de situação análoga à escravidão. Uma mulher de mais de 70 anos, servindo a uma família de classe média, presa, sem salário, sem direitos, sem nada. São mais de 2.000 denúncias e flagrantes, nos últimos 3 anos. O foco vai para que tipo de pessoa faz isso com outras pessoas? Esse tipo de pessoa existe, e pode morar ao lado.

 

Começa agora mais um Domingo à NOITE em 2022! 

LAREIRAS MÁGICAS

A HARMONIA DO CAOS

por Camilla Osório de Castro

“Dirk Gently’s Holistic Detective Agency” (A agência de detetives holísticos de Dirk Gently, em tradução literal) é uma série de ficção fantástica e comédia com duas temporadas que foi ao ar entre 2016 e 2017. Criada por Max Landis, a obra é baseada nos livros Dirk Gently’s Holistic Detective Agency” e “The Long Dark Tea-Time of the Soul” (A longa e sombria hora do chá da alma, em tradução literal) de autoria de Douglas Adams.

 

A história gira em torno de Todd, um homem banal que tem sua vida transformada pela chegada de Dirk Gently, um homem estranhíssimo de sotaque britânico que invade sua casa no mesmo dia em que estranhamente ocorreu um assassinato em seu local de trabalho que levou à sua demissão. Gently já se apresenta a Todd adivinhando que coisas estranhas têm acontecido em sua vida e afirma: está tudo conectado.

 

A frase está tudo conectado enlaça, ao longo da narrativa, uma espécie de tese: a de que haveria uma harmonia no caos dos acontecimentos de nossos destinos. Cada um é “uma folha flutuando no fluxo da criação”, como diz uma personagem e “todos estão exatamente onde deveriam estar” para cumprir um papel importante em determinada situação aparentemente aleatória.

 

O interessante é que há uma oposição muito evidente entre a harmonia da conexão criativa entre tudo aquilo que é vivo e compõe a natureza e a ideia de ordem.

 

A imposição da ordem e a tentativa de controle, seja do destino seja dos indivíduos, são forças destrutivas e causadoras de sofrimento nessa tese.

 

Mais interessante ainda: os seres que compreendem e atuam nesse fluxo, o caso de Dirk Gently, denominam-se sempre como holísticos, apontando para a ideia de um todo que se conecta, enquanto os agentes da ordem destruidora e corruptora do fluxo do universo são representados por integrantes da CIA e do FBI, agências de Inteligência do Governo dos Estados Unidos da América.

 

 Essas oposições e aproximações são férteis para interpretar a nossa realidade material, algo muito comum em boas ficções fantásticas e, também, em boas comédias, mas que em todos os livros de Douglas Adams ganham genialidade.

 

A série “Dirk Gently’s Holistic Detective Agency” possui ainda o mérito de transpor a linguagem de Adams para o audiovisual de forma brilhante e leve ou, para usar os termos de Gently, holística.

 

Apesar de ter sido cancelada na segunda temporada, as duas primeiras são narrativas com começo, meio e fim. Garantirão um equilíbrio fluído entre gargalhadas e reflexões profundas sobre a vida, o universo e tudo mais, no melhor estilo Douglas Adams.

 

* Camilla Osório de Castro é cineasta e produtora cultural.  Pesquisa o Bem Viver. Mora no mundo, entre cidades. Acredita que sonho que se sonha junto é realidade.

MAIS DIREITOS

QUEREMOS ESSA PAZ

por Tuty Osório

A Comunicação não violenta diz-nos que por trás de todo o comportamento violenta tem uma necessidade não atendida. É trocando a lente que se enxerga e a busca é responsabilizar, reparar, e restaurar o vínculo perdido. São os três R da Justiça Restaurativa.

 

A rede já e real, a grande rede de Justiça Restaurativa no Ceará. No PODCAST ( link na sequência) Cristiane Holanda, responsável pelo Conselho da Paz, conversa com o Domingo à NOITE via Tuty Osório e conta como houve a Paciência de crescer, sem estardalhaço. Com discrição e trabalho, sem o foco na divulgação, fazendo valendo, Cristiane mostra como somos holísticos, compostos, no mínimo da razão e da emoção que nos integram, para colocar os propósitos da paz na prática ativa.

