Edição N. 46 - 22/05/2022
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Edição Geral: Tuty Osório

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo, Yvonne Miller, Elimar Pinheiro,

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Edição de Fotografia: Manuela Marques 

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

Música: Maurício Venâncio Pires, Alex Silva, Caio Magalhães, Manuela Marques

 

 
ALVORADA

EU VISITO

via www.elfikurten.com.br

Há um livro de Mia Couto que nos traz, não contos, romance, poesias ou teatro, mas Conferências, proferidas pelo mundo – de Moçambique, sua terra natal, a países nórdicos, ao nosso Brasil, Angola, Portugal. Batizado de INTER(INVENÇÕES), recebeu edição em Portugal pela Caminho e no Brasil pela Companhia das Letras. Apaixonada por quase tudo o que este poeta de prosa (e verso), escreve, tenho as duas versões, a primeira herdada de meu pai e chegada às mãos dele pela Silvia, minha prima muito querida. Faço o registro porque passam das dezenas os livros presenteados por ela a meu pai e que, para minha alegria, integram a minha humilde, porém adorada, biblioteca. Uma das Conferências editadas por Mia, conta-nos ele a história de uma figura moçambicana que vive a visitar. Sua função nas comunidades, profissão, até, é visitar. Desloca-se pela Savana abrindo caminhos pelo fogo (para o pânico dos ambientalistas estrangeiros) e visita. Visita para conciliar, restaurar relações rompidas, intermediar reaproximações de elementos cuja cisão fere o equilíbrio das aldeias. Lembra a Justiça Restaurativa (ver edição 45 e 44), faz parte de uma cultura milenar e mexe com os nossos conceitos do que é, de fato, produtivo, numa missão de vida.  

 

Começa agora mais um Domingo à NOITE em 2022! 

O BEM VIVER

EM BUSCA DE NÓS

por Camilla Osório de Castro

De vez em quando aparece uma reportagem sobre comunidades indígenas que lutam por preservar sua cultura em recantos do sertão, da mata, da cidade.

Alguns dos documentaristas, jornalistas, curiosos cineastas abrindo janelas relevantes, tratam do assunto como se fosse exótico, exterior a quem é gente brasileira.

Quando na verdade a artesania, a floresta, a cultura composta pela língua, o canto, toda a mensagem, é história nossa sendo protegida. Vamos nos perdendo dessa história, numa desumanização de nosso passado jogado numa lixeira estranha que nos intoxica de falso progresso.

Não é militância, nem ativismo, nem moda de retórica que me faz falar curto e não suave. É tentativa de consciência de si, ponte para o inconsciente que nos moldou de um barro que se tornou inacessível por crimes ancestrais, constantemente atualizados.

Onde estiver essa saga registrada, resgatada, estaremos nós em chagas. Se localizados, já com o bálsamo da cura em cuias de memória.

 

 

* Camilla Osório de Castro é cineasta e produtora cultural.  Pesquisa o Bem Viver. Mora no mundo, entre cidades. Acredita que sonho que se sonha junto é realidade.

CONTO

PLUMAS QUE ME QUEDAM

por Tuty Osório

– Filha já te falei que a cachorrinha e a gata são suas!

– Sei mãe, e eu já ouvi, todas as vezes.

-Não parece, filha!

-Porque que é que não parece, mãe?

-Porque elas não desgrudam de mim, simplesmente, filha!

-E que culpa eu tenho se elas gostam de você, mãe?

– Não sei se é porque gostam de mim, filha. De madrugada já estão me acordando, pedindo sei lá o quê! Tem cara de que tentam te acordar sem sucesso e vêm pra mim porque a boba aqui levanta, vai ver se têm comida e água, se tem algum bicho que entrou voando em casa…

-Então é isso, mãe. Você dá cabimento, elas já sabem…

-Cabimento! Que cara de pau, filha! Como vou ignorar as bichinhas podem precisar de alguma coisa!

-Aí mãe, então ‘guenta, né?

-Só que não fui que inventei gato e cachorro dentro de casa, filha. Atendi a um pedido seu, a quem, como você diz, dou muito cabimento…Agora não é pra dormirem comigo, ficarem o tempo todo no meu pé…

-Porque você não fecha a porta do quarto, então, mãe?

-Menina, você acredita que não tenho coragem…Sei lá porque…

-Acho que eu sei, mãe.

