Edição N. 49 - 12/06/2022
Orquestra

Realização FORA DE SÉRIE percursos culturais.

Edição Geral: Tuty Osório

Textos: Antônio Carlos Queiroz, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Miguel Boaventura, Sarah Coelho, Tuty Osório,  Jô de Paula, Sérgio Pires, Francisco Bento, Renato Lui, Marta Viana, Alim Amina, Lia Raposo, Yvonne Miller, Elimar Pinheiro,

Fotografia: Celso Oliveira, Camilla Osório de Castro, Manuela Marques, Fernando Carvalho

Edição de Fotografia: Manuela Marques 

Projeto Gráfico e Diagramação: Manuela Marques com consultoria de Fernando Brito.

Ilustrações e Quadrinhos: Manuela Marques, Mário Sanders, Alice Bittencourt.

Revisão: Camilla Osório de Castro.

Mídias sociais: Beatriz Lustosa.

Desenvolvimento de Site: Raphael Mirai.

Música: Maurício Venâncio Pires, Alex Silva, Caio Magalhães, Manuela Marques

 

 
ALVORADA

SOU PORQUE SOMOS

Morei pertinho da África do Sul na infância. Num tempo tenebroso de apartheid, colonialismo e violência. O mundo inteiro mudou muito pouco. No que toca ao terror e à opressão. Continuo, eu e os meus, a salvo, de muitas maneiras e por diversos motivos. Naqueles dias longos de criança, quando aprendi a nadar no mar do sul, lutei contra o medo do escuro e fui capaz de acolher as outras espécies, subir às árvores era banal. Havia muitas no meu quintal de Moçambique. Não tinha consciência da guerra, porém, sentia que havia algo de muito ruim. O coleguinha branco levou um golpe de tamanquinho de madeira, arremessado por mim, por tentar humilhar o coleguinha preto e a mim mesma, coleguinha menina. Brincávamos na rua e aquilo me tomou como impulso e concreta indignação. Foi já adulta, no Brasil, que conheci o Ubuntu sul-africano, estampado em camisas, vociferado gloriosamente após a libertação de Mandela. Foi como a chegada de uma ancestralidade abafada pela alienação da história. Cada dia compreendo e vivo mais essa leitura de mundo. E gosto demais dela. Dessa grande roda, das mãos dadas, os abraços prontos, esse coletivo que começa em casa, atravessa a rua e pode, sim, mudar as coisas e nos fazer não morrer no ano que vem.

 

Começa agora mais um Domingo à NOITE em 2022! 

 

LAREIRAS MÁGICAS

LIBERDADE, LIBERDADE

por Camilla Osório de Castro

O curta-metragem “Oportunidade” foi realizado em 2016 coletivamente por um grupo de internos da Casa de Privação de Liberdade Agente Penitenciário Elias Alves da Silva com a orientação do professor e animador Telmo Carvalho.

A ação foi fruto de uma formação em cinema de animação advinda de parceria do NUCA (Núcleo de Cinema de Animação da Casa Amarela Eusélio Oliveira) e do Governo do Estado do Ceará.

O filme narra uma história de estrutura muito simples: vemos um homem na prisão, onde aprende carpintaria. Quando consegue a liberdade o personagem vai em busca de trabalho, mas nenhum local oferece a ele essa oportunidade. O homem então decide fazer móveis com restos encontrados no lixo e vender no sinal. Seu negócio cresce e a história termina com egressos da prisão recebendo oportunidades de trabalho em sua carpintaria.

Com duração de 3min, o filme não possui falas. Recursos como pés gigantes que chutam os personagens para a rua e uma mão gigante que acolhe e oferece a oportunidade vão costurando a narrativa e revelando as emoções que essas situações disparam na realidade concreta dos autores: homens em privação de liberdade que fizeram o curso de cinema de animação.

A potência desse filme não foi reconhecida apenas por mim.

Em 2017 ele compôs a programação do Anima Mundi, um dos mais importantes festivais de cinema de animação do país. O que é um grande feito considerando que é um filme resultante de um curso e com um orçamento provavelmente modesto.

“Oportunidade” é um filme extremamente rico para pensar uma série de aspectos importantes.

Gostaria de destacar aqui dois.

O primeiro é o potencial criativo de uma coletividade. Não há no filme um autor e sim um conjunto de cabeças pensando no contexto de uma oficina e o resultado obtido é simples, porém extremamente poderoso e disparador de reflexões como todo bom filme deve ser.