 

O Ciclo de Construção de Paz parte de um Pacto do Bem onde a conquista se dará pela palavra. Senão, escutem a conversa com Cristiane Holanda, – Pedagoga, com Pós-doutorado em Justiça Restaurativa na Espanha, no atual momento histórico a serviço do povo do Ceará através do Conselho da Paz, que foi fundado e evoluiu sob a égide da atual governadora Izolda Cela.

CAMINHOS – Nossa Senhora de Caravaggio

FLORES SENTINELAS

Por Tuty Osório

foto: Celso Oliveira

Começamos hoje os relatos dos caminhos do mundo, guiados pela amiga Flávia e por outros Andarilhos como ela, fazedores de histórias enquanto caminham por elas.

 

Foi assim, nas palavras de Flávia, generosamente compartilhadas em setembro de 2021. Preciosidade que dividimos aqui com todos os leitores do Domingo à NOITE, relato escrito para os amigos mais íntimos, mas tão incrível que é justo ser acessível a mais viajantes – por terra ou por emoção. Na companhia do mais profundo silêncio.

 

“Gente querida,

 

Vim relatar o que vivi nos primeiros dez dias de setembro deste ano, no Caminho de Nossa Senhora de Caravaggio, nos duzentos quilômetros que separam Canela de Farroupilha, no florido estado do Rio Grande do Sul.

 

Sim, mais uma rica experiência de sensações e sentidos no ritmo dos meus passos e cada vez mais compreendo o valor disso para o meu cotidiano.

 

Depois do período de reclusão, tudo ficou mais intenso. Passado o perrengue maior sinto meu maravilhamento voltando. Gratidão aos meus avós, pais, tios, pois foram eles os primeiros a despertar em mim nossa inata conexão com a natureza, essa habilidade que resulta em alimento e cura. Aproveito para agradecer também a vocês, amigos queridos, porque mesmo os que não se dão conta ou não acreditam, foi nossa convivência que trouxe minha amorosidade para o raso de minha pele e, assim, o bater do meu coração tornou-se mais audível, sigo em seu ritmo.

 

Antes de sair de casa anotei duas frases no meu simpático bloquinho de notas, pois queria que inspirassem minha jornada, foram elas:

 

“Há uma sensação de liberdade em aceitarmos que não temos controle de nada”, Pema Chödrön;

“O segredo do Zen são somente estas palavras: nem sempre assim”, Shunryu Suzuki Roshi; ambas se revelaram um ótimo estímulo para minhas reflexões.

 

Confesso que tem sido cada vez mais difícil e importante o exercício da humildade e do desapego que essas viagens significam para mim. Tiro lascas cada vez maiores de minhas certezas, liberto-me.  Quando saio de casa, deixo pessoas que eu amo muito e algumas delas estão muito frágeis e, apesar de negarmos isso, é a impermanência quem preside nossos dias, tudo pode acontecer. Estar distante me permite enxergar com clareza que minha presença não tem a força de mudar acontecimentos.

 

É um desafio que acolho com coragem, busco conectar-me com elas e, por que não com todos vocês, em outras vibrações; alegro-me avivando minhas memórias, honrando nossas partilhas e reconheço, a cada instante, a beleza e o privilégio de termos todos nossa própria trajetória e dentro dela bordar histórias, entrelaçar emoções, acomodar sentimentos. Vamos onde nossas escolhas nos levam, é bonito observar a unicidade de cada um nesse vasto horizonte que é a existência.

 

A pandemia deixou tudo mais reticente, difuso, nublou nossos horizontes e nos fez sofrer. Seres invisíveis aos olhos nos obrigaram a perceber a passagem do tempo e nos fizeram recordar que vida é movimento. Tudo é e está em movimento, a começar pelo planeta, em infinitas rotações e translações, promovendo sutis correções de curso. Lamento que essas mesmas criaturas não tenham sido capazes de nos tornar, verdadeiramente, solidários. Fracassamos.

 

A desigual distribuição de vacinas diz muito do que somos e como queremos viver. Mas não farei apologia de minha tristeza. Vamos ver aonde nossas mazelas nos levam. Minha esperança jamais morre, pois, acredito que mudar é sempre uma opção.

 

Feito o checklist, lá vou eu. Curioso observar a mistura de sensações que me assaltam logo ao chegar no aeroporto, um estado de alerta, uma retrospectiva acontece em minha mente, sim Flávia tudo está diferente, dentro e fora (será?!).