-Você sabe tudo, sempre, né, filha?

-Nada disso, mãe! Essa foi você que me ensinou. Que na cultura popular moçambicana a gente foi bicho em outras vidas. E pode virar bicho enquanto sonha. Vai ver que elas são suas filhas de outras dimensões. Eu fui só o instrumento do reencontro.

-Bela desculpa pra não dar atenção a elas, filha! E ainda fica apelando pro meu ego, pra me enrolar…

-Olha que elas escutam e não vão te perdoar, mãe!

– Pois já que é assim, vou botar todas três de castigo! Você e elas! Desaforo!!

MÚSICA

GILBERTO GIL 80

por Maurício Venâncio Pires

Se eu quiser falar com Deus

No dia 26 de junho Gilberto Gil completará 80 anos. Um gênio, certamente um dos nossos melhores autores e intérpretes de todos os tempos.
A música que eu escolhi para homenageá-lo é linda e recebeu este arranjo de Pedro Mariano, tendo ao piano o seu pai, César Camargo Mariano.
E, mais uma vez, eu aqui me aventurando a cantar uma pérola. Espero que gostem.

Estrelinha

Jean William

TRILHA
Livro Resumo da Ópera de Elcio C. Padovez

ACQ

No segundo episódio da República Popular das Letras (RPL), um podcast sobre cultura, música e literatura, conversamos com a livreira Cida Caldas sobre a história da Livraria Sebinho. E ela explica o que é a toscaixa, onde são guardadas as coisas do arco-da-velha encontradas dentro dos livros usados que chegam à livraria. Assista!

REPORTAGEM ENSAIO

NO PARAÍSO

por Miguel Boaventura

foto: Celso Oliveira

A chamada grande mídia dá visibilidade aos negócios que surgiram e prosperaram nas favelas, durante a Pandemia. Nomeadas contemporaneamente de Comunidades, revelaram a riqueza que já geravam, realizaram parte de seu potencial e mostraram relativa autonomia do Sistema, mesmo mimetizando as práticas do dito cujo.

 

Falo de Paraisópolis, da expansão interna do comércio diante do confinamento imposto pela crise sanitária e a abertura de oportunidades no próprio território.

 

Até Bolsa de Investimentos surgiu ali, auditada pela mesma Comissão de Valores Mobiliários que fiscaliza a ação das convencionais.

 

Um capitalismo revertido a favor dos mais pobres, mesmo que provisoriamente – é acreditar em Fadas achar que os ricos não vão querer estragar a festa. Embora, Fadas existam. Bruxas, Duendes e Druidas também. Se não existissem, ai de nós…  

 

A história da Bolsa de Valores da Favela é emocionante. Os próprios moradores investiram. De 10 reais a 50 mil (este último caso, um trabalhador que há anos juntava para comprar um carro à vista e optou por investir na viabilização dos pequenos negócios de seus vizinhos).

 

Não sei se é beleza, justiça, revolução ou triunfo da vontade que se dá nesses espaços dos quais a dita grande mídia só costuma falar quando há mortes, espancamentos, tragédias aterrorizantes, já banalizadas. Desta vez, ao invés de tristes tópicos, vieram sorrisos de alento diante de fatos concretizados.

 

Há que investigar, acompanhar e, sobretudo, dar a esse não INFERNO, no meio do inferno, muito espaço, mais e mais espaço.

 

 

 

*Com dupla residência entre Lisboa e Brasília, Miguel Boaventura é arquiteto urbanista e escreve por vocação e obrigação. Pessimista por consciência, luta para resgatar a esperança, a cada indignação.

 

APOIO ECOLOGIA
SABEDORIAS E SAPIÊNCIAS

AINDA BEM QUE TOCOU

por Mila Marques

Os últimos textos foram acompanhados de muita tristeza. Faz parte da vida, momentos tristes, alegres e vamos segundo com uma mescla de sentimentos, com que escrevemos a nossa história.                            

Hoje, prometo, vou procurar ser um pouquinho mais alegre. Quando a vida nos desafia, devemos dobrar a aposta e continuar…. Até porque, eu amo a luz, as cores, a música, a dança,…eu amo a vida!