O segundo ponto é como o discurso desse filme difere da representação hegemônica de egressos do sistema penitenciário. Como é feito por pessoas em privação de liberdade, elas são capazes de lançar um olhar que foge totalmente do lugar comum, principalmente no Brasil contemporâneo onde o punitivismo parece imperar.

Deste modo, evidencia a ausência de pluralidade nas vozes que conseguem espaço para discutir o tema em nossa sociedade.

 

 

* Camilla Osório de Castro é cineasta e produtora cultural.  Pesquisa o Bem Viver. Mora no mundo, entre cidades. Acredita que sonho que se sonha junto é realidade.

CONTO

JEITINHO ALIENADO

por Tuty Osório

foto: Celso Oliveira

– Mãe, você viu que bizarro? Estão comprando produtos perto do vencimento, em promoção, para economizar…

-Eu vi filha. Na reportagem da rádio falava de um queijo Cottage de 17 reais, vendido por quatro a dois dias do limite de validade.

-Mãe, e um dono de mercadinho dizia que se sente muito gratificado porque pode ajudar as pessoas a economizar. Sendo caridoso e colocando pra vender produtos que seriam jogados fora.

-É o que chamo de distorção, filha.

-É distopia, isso sim, mãe. Se não fosse pra classe média empobrecida, a falso preço de vantagem, ia pro lixo alimentar os miseráveis. Sem controle sanitário, sem nada desses luxos civilizatórios!

-É, filha, parece coisa de filme de ficção. Já tem até apelido jocoso. VENCIDINHO…A disputa por produtos vencidos subvertendo toda a conquista por uma sociedade pretensamente livre de doenças, higienizada…

-De ficção, não, mãe, de terror. Na reportagem teve até uma nutricionista orientando que se a carne estiver a três dias do vencimento pode ser congelada e a validade estende-se por seis meses. Ou seja, é a podridão institucionalizada pelo conhecimento científico!

-Affe, filha, você tá que tá, hoje, hein? É domingo, pega leve!

-Mãe, você sempre diz que não tem dia marcado para ser feliz! Então também não pode ter dia marcado para ser consciente e ficar em pânico!

-Lá vem você jogando os meus próprios argumentos contra mim! Ô sina!

-É isso aí, mãe! É você mesma que diz, também, que a educação é um processo permanente e que todos, em vias de múltiplas mãos, temos essa missão!

-Tá certo, filha. Tá certo. Mas me deixa ser otimista hoje, pelo amor de Deus!

MÚSICA

CLODO FERREIRA - BRASÍLIA TOTAL

ACQ

REPÚBLICA POPULAR DAS LETRAS

por Antônio Carlos Queiroz

REPORTAGEM ENSAIO

SABER E PENSAR, MODO DE USAR

por Miguel Boaventura

foto: Celso Oliveira

Há imensa polêmica em torno da verdadeira inclusão que a internet promove, no que toca ao conhecimento acessível. Há uma profusão intensa de conteúdos, formatos, cursos, debates, em sínteses, longas teses e genuínas leviandades.

Confesso, e não seria necessário chamar de confissão se patrulha não houvesse, que o Youtube é um espaço virtual que me atrai. Tem muita bobagem, e devo confessar, também, que pelo perfil das minhas primeiras inscrições só me sugerem coisas que me são agradáveis – literatura, história, filosofia, política, arte em geral, com humor e sem humor, informação atualizada ou perspectivada em memória, direta, analisada. Nunca recebi uma só notificação de algo que não me agradasse.

A não ser quando os ditos algoritmos confundiram meu interesse por xamanismo com o culto obsessivo por extraterrestres.

Contudo, notem. Acessar conhecimento dito culto, pressupõe – também para o teoricamente democrático Youtube-, REPERTÓRIO. Sem ter sido previamente despertado pelos estudos políticos marxianos, pelo entendimento de Hegel, pelo repensar da democracia, pelos romances de Machado e os versos de Pessoa, jamais teria buscado esses assuntos, rebuscado, compartilhado, inscrito, transformando a minha relação com a Plataforma numa bola de neve de coloridas virtudes intelectuais.

Daí que, parece-me, essa expressão que achei patética quando ouvi pela primeira vez, passa a fazer sentido: MONITOR DE CONHECIMENTO. Pessoas que facilitam, sugerem, explicam, oferecem interpretações sem manipulações. Não substituem os professores, nem as escolas. São auxiliares, suporte, produção.

Inclusive, esses conteúdos e esses monitores podem ser úteis para tornar o espaço formal da sala de aula mais atraente. Tendo um papel ativo de combate ao desespero, apatia e anomia que assolam a adolescência e a juventude. O suicídio tem sido o ato de rebeldia, ou de desistência, conforme o sentido que cada suicida lhe atribui. Pode ser lento ou instantâneo.