 

Deixo o Cerrado quente e calcinado e sigo para Porto Alegre. Tudo flui bem, até o ônibus que me levaria a Canela já estava no ponto. Ficaria hospedada, bem no centrinho, numa pousadinha aconchegante, onde cheguei a pé para já entrar no clima. André, o dono, esperava-me com sorriso hospitaleiro e com recomendações sobre o pastel da lanchonete vizinha (provei: enooooorme e gostoso), e também sobre o espetáculo de luzes na praça. Relaxei, estava em casa.

 

Acordei de férias. Dia livre e ensolarado para zanzar em Canela. Por uma feliz coincidência, que renderia bons frutos ao longo do trajeto, logo no café da manhã conheci algumas peregrinas do grupo da Carina, autora do guia online onde me inteirei de tudo (produto e fonte de renda dos dias atuais; a rapaziada viaja, escreve as dicas e vende na internet, (…) Copistas alimentados pelas narrativas e anotações de mercadores árabes de especiarias, tecidos e joias já faziam isso, desde o tempo de Simbá, o Marujo.”

CONTO

PAPUA PAPOU

por Tuty Osório

– Mãe, sabe os Rockfeller?

– Sei.

-Diz que um deles sumiu num naufrágio, pesquisando artesanato na Nova Guiné, quando ainda era domínio holandês, parece…história incrível, né, mãe?

– Sumiu e nunca mais foi encontrado, filha?

-Pois é mãe. Tem muitas lendas. Uma diz que os Papuas da Nova Guiné comeram o Michael, era o nome dele, entendeu?

-Deduzo, filha, não tem outro personagem no seu relato…

-Então. Diz que eles próprios confessaram que comeram. Mas dizem também que o sonho dele era morar num lugar assim, longe da civilização, sem contato com cidade, nada…

-Entendi…Mas filha, ele mesmo pode ter combinado isso com os Papuas. Pra não o procurarem mais.

-Faz sentido, mãe. Pra galera parar, deixar em paz, né? Mas o certo é que o corpo dele nunca apareceu.

-Literal ou simbolicamente foi engolido pela memória. Isso me lembra uma história que aconteceu quando eu era criança. Três conhecidos sumiram no mar durante um passeio de barco. Só um conseguiu voltar. Dos outros dois nunca mais ninguém soube, filha…

-Eita, mãe, você vive reclamando que eu atravesso o assunto e agora você fez a mesma coisa. Legal, hein?

-Completamente diferente, filha. É o mesmo assunto do Rockfeller desaparecido só que me fez lembrar outras pessoas que também desapareceram. É uma continuação. Diferente do que você faz que entra com a realeza do jabuti quando estamos falando de escoamento da chuva…

-Essa não vale, mãe, você disse que na verdade tinha a ver, lembra?

-Ai, ai ai!! Lá vem a cobrança de coerência…

– De todo o jeito, mãe, espero que nem o Michel, nem os seus conhecidos, tenham sido comidos por peixes ou gente. Que todos tenham achado um novo lar.

-Isso, filha. Gostei do desfecho. Uma perfeita devolutiva positiva!

POESIA

Poema de canção sobre a esperança I

por Fernando Pessoa/Álvaro de Campos

via Paula Osório de Castro Coelho

Dá-me lírios, lírios,
E rosas também.
Mas se não tens lírios
Nem rosas a dar-me,
Tem vontade ao menos
De me dar os lírios
E também as rosas.
Basta-me a vontade,
Que tens, se a tiveres,
De me dar os lírios
E as rosas também,
E terei os lírios —
Os melhores lírios —
E as melhores rosas
Sem receber nada.
A não ser a prenda
Da tua vontade
De me dares lírios
E rosas também.

II

Usas um vestido
Que é uma lembrança
Para o meu coração.
Usou-o outrora
Alguém que me ficou
Lembrada sem vista.
Tudo na vida
Se faz por recordações.
Ama-se por memória.
Certa mulher faz-nos ternura
Por um gesto que lembra a nossa mãe.
Certa rapariga faz-nos alegria
Por falar como a nossa irmã.
Certa criança arranca-nos da desatenção
Porque amámos uma mulher parecida com ela
Quando éramos jovens e não lhe falávamos.
Tudo é assim, mais ou menos,
O coração anda aos trambulhões.
Viver é desencontrar-se consigo mesmo.
No fim de tudo, se tiver sono, dormirei.
Mas gostava de te encontrar e que falássemos.
Estou certo que simpatizaríamos um com o outro.
Mas se não nos encontrarmos, guardarei o momento
Em que pensei que nos poderíamos encontrar.
Guardo tudo,
(Guardo as cartas que me escrevem,
Guardo até as cartas que não me escrevem —
Santo Deus, a gente guarda tudo mesmo que não queira,
E o teu vestido azulinho, meu Deus, se eu te pudesse atrair
Através dele até mim!
Enfim, tudo pode ser…
És tão nova — tão jovem, como diria o Ricardo Reis —
E a minha visão de ti explode literariamente,
E deito-me para trás na praia e rio como um elemental inferior,
Arre, sentir cansa, e a vida é quente quando o sol está alto.
Boa noite na Austrália!