 

“Era uma tarde de Inverno em Portugal. Mais precisamente era dia 2 de Janeiro de 1955. Um Domingo após o dia 1, o dia do Ano Novo. Naquele Clube, nesse ano, não houve festa de réveillon e por isso uma matinê dançante ia acontecer no lindo salão de festas, rodeado de espelhos com molduras douradas, iluminado com lustres de mil lâmpadas.

 

No palco, a orquestra tocava as músicas dançantes.         

 

A juventude de hoje não entende essas reuniões, mas eram muito lindas, acreditem, e com alguma sofisticação e romantismo, porque não? Alim Amina me entende. Fomos várias vezes juntas!…                                

 

A frequência era fechada a sócios e suas famílias, portanto, mesmo sem grande intimidade, existia uma certa confiança e as meninas dançavam com os rapazes que as convidavam. Eram sempre conhecidos de alguém que as conhecia.               

 

Naquela tarde, naquele 2 de Janeiro, um jovem casal chamou a atenção. Ela era linda e mimosa, em seu primeiro baile, simples e natural. Tenha uma presença com personalidade apesar da sua pouca idade. Ninguém diria que não tinha ainda 15 anos. Usava um vestido branco, combinando uma saia ampla de bordado inglês, armada com anágua colorida em tons pastel, a blusa de veludo branco. Um modelo bem diferente. Chamava a atenção, aquela jovem, que nunca tinha sido vista por ali.               

Foi tirada para dançar algumas vezes. Até que quase no final da festa, apareceu um rapaz que para ela foi diferente dos outros.: Estatura média para alto, muito magro, dono de olhos azuis penetrantes e um sorriso maroto!          

 

Conseguiu que fossem apresentados e foram dançar. No rodopiar da valsa ia falando no seu ouvido. Ela só ria …

 

E, a partir daí, nunca mais se desgrudaram. Entre idas e vindas, o encontro desse jovem casal, passados alguns anos, acabou no Altar, para consagrar uma relação abençoada por Deus.                            

 

E assim começou uma linda história de amor, como tantas outras daquele tempo: dançando, vivendo e amando, sem medo de ser feliz!!!

*Mila Marques, 82 anos, é dona de casa, mãe, avó, artesã das linhas e das letras, leitora aplicada, portuguesa, brasileira, viúva e Sapiente demais. Mora em Fortaleza, a algumas quadras do mar, entre plantas, objetos e muitos, muitos afetos.

 

BACHIANAS E COMPANHIA

QUE É ISSO COMPANHEIRO (VERSÃO INFANTIL)

Por Sérgio Pires*

Sempre que posso, quando vou ao Rio de Janeiro, faço um roteiro da saudade, espanando a poeira que repousa sobre antigas lembranças.

 

O velho prédio do colégio Estadual Amaro Cavalcanti, onde cursei o ginásio é uma das paradas certas, principalmente para recordar da vida do Largo do Machado, dos assíduos frequentadores de então e dos acontecimentos que ali vivi ou presenciei.

 

Vejo estudantes lotados de livros e cadernos, pessoas andando ou conversando nos bancos da praça, ambulantes, veículos passando em volta, o velho chafariz no centro do Largo do Machado, os eternos bandos de pombos em revoada, a Igreja imponente com um insólito ponto de ônibus aos pés de sua escadaria. A novidade (já nem tão nova assim) é a estação do Metrô. Acabo por constatar o óbvio, mais uma vez, vivo a esbarrar com o óbvio. E o óbvio é que a história se repete.

 

Na verdade, ela não se repete, a história continua acontecendo. Só há, como principal diferença, se também somos atores do drama ou não.

 

Para a maioria das pessoas o que ocorre naquele Largo lhes é totalmente indiferente, enquanto, que para os participantes é a história de suas vidas que está sendo registrada, mesmo que em câmera lentíssima.

 

Isso ocorria, não apenas quando lá frequentava, como continua a ocorrer agora, neste momento e sempre. Não somente ali, como também em cada largo, cada rua ou praça, de cada cidade ou corrutela em cada país. Mas apesar de o tempo e os acontecimentos não se interromperem nunca, só uma vez, foi 1968, e foi a minha única oportunidade de ter 14 anos.

 

1968, o ano que não terminou! Bem, pelo menos tive a ventura de terminar o meu, passando de ano, cursava a terceira série ginasial e quase levei pau em matemática.