Sempre de uma radicalidade de morte, quando essa energia devia estar a favor da vida.

Mas isso já é tema para uma próxima.    

TRILHA

TV BOITEMPO por Editora Boitempo

PAPO DE CABEÇA por Roberto Maciel e Maurição Lima

E muitas outras opções, no Youtube

*Com dupla residência entre Lisboa e Brasília, Miguel Boaventura é arquiteto urbanista e escreve por vocação e obrigação. Pessimista por consciência, luta para resgatar a esperança, a cada indignação.

HISTÓRIAS DE HISTÓRIAS

CAIXA DE CHOCOLATES

por Lia Raposo

“Do comovente bilhete suicida de Virgínia Wolf, à receita de scones que a rainha Elizabeth II da Inglaterra enviou ao presidente norte-americano Eisenhower; do pedido especial que Fidel Castro, aos catorze anos de idade, fez a Franklin D. Roosevelt à carta em que Gandhi suplica a Hitler que tenha calma; e da bela carta em que Iggy Pop dá conselhos valiosos a uma fã atormentada ao genial pedido de emprego de Leonardo da Vinci: Cartas Extraordinárias é uma celebração do poder da correspondência escrita, que captura o humor, a seriedade e o brilhantismo que fazem parte da vida de todos nós(…) Coletânea de 125 cartas oferece um olhar inédito sobre uma série de eventos e pessoas notáveis da História- não apenas personagens famosos, mas também indivíduos ditos comuns(…)”

 

Quem não gosta de histórias bem contadas? As cartas, nunca substituídas pelas mensagens de internet, por email ou whatsapp, pois havia uma relação de energia com a caneta e com o papel incomparável, inigualável, inatingível por novos modos. Abracem muitas dessas aventuras em missivas, cuidadosamente tratadas num livro emocionante.

 

TRILHA

Cartas Extraordinárias, organização Shaun Usher, Companhia das Letras

 

*Lia Raposo dedica-se a Estudos da Cultura, é redatora de Projetos Culturais, Produtora de Conteúdo e jornalista. Tem 33 anos de muitas dúvidas, algumas certezas e esboços de ousadia. 

APOIO ECOLOGIA
CURADORIAS
ASSISTA A MAIS FILMES DA CALIBAN, UMA VIAGEM REAL PELA HISTÓRIA RECENTE DO BRASIL.
CAMINHADAS

ÁRTICO INFINITO

Flavinha fez mais uma jornada e, sempre generosamente, compartilha com a gente as emoções.

 

“A viagem foi magnífica, muita gratidão pela oportunidade de estar num lugar tão cheio de força, assistir a harmonia do círculo de vida e morte em estado natural, embebida em beleza por 360°.”

TIRINHA

SÔNIA VALÉRIA, A CABULOSA

desenho por Manuela Marques/Roteiro por Tuty Osório
APOIO SUSTENTABILIDADE
HISTÓRIAS DE STERI 10

THEODORA RAINHA

Por Brigitte Bordalo*

Diz a história que Theodora foi imperatriz em Constantinopla, grande amor de Justiniano, forte influência política, muita intelectualidade e nada secretos atributos sensuais.

Nome nada típico de PET, uma amiga escolheu para a sua shitzu, mais para plebeia que para nobre, tal a disposição em se sujar pelo mundo, sem traços da raça criada pelos monges tibetanos, para presentear o imperador da China. Cães de manto em pelo e longos bigodes, apreciadores do chão frio, do escuro, do interior de portas, do conforto indoor.

Theodora é do balaco.

Adora rua e, se não sair, confirma a primazia real dominando a varanda do apartamento. Daí, um tico de STERI 10 já ameniza os odores do território de Theodora.

Não é lenda, não. STERI 10 na realeza canina, que independente de raça, origem, história, sempre impera nos nossos afetos, é amigo e protetor.   

 

*Brigitte é microempresária da gastronomia e da cultura.

CREPÚSCULO

ANCESTRAIS, ALDEIAS, AMOR

Não foi combinado, nunca é, nossa dinâmica de criação aqui é bem livre e ficamos brincando de coincidências que são encontros. De uma maneira ou de outra, todo o Domingo à NOITE de hoje é sobre generosidade, bondade, resgate de coletivo, família ampla, maternidade e paixão.  

 

Obrigada por estarem com a gente até aqui.

Tuty e Trupe

APOIO LUXUOSO

Em breve, bistrô saltimbanco