CRÔNICA

ONDE A MÁQUINA ME LEVA

por Sarah Coelho

foto: Celso Oliveira

Não passei de primeira na prova do Detran. Errei o retorno e não teve jeito: tive que voltar para as aulas práticas na autoescola. 

 

Na época, papai também intensificou nossos passeios, aproveitando para dar conselhos que iam além do volante. Parte deles compilei no meu Pequeno Manual de Ética da Vida Adulta. 

 

Por exemplo, ao ver um carro dando ré, papai dizia: “Quando alguém estiver tentando estacionar, dê espaço e espere. Não seja o tipo de pessoa que fica tentando passar pela lateral. Não buzine e dê o tempo que o colega precisa”. 

 

Hoje, 15 anos depois, sempre que vejo algum coitado sendo pressionado com buzinas e quase-arranhões, lembro de papai e concluo que seu ensinamento também se aplica às relações.

 

Existem momentos em que um quer dar a ré, e o outro avançar. Ninguém é barbeiro nem está errado. Também não adianta fazer confusão. Mais vale perceber o descompasso, exercitar a paciência e torcer para o outro acertar logo.  

 

Se o professor tiver sido tão bom quanto o meu, você ainda recebe um fon-fon em agradecimento! 

 

*Jornalista, produtora de eventos, celebrante, sonhadora e realizadora de sonhos, Sarah Coelho tem 32 anos de muita determinação e romantismo.

SALTOS SEM REDE

Por Tuty Osório

foto: Celso Oliveira

Ouço na rádio dezenas de entrevistas sobre as doenças mentais provocadas pela pressão no mundo do trabalho. Somos cidadãos acuados nos universos que deveriam ser nossos portos seguros.

 

Nossos filhos adolescentes adoecem diante da impotência das escolas, despreparadas para lidar com algo que se desenha muitas vezes com cores de tragédia.

 

Os psicólogos, destronados de seu papel de terapeutas, não conseguem desenvolver dinâmicas que enfrentem e resignifiquem o clima de disputa, perseguição, ostentação do que teoricamente é o ponto fraco do outro.

 

Os ambientes são arenas, inclusive de diversão para alguns, os que perseguem, sem perceber que também golpeiam a si próprios, ao atingir levianamente o colega.

 

Diariamente tento pegar leve já que estou desembarcada do cotidiano da maioria, vivendo como micro empresária autonoma há quase vinte anos. Só que não dá pra fugir. No avião, no comércio, no carro de aluguel, no metrô, no projeto passageiro – a tortura da opressão está lá.

 

Esmagando a ternura, arrancando a alegria tão suada, conquistada no final de semana mal licenciado.

 

De novo na rádio, escuto uma analista de economia, de uma consultoria privada que ganha rios de dinheiro produzindo análises de conjuntura, riscos, abstrações do capitalismo eternamente em crise, que vive e muito bem, da crise.

 

A moça fala, com muita naturalidade, que a inflação atinge os alimentos porque, em alta no mercado externo, escasseiam no interno, encarecendo, portanto. O fato disso significar, na prática, insegurança alimentar e FOME, parece ser um detalhe menor para ela. Tecnicamente a alta dos preços de comida é explicável no maior CELEIRO do mundo. O que importa são os mercados, jamais as pessoas. Um ouvinte questiona sobre as pessoas e é tratado por ela com desdém, taxado de ingênuo no subtexto.

 

Ingênua, também, devo ser, ouço tudo aterrorizada, na madrugada insone em que me valho do rádio para ocupar a mente enquanto o sono não vem. Não vem, vem o lobo do cinismo, da indiferença ao sofrimento dos vulneráveis.