 

Terceira série ginasial? O que seria isso hoje? Dizem minhas filhas-consultoras que corresponde à 7ª. série do Primeiro Grau.

 

Meias e sapatos pretos, este um indestrutível Vulcabrás, calça azul de tergal, camisa cáqui, estilo militar, com fitas azuis nos ombros indicando a série cursada e, no peito esquerdo, espetado no bolso da camisa, o escudo do colégio, com os simpáticos golfinhos do brasão do estado da Guanabara, e lá dizia – C.E.A.C. – Colégio Estadual Amaro Cavalcanti.

 

Uniforme completo, caso contrário os bedéis, atentos e postados a cada lado da escada, barrariam a entrada do faltoso. Lógico que as meninas também tinham as suas restrições, sendo a principal a altura da saia, que subia e descia, feito a cotação da bolsa de valores, conforme a hora do dia.

 

Aulas de inglês, francês e música. Educação física e também educação artística, além das demais curriculares. Colégio Estadual era para quem queria estudar, os reprovados e filhinhos de papai iam para os colégios particulares, os famosos P.P.P. (papai pagou passa). Já notaram que falo de uma época anterior à falência do ensino público.

 

Aprendi a fazer bolsa trançada, a não me meter a jogar bola com quem sabia, que como cantor minha voz era boa para ser ouvinte e que inglês e francês, tal como o samba, não se aprende na escola.

 

Me aperfeiçoei na arte de não apanhar dos mais fortes e de não me misturar com os mais fracos. A máxima vigente era: “se andas com eles, é um deles”, e tome cascudo, telefone (tapa nas orelhas) ou dedada (usem sua imaginação para saber onde). O termo bullyng ainda não existia nos nossos vocabulários, mas era só olhar para os lados no colégio ou na rua para sabermos identificá-lo acontecendo.

 

Não ser CDF (hoje é nerd) era fácil, isto eu conseguia ser sem grande esforço. Como podem concluir era uma selva e sem um guia prático de sobrevivência. Eu fazia parte da turma dos “como um garoto com uma carinha de anjo como a sua pode se comportar assim?”. Cara de anjo, comportamento nem tanto.

 

Na política a barra estava pesada, tempos de ditadura e repressão, coisas de golpe militar ainda não consolidado. Nós no ginásio éramos alienados, mas não era de se estranhar, com a censura nos meios de comunicação, aulas de Moral e Cívica com um coronel que queria saber a opinião dos nossos pais sobre o governo. Também éramos obrigados a comparecer a palestras edificantes sobre nacionalismo, também dadas por militares, portanto quase que não tínhamos acesso a informações verdadeiras, sem falar na nuvem de medo que a tudo encobria.

 

No nosso mundinho não havia revolução e o governo militar era só um motivo a mais para as nossas chacotas. Mas nós víamos os estudantes do Científico, muitos irmãos de nossos colegas, se mobilizando, participando de passeatas, discursando pendurados em postes, reivindicando direitos, e tanto que vimos, que, inflamados, empolgados e cheios de razão, resolvemos combater também o desgoverno, o caos e a ditadura, dentro daquele que era o nosso mundo – o Colégio Estadual Amaro Cavalcanti.

 

Buracos na parede, de uma sala jogavam giz na cabeça dos colegas da sala vizinha. Buracos no chão (cuidado com as calcinhas meninas!). Desabamento parcial do telhado, escada principal interditada, com a madeira corroída por cupins, banheiros fechados. Resultado desta equação: GREVE!!!! HOJE NINGUÉM ENTRA!!!!!!!

 

Todo mundo do lado de fora olhando para o colégio e, de lá, os membros da direção e professores olhando para nós. Era uma farra, sentávamos no chão fechando a rua, latas de tinta em spray surgiram nas mãos daqueles que desencorajavam qualquer um de furar nossa barreira. Cantávamos e batíamos palmas entre assobios e apitaços.

 

Logo surgiram alguns caras, que ninguém conhecia, para discursarem sobre assuntos que ninguém entendia, tais como política e repressão, que não eram as nossas preocupações. Queríamos reformas sim, mas as de engenharia para consertar nosso prédio.

 

Mas, apesar desta divergência de foco, aqueles jovens eram nossos colegas estudantes, e era a primeira vez que os mais velhos queriam falar com a gente. E, ainda por cima, estavam pendurados nos postes, portanto os escutávamos e aplaudíamos. Mesmo sem saber muito bem o porquê. Sabíamos o principal, eles estavam do lado da razão.