 

É um mundo superficial, erguido sobre os subterrâneos do lupém, na voz suave e firme da economista – os produtores do agro não estão em crise, ganham muito e sem descontinuidade. Exportam o alimento faltante para o pequeno Francisco, ao colo da mãe pedindo no sinal. Dou-lhe tudo quanto tenho no bolso da bolsa em que trago pouco. Não sou romancista aplicada, mas parva sou, como diria Álvaro de Campos.

 

O jornalista Roberto Maciel, em sua coluna semanal, grita por socorro em nome de quem precisa abandonar o meio de sobrevivência, o emprego falaciosamente seguro, para não morrer.

 

Vale?

HISTÓRIAS DE HISTÓRIAS

AMPLA BOCA DE MAR CERCADA POR MONTANHAS RECOBERTAS POR DE MATA LUXURIANTE

por Lia Raposo

“Sobre os índios Tamoios, o aventureiro descrevia serem homens bem apessoados quanto qualquer europeu e segue descrevendo a boa forma física masculina comprovada pela nudez total e a vaidade no uso de enfeites e arranjos de penas coloridas, produzindo bonitos efeitos. Também merecem registro por parte do estrangeiro o asseio das índias, que, segundo ele, tinham pernas bem torneadas, cinturas muito finas, mãos bonitas, rostos bem talhados e tatuagens nos seios. A beleza dos cabelos longos e saudáveis também chamava a atenção do forasteiro. Os cuidados com o corpo, segundo ele, incluíam a depilação. Conforme o viajante, os selvagens depilavam-se cuidadosamente com uma espécie de lasca, afiada como uma lâmina. As mulheres, conta, arrancavam todos os pelos que nasciam, como se estivessem aparando grama com navalha.”

 

In A CULPA É DO RIO! A cidade que inventou a moda do Brasil, por Paula Acioly, SENAC RJ, 2019

 

O relato é um dos muitos que compõem a curiosa história da moda no território que é hoje a cidade do Rio de Janeiro, este colhido no diário do marujo Anthony Knivet, fonte das fontes mobilizadas pela autora para sua tese de doutorado, que rendeu interessantíssimas descrições e interpretações do que é hoje o estilo carioca.

 

Mais do que enaltecer o encanto da cidade incontestavelmente maravilhosa, com vestimentas, bossas, chiados e bronzeadores, o livro relaciona a trajetória do vestir com os sucessivos cenários da cidade. Conta da Lei Pragmática, que no século XVIII proibia qualquer ostentação, enfeites, graças na colônia.

 

Antes da vinda da corte, em 1808, os habitantes do Rio, pela presença do porto que escoava os metais preciosos das minas e recebia a mão de obra arrancada ao solo africano, isolados da Europa para não despertar cobiça aos concorrentes dos portugueses, recebiam da Ásia e da própria África as maiores influências no vestir. Os trajes árabes cobriam as cariocas daquela época, bem como definiam as não janelas do seu confinamento ao lar. Viria daí a espontânea e lendária exuberância, dos cabelos ao vento, sob o recato do literal manto da censura.

 

São muitos os percursos mostrados. Embora haja referência à invenção da moda, no próprio subtítulo, a leitura de A CULPA É DO RIO, traz-nos a invenção de gente, de viveres, saberes e fazeres na tecelagem da sociedade brasileira em vários fios, referências e originalíssimas combinações.

 

*Lia Raposo dedica-se a Estudos da Cultura, é redatora de Projetos Culturais, Produtora de Conteúdo e jornalista. Tem 33 anos de muitas dúvidas, algumas certezas e esboços de ousadia. 

MÚSICA

Make You Feel My Love

Bob Dylan

When the rain is blowing in your face
And the whole world is on your case
I could offer you a warm embrace
To make you feel my love

When the evening shadows and the stars appear
And there is no one there to dry your tears
I could hold you for a million years
To make you feel my love

I know you haven’t made your mind up yet
But I would never do you wrong
I’ve known it from the moment that we met
No doubt, in my mind, where you belong

I’d go hungry, I’d go black and blue
I’d go crawling down the avenue
No, there’s nothing that I wouldn’t do
To make you feel my love

The storms are raging on the rollin’ sea
And on the highway of regret
The winds of change are blowing wild and free
You ain’t seen nothing like me yet

I could make you happy, make your dreams come true
Nothing that I wouldn’t do
Go to the ends of the earth for you
To make you feel my love

Quando a chuva está soprando no seu rosto

E o mundo todo está em cima de você

Eu poderia lhe oferecer um caloroso abraço

Para te fazer sentir o meu amor

Quando as sombras da noite e as estrelas aparecem

E não há ninguém lá para secar as suas lágrimas

Eu poderia te segurar por um milhão de anos

Para te fazer sentir meu amor

Sei que você ainda não se decidiu

Mas eu nunca lhe faria mal

Eu soube desde o momento em que nos conhecemos

Sem dúvida em minha mente onde você pertence

Eu ficaria com fome, ficaria cheio de hematomas

Eu me rastejaria pela avenida

Não, não há nada que eu não faria

Para te fazer sentir o meu amor

As tempestades estão furiosas no mar rolante

E na rodovia do arrependimento

Os ventos da mudança estão soprando selvagens e livres

Você não viu nada como eu ainda

Posso te fazer feliz, fazer seus sonhos se realizarem

Nada que eu não faria

Iria até o fim do mundo por você

Para te fazer sentir meu amor

REPORTAGEM ENSAIO

LÍNGUA PÁTRIA, PÁTRIA LÍNGUA

por Miguel Boaventura

foto: Celso Oliveira

Ouvi daqui, li dali, assisti de acolá. Desde Saramago e a obra que escancara uma língua portuguesa desconstruída. A Copenawa e Krenak, falantes, leitores e escritores que fazem da mesma arma que os ataca, sua própria arma de defesa.

 

Porque essa língua quer engolir as outras?  Porque é preciso matar para existir? Preciso, necessário, será que realmente é?

 

Nossa língua portuguesa, tão complexa, sofisticada, tão bonita, é também protagonista de violência e opressão.

 

Como muitas, afinal. A celebração esmigalha-se em tristeza e percebo que é preciso sobreviver à culpa ancestral que espiamos, se tivermos um mínimo de consciência.

 

  E percebo que se fazemos do presente um tempo de dignidade, respeito, luta por nós e por todos – é porque algo diferente desse passado triste existe.

 

Mesmo que subsistam as mãos ensanguentadas dos muitos que temos o dever de combater.

 

Pela renovação diária da vontade, (RE) VOLUÇÃO instada por Nilton Trança, sonhada por Camilla Osório, que por nós escapa, embora muitas vezes nos faça voar.

 

Porque tem deles que não sabem, porém, nós, sabemos. Não temamos, pois.

 

TRILHA

Canal do Youtube do Museu da Língua Portuguesa

 

*Com dupla residência entre Lisboa e Brasília, Miguel Boaventura é arquiteto urbanista e escreve por vocação e obrigação. Pessimista por consciência, luta para resgatar a esperança, a cada indignação.

APOIO ECOLOGIA
SABEDORIAS E SAPIÊNCIAS

AS ÁGUAS DO OCEANO

por Mila Marques

MARIA MANUELA era seu nome. A vida nos separou em vários momentos, mas os sentimentos de grande afeto e amor de primas irmãs, filhas de duas irmãs muito amigas, nunca mudou. Nem a passagem do tempo, nem a distância nos afastou, como se as águas do oceano que ficavam entre nós fossem e voltassem nos fortificando no amor.         

 

Houve uma época, pelas circunstâncias do momento que vivíamos, em que deixamos de ter notícias uma da outra. Mas, quando nos reencontramos, passados alguns anos, tudo foi ainda mais intenso. Depois disso, nunca mais deixamos de nos comunicar. Foram as velhas cartas, os telefonemas e agora o whatsapp. Todos os dias trocamos mensagens: vídeos, músicas do nosso tempo e muita conversa sobre as nossas vidas. Isso nos dava um certo conforto, driblando de uma certa forma, a distância física.

 

Até que veio, ainda um pouco antes da pandemia, a notícia de uma doença terrível. O diagnóstico clínico foi o pior. Mas, era uma mulher forte, acostumada a desafios, lutou muito superando as crises com garra, fazendo os tratamentos prescritos de quimio e rádio, levando tudo muito à risca, talvez na esperança de um milagre, embora consciente do improvável. Pelo menos conseguiu mais um tempo, com a melhor qualidade possível. Adorava passear ao sol, e ir até a Foz, a Beira-Mar do Porto, onde vivia, olhar o mar e estar com os amigos.     