 

Ôôôôô!!!! Chegou a polícia. Primeiro uma joaninha (fusquinha), depois alguns camburões, e para nosso espanto um caminhão com um pelotão de choque!!!!!!!

 

Cadê os caras que estavam discursando? Sumiram! Ficamos nós, os bobinhos, na inocência em flor dos nossos 14 anos. Nosso colega de sala mais velho tinha inimagináveis 17 anos, e era um apenas, um conhecido repetente, o único colega que precisava se barbear todos os dias. Bem, eu não precisava me barbear dia nenhum.

Com a adrenalina a mil, curtíamos a situação como uma grande brincadeira, era óbvio que a polícia não estava lá por nossa causa, um bando de garotos matando aula. Ficamos observando a polícia cercar a praça com todos que estavam dentro, no caso, nós.

 

Um homem de terno surgiu, devia ser do DOPS ou de outro órgão igualmente sinistro. Começou a falar por um megafone. Adotou, de início, um tom paternal: “Eu também sou pai. Tenho filhos da idade de vocês”. Já elevando o tom da voz: “Agora acabou a bagunça. Estou mandando vocês estrarem no Colégio AGORA!!!!!  Senão nós vamos tomar PROVIDÊNCIAS!!!!

 

Ficamos comovidos com o discurso e com bastante fé em suas palavras, afinal ninguém fala com você com uma bomba de gás lacrimogênio na mão e acompanhado por um pelotão de choque com escudos e cassetetes se não estiver armado de pacíficas e boas intenções.

 

Resolvemos demonstrar nossa gratidão. Afinal ele veio de tão longe para falar conosco e atribuiu tanto perigo a um bando de garotos e garotas, uma ameaça à revolução, que, daí, em coro respondemos: “VIADO!!! VIADO!!! VIADO!!!”

 

Não é que o viado ficou nervoso? Digo, o Sr. Agente de uma destas associações misteriosas e sinistras do governo, que, como foi ofendido em sua honra, lançou a bomba de gás lacrimogênio em direção àqueles que poderiam ser seus filhos. Foi a senha para que mais outras fossem lançadas e que a polícia partisse com gosto para cima de nós.

 

Foi guri correndo para tudo quanto é lado, todos com os olhos irritados e tossindo. Os adultos que acompanhavam de longe procuravam se abrigar nas lojas que rapidamente fechavam as portas, outros corriam para a galeria do Cine Condor ou para a Igreja. Mais tarde fiquei sabendo que meus tios Carlinhos e Neuza estavam entre os fundistas da galeria.

 

A direção do Colégio, cumprindo seu papel socioeducativo trancou as portas na nossa cara. Vá entender, quando não queríamos entrar as portas estavam abertas.

 

Ainda bem que alguém era profissional no meio daquela comédia de erros, e os policiais só fizeram correr atrás dos garotos sacudindo os cassetetes, sem bater naquele bando de crianças. Alguns que eles achavam mais taludos eram levados para dentro dos camburões. Eu era tão miúdo que não era incomodado por qualquer policial. Fiquei do lado de um camburão vendo quem estava sendo colocado lá dentro. Ao final da refrega foram todos liberados, não, sem antes ouvir um belo sabão com algumas suaves ameaças.

 

Ficamos uns dias ressabiados e aguardando alguma providência para a reforma do prédio da escola. A situação no Rio de Janeiro estava esquentando. Protestos e passeatas todos os dias. Não sei como começou, nem de onde surgiram as faixas. Quando vimos lá estávamos nós de novo, agora em passeata pela Rua das Laranjeiras, com destino ao Palácio da Guanabara, para apresentar nossas reinvindicações ao governador Negrão de Lima.

 

Massa de manobra! Hoje eu sei, mas no momento, ali debaixo do sol, ao ar livre, de peito aberto, éramos o máximo! Buscávamos por nós mesmos a solução de nossos problemas. Baixinho, sem conseguir enxergar nada, fui lá para a frente e não desperdicei a oportunidade de segurar a faixa de abre alas da passeata.