 

Mas chegou a hora que seu corpo não aguentou mais e nos deixou na última 4a feira. Suas cinzas foram colocadas num Roseiral, numa cerimônia simples e serena, como ela era.         Sua filha me disse: “Minha mãe adorava flores, vai cuidar bem daquele roseiral!”

 

Eu penso que ela vai ser a Rosa mais linda que por lá vai existir!                  

 

” A vida é um sopro”, sem dúvida! Por isso, devemos aproveitar o máximo dela, do nascer ao pôr do sol! Aproveitar o presente e iluminar o futuro! Ela, a vida, também é sempre um recomeço!       

 

Estou muito triste com a ausência dela nas mensagens que trocamos no dia a dia, mas conformada, porque sei que seu sofrimento chegou ao fim e está em paz e na luz!     

Fica a saudade, mas ela é a força. A dor traz a nós a esperança por isso é uma dor boa. É preciso ter fé, muita fé que tudo é para o bem, para o melhor!      

 

Acreditar, acreditar, acreditar!!!

*Mila Marques, 82 anos, é dona de casa, mãe, avó, artesã das linhas e das letras, leitora aplicada, portuguesa, brasileira, viúva e Sapiente demais. Mora em Fortaleza, a algumas quadras do mar, entre plantas, objetos e muitos, muitos afetos.

LAÇOS

Por Socorro Bulcão*

Saudades de minha avó materna, Clarice, de nos reunirmos em sua casa para aquelas rodadas de pastel ao final das tardes, do seu precioso crochê, tão perfeito, de suas bolsas de contas que meus primos, Huguinho e Claudinha adoravam espalhar.

 

Do pé de ciriguela e da goiabeira do quintal, onde nós, seus netos, nos aventurávamos. Cenas da infância se projetam em minha memória. O quintal nos parecia um grande palco onde idealizávamos tantas fantasias.

 

De repente, o tempo passa, tão rápido, que não nos damos conta. A avó hoje sou eu. Avó de um neto só, mas quem nem por isso deixa de preencher minha vida com sua existência tão preciosa.

 

Avós e netos são a aliança entre uma infância que ficou no passado e a infância presente.

 

 

*Avó, Mãe, Filha, Mulher, Socorro Bulcão é Artista Visual, Escritora, Juíza e tem articulações com a psicanálise. Sensibilidade é o seu maior talento, bússola da ficção do tempo. 

CURADORIAS
via Facebook de Fátima Severiano
via Francisco Souza

Acaba de estrear a segunda temporada da série em podcast: Memória da Rabeca Brasileira.
Apresentada e produzida por Caio Padilha, esta série conta também com a colaboração de Fabiano de Cristo e Michael Silvers, e com o patrocínio do projeto “Madeira que Cupim não Rói” em parceria com a Universidade de Illinois (EUA).
Nesta nova temporada, vamos mergulhar no legado deixado pelo professor Gilmar de Carvalho (em memória) e do fotógrafo Francisco Sousa sobre as rabecas do Ceará, mesclando também outros temas que circulam o universo da rabeca e da nossa cultura popular, ao longo de sete episódios especiais.
O primeiro capítulo traz a temática: “Rabecas do Ceará e o legado de Gilmar de Carvalho”, no qual será feito um resgate da obra e importância que Gilmar tem para a história da rabeca no Brasil; além de ser prestado um tributo a alguns dos rabequeiros pesquisados, tais como: Mestre Bia, João Geminiano, Zé Biro Novo, Luiz Buretama, Antônio Barroso, entre outros.

Os episódios desta temporada vão ao ar mensalmente, sempre no último sábado do mês até outubro de 2022, com depoimentos especiais, exemplos musicais e temas surpreendentes. Você não pode perder!

Se inscreva no canal do Youtube e ative as notificações.

https://www.youtube.com/canaldepadilha

Ficha Técnica:
Produção executiva e artística: Caio Padilha
Pesquisa e Argumento: Colaborativo
Consultoria Histórica: Fabiano de Cristo
Desenvolvimento de Roteiro: Colaborativo
Direção de Trabalhos Técnicos: Rafael Gonzaga
Gerência de Redes Sociais e Assessoria de Imprensa: Jota Isnard
Projeto Gráfico: Felipe Anjo
Estúdio de Gravação: Olho de Hórus (Natal-RN)
Edição de áudio / mixagem e masterização: Rafael Gonzaga
Locução e Trilha Original: Caio Padilha

#MemóriaDaRabecaBrasileira #rabeca #podcast #GilmarDeCarvalho #CaioPadilha

BACHIANAS E COMPANHIA

ESQUINA DE BRASÍLIA

por Francisco Bento

https://blogs.correiobraziliense.com.br

Parentela.