 

Estávamos tão orgulhosos de nossa atitude, gritando palavras de ordem, animados com a aventura, que foi uma surpresa quando uma joaninha, saída de não sei onde, parou uns 50 metros à nossa frente, cortando nosso avanço. Dela desceu nosso velho conhecido, o Sr. Agente de uma destas associações misteriosas e sinistras do governo. O nervosinho, desta vez, estava com um revólver na mão.

 

Não que pensássemos em recuar, mas olhando para trás vimos outro conhecido nosso, o caminhão do Pelotão de Choque. Foi o instante em que percebemos que estávamos presos dentro de um quarteirão.

 

Se tivéssemos tempo poderíamos ter tido uma sensação de déjà vu, quando as bombas de gás começaram a cair entre nós. Os policiais, agora bem menos profissionais, partiram para o pau, distribuindo cassetadas para todos os lados provocando correria e medo, um verdadeiro pânico se instalou. Entre um evento e outro houve um considerável up-grade da violência policial contra a criança e o adolescente.

 

Dei a sorte, juntamente com dois colegas, de encontrar aberta a portaria de um prédio. Ficamos escondidos dentro do elevador, até que, num dos andares, uma senhora abriu a porta e nos vendo apavorados lá dentro nos convidou para entrar em seu apartamento, tomar uma água para acalmar e aguardarmos a confusão acabar. Ainda nos orientou a ligarmos cada um para sua casa avisando que tudo estava bem. Realmente, naquele momento, tudo que queria era a minha mãe.

 

Quando saí, sem dinheiro para o ônibus, fui andando para casa com medo o tempo todo, olhando sempre para trás para ver se a polícia não estava vindo me prender.

 

Depois dessa refrega não tivemos mais pique para outras manifestações. Passado algum tempo, numa manhã mágica, quando minha mãe mais uma vez se esforçava para me acordar, morrendo de sono falei: hoje não tem aula mãe. O colégio pegou fogo. Podem acreditar! Era verdade. Não destruiu o prédio, só o chamuscou de leve, mas, bendito fogo, graças a ele saiu uma verba do governo e durante as férias de verão a tão querida e desejada reforma aconteceu.

 

Aprendi a lição. Quando quiser obter alguma coisa do governo não comece uma revolução, mas sim um incêndio.

* Aposentado como bancário e praticante de karatê e Sommelier na ativa, integrante da ABS-DF, Sérgio Pires é escritor e desenhista, poeta da prosa e exímio contador de histórias. Mora em Brasília com Lili, sua companheira linda e maravilhosa, aposentada da Embrapa, cozinheira, apaixonada pela alegria.

 

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

desenho por Manuela Marques/Roteiro por Tuty Osório
APOIO SUSTENTABILIDADE
HISTÓRIAS DE STERI 10

BONS RASTROS

Por Brigitte Bordalo*

Já não divido mais quarto de hotel.

 

Nem com marido que nem tenho mais. Com namorado pelas horas necessárias. Dormir junto, jamais! Tudo bem, aceito o pito, estou ficando chata.

 

Mas com filha divido.

 

E sempre cuidadosa de não incomodar, nem filha, ando com meu STERI 10 sempre. Constipação intestinal, laxante, um só banheiro, tudo explicado que os detalhes são de mau gosto…

 

STERI 10 agindo, nem vestígios da passagem da mãe pelo único banheiro do double basic.

 

Claro que me entendem!

 

*Brigitte é microempresária da gastronomia e da cultura.

CREPÚSCULO

MANTO DE BENÇÃOS

foto: Celso Oliveira

Frente fria no Sudeste e Centro do Brasil. Sou andarilha do trabalho, ando sempre para baixo e para cima deste país continente, tão lindo. E tão grande que pode fazer graus negativos e 30 acima no mesmo território, num só dia. O pensamento de quem tem compaixão vai para os moradores de rua e o suplício de não ter abrigo, agasalho. O horror de sua situação escancara-se e um tal de poder público e sociedade correrem atrás de zelar por suas vidas, há muito despidas de dignidade.  Padre Silvio Lancellotti, mais uma vez, não tarda e não falha, abre as portas da igreja e acolhe, grita, tenta sacudir. Cristão verdadeiro, faz-nos repetir e esperemos que sem cessar, enquanto preciso for: até quando?

 

Obrigada por estarem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe

 

Vivamos tambores e as estradas de Milton Nascimento, a nos guiar!

APOIO LUXUOSO

Em breve, bistrô saltimbanco