Substantivo feminino.

  • 1. Reunião dos parentes de alguém. Das pessoas que possuem relação de parentesco com outras.

Tomei emprestado ao Sérgio Pires esse modo de começar. Quer dizer, vamos lá, imitei. É porque considerei muito a propósito do espaço que me encantou esta semana e como agora somos amigos e ele me parece uma pessoa muito generosa, acho que não vai se chatear.

Como já lhes contei aqui, estou prestando uma consultoria de cardápio para um restaurante novo em Brasília. Vai ser uma jóia na capital. Metido que sou, acabei por me envolver com a arquitetura de ambientes e com a elaboração daquilo que está na moda chamar de EXPERIÊNCIAS. Miguel Boaventura vai criticar-me por usar uma palavra da moda, mas paciência… Muitas vezes, para a comunicação fluir é mais prático do que ficar dando voltas. Por falar em dar voltas já comecei a dispersar-me, outra coisa que irrita sobremaneira o colega Miguel.

Enfim. Retomando. Nessas idas, cada vez mais amiúde, a Brasília, topei com um lugar fofíssimo, como diria a minha sobrinha neta, de nome PARENTELA e que lembra uma casa de bonecas em formato de padaria fina, casa de chá, delicatessen. Encravada entre dezenas de farmácias, localizada exatamente numa quadra comercial que chamam de Rua das Farmácias, PARENTELA é um cenário azul, branco e vermelho, com delícias nas vitrines, mesinhas no jardim, atendimento alegre e delicado.

Guloso como sou, juntei logo uma porção de pães de fermentação natural, bolinhas e pães de queijo, brioches e croissants. No caixa, notadamente o proprietário, ou um dos, não sei do detalhe, tentava ajudar no movimento, mas por não saber operar ocupava uma funcionária para ajudá-lo. Sinceramente, uma graça!

Fui dar com a PARENTELA por causa de uma medicação da homeopatia que encomendei na Dias da Cruz, casa especializada, lá nessa Rua só delas. E que encontro saboroso, acolhedor, que nem domingo com a família. Só não teve as disputinhas típicas, porque afinal o nome é inspirado e não literal. Como diria uma outra sobrinha neta: bacana demais!

* Francisco Bento mora em Santa Teresa, Rio de Janeiro, curtindo o repouso do boêmio, após ter sido empresário da noite, dono de restaurante, crítico de gastronomia e bem vivente. Apaixonado por história, pesquisa e relembra os bons momentos de cores e sabores.

TRILHA

PARENTELA, na CLS 302, esquina com a CLS 102  

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

desenho por Manuela Marques/Roteiro por Tuty Osório
APOIO SUSTENTABILIDADE
HISTÓRIAS DE STERI 10

BONS RASTROS

Por Brigitte Bordalo*

Já não divido mais quarto de hotel.

 

Nem com marido que nem tenho mais. Com namorado pelas horas necessárias. Dormir junto, jamais! Tudo bem, aceito o pito, estou ficando chata.

 

Mas com filha divido.

 

E sempre cuidadosa de não incomodar, nem filha, ando com meu STERI 10 sempre. Constipação intestinal, laxante, um só banheiro, tudo explicado que os detalhes são de mau gosto…

 

STERI 10 agindo, nem vestígios da passagem da mãe pelo único banheiro do double basic.

 

Claro que me entendem!

 

*Brigitte é microempresária da gastronomia e da cultura.

CREPÚSCULO

O SOL HÁ DE BRILHAR MAIS MUITAS VEZES

 

Voltando a Fortaleza, aos afetos, ao mar, ao sol, é magia! Então vamos. Domingo em família, com minha mãe e minhas filhas, com o Ceará em festa, sempre, desde quando eu tinha 10 anos e vim aqui parar. Sei das contradições, das injustiças, sei de tudo. E o bom fortalece a gente pra combater o mal!

Obrigada por estarem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe

SALVÉ ALDIR BLANC! SALVÉ PAULO GUSTAVO!

APOIO LUXUOSO

Em breve, bistrô saltimbanco